Novo foro dos militares já
tirou mil ações da Justiça comum, de ameaça a tortura
Lei sancionada por Michel Temer ampliou as
possibilidades de mudança de tribunal julgador, em caso de crimes contra civis
A Asa
Sul, em Brasília, é um dos espaços mais nobres e caros da capital. Ali,
mais especificamente na região da quadra 310, a presença de um homem causava
incômodo aos moradores. Usuário de drogas e suspeito de tráfico, Ronniely de
Souza não era bem-vindo. Três policiais militares decidiram, então,
castigá-lo. E com crueldade, como concluiu o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios (MPDFT). [um só individuo, ainda mais um marginal, não pode perturbar toda a sociedade;
no caso de Ronniely o corretivo guardou proporcionalidade com o seu comportamento, não resultou em morte ou lesão grave e certamente o individuo parou de praticar atos criminosos.
Mesmo defendendo a necessidade do Ronniely receber um corretivo, destacamos que o caso dele não foi alcançado pela mudança na legislação, visto que o comportamento dos policiais não está entre as práticas que passaram para competência da Justiça Militar, seja a federal ou a estadual - VEJA AQUI.]
Primeiro,
Ronniely foi detido de forma ilegal, algemado, colocado no “cubículo” de um
carro da polícia e levado para um matagal. Depois, levou chutes no rosto, nas
costas e um pisão no pescoço. Choques elétricos com uma pistola foram aplicados
no pescoço e no braço. Por fim, ele teve o pé perfurado por uma barra
pontiaguda de ferro. A tortura está descrita na denúncia. Cinco anos após o
crime, o caso chegou a uma reta final. No dia 20 de março, os promotores
entregaram as alegações finais, em que reiteram o pedido de condenação de dois
dos três PMs, Sidney Gomes Pereira e Hamilton Castro da Silva. Segundo a defesa
de Hamilton, o que tinha de ser informado está nos autos. A de Sidney não deu
retorno à reportagem. O caso já poderia ir à sentença, não fosse um detalhe: o MPDFT
pediu a transferência do processo da Justiça comum para a Justiça Militar.
O pedido
dos promotores não foi aleatório. Em 13 de outubro de 2017, o presidente Michel
Temer sancionou a lei 13.491, que amplia as possibilidades de militares
suspeitos de crimes cometidos no exercício da função deixarem a Justiça comum e
serem julgados na Justiça Militar, em caso de crimes contra civis. Os
promotores do DF se basearam na nova lei para pedir o declínio de competência.
A lei vem resultando em diversos casos de conflito de competência e numa
indefinição sobre a quem cabe julgar esses PMs, o que pode atrasar o andamento
das ações. Em dezembro, O GLOBO mostrou que as divergências já haviam começado
com a aprovação da lei. Uma solução definitiva ficará a cargo do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), que já analisa os primeiros conflitos de
competência, ou mesmo do Supremo Tribunal Federal (STF), provocado com ações
diretas de inconstitucionalidade. [é completamente sem sentido que o militar fardado, no exercício da função policial, vindo a incorrer em alguma prática que possa ser considerada criminosa seja punido pela Justiça Comum, pelo Código Penal.
Todo o processo deve correr na Justiça Especializada que além de maior rapidez (o efeito didático da pena é reforçado pela certeza do criminoso que será punido sem protelações) possibilita pena mais justa e o instrumento legal para a punição deve ser o Código Penal Militar.
A Justiça Militar apresenta a grande vantagem de atuar no sistema 'escabinado' que permite unir na apreciação do processo os conhecimentos jurídicos do juiz togado e os conhecimentos especializados dos militares que atuam no Conselho de Sentença - sempre militares de patente superior a do réu, preferencialmente da mesma força ou corporação, e que possuem o conhecimento das especificidades da função militar.
Um juiz leigo não possui a expertise para julgar um militar, acusado de prática delituosa que pode caracterizar crime, cometida no exercício da função militar e seguindo as normas e regulamentos militares.]
A 4ª Vara
Criminal de Brasília, por exemplo, ainda não se decidiu sobre o que fazer com o
processo da suposta tortura a Ronniely. Outras varas, em todo o país, já
tomaram essa decisão. Seis meses depois de começar a valer, a lei 13.491 levou
a um deslocamento de mais de mil processos que antes investigavam PMs na
Justiça comum, em 14 estados, e que agora estão abrigados na Justiça Militar,
como mostra um levantamento inédito feito pelo GLOBO. Uma decisão do STJ ou do
STF, no entanto, pode voltar a embaralhar esses processos. [oportuno ressaltar que a Justiça Militar se divide em dois ramos:
- Justiça Militar Federal, sendo sua primeira instância representada por Auditorias que julgam o processo através de um Conselho de Sentença (ver detalhes no comentário anterior) e seu órgão máximo é o Superior Tribunal Militar, sua 2ª Instância, sendo que a JMU cuida apenas dos crimes militares que envolvam as Forças Armadas = Marinha, Exército e Aeronáutica;
- Justiça Militar Estadual, que cuida dos crimes militares cometidos por policiais militares das polícias militares e bombeiros militares, sendo sua 2ª Instância os Tribunais de Justiça de cada Estado.]
ENTIDADES
CRITICAM 'IMPUNIDADE E BLINDAGEM'
Somente
em Goiás, por exemplo, o Tribunal de Justiça (TJ) espera um deslocamento de 3
mil processos envolvendo PMs. Os processos já transferidos nos estados
investigam PMs por tortura, abuso de autoridade, ameaça, lesão corporal,
organização criminosa, corrupção, concussão, peculato e até mesmo crimes como
estupro, posse ilegal de arma e de trânsito. A predominância é de casos de
abuso de autoridade. Além dos deslocamentos, a lei fez aumentar a quantidade de
procedimentos abertos pela PM — e não pela Polícia Civil — em casos de crimes
de militares contra civis: são 2,5 mil procedimentos novos desde outubro, em 11
estados. [vale o já destacado: muitos das práticas de policiais miitares que podem ser crimes, não passaram a para a Justiça Militar.
Além do mais o histórico da Justiça Militar não é pela impunidade dos criminosos.]
Se o caso
de Ronniely mudar de mãos, por exemplo, o juiz da Auditoria Militar do DF pode
optar por refazer a instrução do processo, levando-se em conta o princípio da
identidade física do juiz: o magistrado que faz a instrução é o que julga. Ele
pode, no entanto, manter o processo como está, ler e proferir uma sentença. O
caso estará, porém, eivado de insegurança jurídica: o STJ pode decidir
posteriormente que situações como essa deveriam ser mantidas na Justiça comum.
Além das
incertezas, integrantes do MP e da Justiça que criticam a lei elencam
basicamente três efeitos críticos:
1) a transferência de investigações de
crimes cometidos por PMs, especialmente tortura, o mais emblemático, da esfera
da Polícia Civil para as Corregedorias da própria PM, onde inquéritos
historicamente sofrem com atrasos, corporativismo e ausência de instrumentos de
apuração;
2) uma sobrecarga inédita de processos em varas e promotorias
militares (o mais comum é o estado ter uma única vara e uma só promotoria); e
3) a saída de militares federais dos tribunais de júri em caso de crimes
dolosos contra a vida, outra inovação da lei 13.491.
[mais uma vez insistimos em que a leitura da lei mostra que há um exagero por parte do MP e da própria Justiça nas críticas - os crimes dolosos contra a vida, cometidos por militares contra civis, continuam na competência do Tribunal do Júri.]
Já
promotores e juízes militares sustentam que há espaço para o recebimento desses
novos processos e que não haverá alívio aos PMs. Casos com penas menores, como
abuso de autoridade, podem inclusive levar esses militares a perderem
possibilidades de transformação da pena em medidas alternativas, como serviços
comunitários, prevista em juizados especiais e inexistente na Justiça Militar,
segundo promotores e juízes ouvidos pela reportagem.
Um
entendimento prevalecente é que já há um desequilíbrio de forças entre
polícias. Uma vítima de tortura de um PM, por exemplo, se verá obrigada a
procurar a Corregedoria da própria PM. Na interpretação que se vem fazendo da
lei nos estados, a investigação desses casos é exclusiva agora das
corregedorias, e não mais da Polícia Civil.
— A lei
faz com que os casos não sejam da Polícia Civil, para que tudo vire inquéritos
policiais militares (IPMs). Aí não adianta dizer que o MP vai investigar —
afirma a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da
2ª Câmara de Revisão da Procuradoria Geral da República (PGR).
Entidades
que atuam na defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional,
criticam a nova legislação, por enxergarem “impunidade” e “blindagem” aos
militares. [mais uma vez essa tal de 'anistia internacional' fala bobagem, fala besteira, coisas sem sentido;
em vez de ficar falando babaquice sobre assuntos que dizem respeito ao Brasil e às leis brasileiras a tal 'anistia' deveria falar da mortandade na Síria, do exército de Israel usar armas pesadas contra civis palestinos, que quando protestam ou estão desarmados ou usam pedras.] A lei é alvo de ações diretas de inconstitucionalidade no STF, uma
de autoria da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) e outra do PSOL.
Desde 27 de outubro de 2017, um pedido semelhante está no gabinete da
procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Esse pedido foi formulado por
colegiados da própria PGR. Dodge vem encontrando dificuldades jurídicas para
propor a ação.
MINAS,
GOIÁS E PARANÁ TÊM MAIOR QUANTIDADE DE PROCESSOS DESLOCADOS
A maior
quantidade de processos deslocados ocorreu em Minas Gerais (238), Goiás (214) e
Paraná (120). O efeito foi significativo também em quantidade de novos
inquéritos. No Distrito Federal, o total dobrou. Na Bahia, a média mensal de
abertura de inquéritos policiais militares (IPMs) aumentou 75% desde a vigência
da lei. Foram 310 IPMs abertos de outubro de 2017 até agora. Santa Catarina
somou 737 novos IPMs no mesmo período.
No Rio, o
crime de organização criminosa, se cometido por PM, passou a ser tipificado
como militar. Já ocupa a quarta posição em quantidade de processos na Auditoria
da Justiça Militar. O TJ-RJ teria decidido não fazer deslocamentos de casos de
abuso de autoridade, por entender que haveria prejuízo aos réus, uma vez que
eles podem contar com benefícios penais em juizados especiais.
Num
processo por associação criminosa, um grupo formado por policiais civis e por
um PM caminhava para um veredicto da Justiça do Rio, mas o processo acabou
deslocado para a Auditoria Militar em razão deste único PM. É o que pode
ocorrer com investigações sobre a atuação de milícias: uma divisão na
investigação, com policiais civis sendo investigados por civis e militares
investigados por militares. — O caso
Amarildo, por exemplo, foi investigado pela Polícia Civil. Se fosse hoje, seria
pela própria PM — diz o promotor Paulo Roberto Cunha, do MP militar.
Em
novembro de 2017, pouco mais de um mês depois de vigência da nova lei, a 1ª
Vara Criminal de Samambaia, região pobre do DF, acolheu pedido do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e declinou da competência
para julgar outro caso de tortura, em Brasília. A ação foi remetida à Auditoria
Militar. Os PMs
Clauberdam de Morais, Frederico Alves Bragança e Maurício Sousa Nascimento
foram denunciados por tortura praticada contra um homem acusado de estupro. [convenhamos que será uma sacanagem e tanto punir policiais pela aplicação de alguns sopapos em um verme estuprador.]
Houve “violência e grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental, com o
fim de obter confissão pela prática de suposto crime de estupro”, conforme a
denúncia do MPDFT. A vítima nem chegou a ser acusada do estupro. A defesa deles
alega que a tortura não existiu, nem física nem psicológica, e que os PMs serão
absolvidos. A mudança da ação para a Auditoria Militar foi pertinente, diz a
defesa.
— Se uma
investigação em curso na Polícia Civil já está madura, serão desnecessárias
medidas complementares. Claro que pode haver uma ingerência política na PM, mas
também pode haver na Civil. O STF vai ter de pacificar isso, sobre como os
estados devem aplicar essa lei — disse o promotor Flávio Milhomem, que atua no
âmbito da Auditoria Militar do DF.
EM DOIS CASOS,
STJ DECIDIRÁ ATRIBUIÇÕES DOS TRIBUNAIS
Conflitos
de competência passaram a ser comuns desde a vigência da lei que ampliou o
escopo de crimes militares. A maioria dos casos é resolvida nos tribunais de
Justiça (TJs), já que grande parte dos estados não tem uma estrutura de Justiça
Militar separada da Justiça comum (Vara Militar vinculada ao TJ, com um juiz de
direito, a exemplo das demais varas). Mas pelo menos dois conflitos foram
remetidos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os casos, obtidos pelo GLOBO,
são de Minas Gerais e São Paulo, que têm um Tribunal de Justiça Militar à
parte.
Em Minas,
tanto a 2ª Vara de Tóxicos da capital quanto a 3ª Auditoria da Justiça Militar
se acharam aptas para analisar um processo que trata de suposto tráfico de drogas
por uma sargento da PM. Ela estava numa casa alvo de ação da polícia, que foi
informada sobre drogas no local. A sargento fugiu da casa, onde estavam 90
munições de calibre .380. Policiais também apreenderam maconha, crack e uma
balança de precisão. A ação foi em janeiro.
O
conflito de competência foi formalizado no STJ em razão da nova lei. Os crimes
são tráfico de drogas e de desobediência. No primeiro parecer que se tem
notícia sobre esse tipo de conflito, a PGR foi a favor de que o tráfico permanecesse
na Justiça comum. “Essa Corte tem entendimento de que o policial militar não
pode ser enquadrado na definição de militar prevista no Código Penal Militar,
pois o próprio Código de Processo Penal traz definição que não contempla os
militares estaduais”, escreveu a subprocuradora-geral da República Luiza
Frischeisen, que atua no STJ. Para ela, a Lei 13.491 só alterou a situação dos
militares federais. “O tráfico de drogas cometido fora do horário de serviço em
local não submetido à administração militar não se enquadra em nenhum desses
incisos.” Já o crime de desobediência deve ir à Justiça Militar.
O
parecer, assinado no último dia 25, pediu ao STJ a “declaração incidental de
inconstitucionalidade” da lei sancionada pelo presidente Michel Temer. “O veto
que excluiu somente a cláusula de temporariedade da lei adulterou, por
completo, a vontade do Congresso Nacional. O procedimento correto seria o veto
total, sob pena de o presidente da República usurpar a função do Congresso
Nacional”, afirmou.
A
suprocuradora-geral ainda opinou sobre outro caso no STJ, no dia 26. Um militar
do Exército foi acusado de ameaça e lesão corporal leve. A ocorrência foi
registrada na Polícia Civil de São Paulo. Ele teria dado uma cabeçada e
apontado a arma para um segurança, tentar entrar num hospital onde a filha
estava. O MP-SP enviou o caso à Justiça Militar, que discordou. O caso foi
remetido ao STJ. A suprocuradora-geral defendeu a competência da Justiça comum.
O Globo