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terça-feira, 31 de outubro de 2023

Fósforo branco: Anistia Internacional acusa Israel de usar munição ilegal no Líbano; entenda - O Globo

Israel usou ilegalmente munições de fósforo branco ao longo da fronteira sul do Líbano, inclusive em ataques "indiscriminados" que "devem ser investigados como crime de guerra", acusou a Anistia Internacional em relatório publicado nesta terça-feira.  
De uso restrito pela lei internacional, a substância tem um poderoso efeito incendiário e causa queimaduras graves, danos respiratórios e falência de órgãos. 
O uso da substância em áreas civis é estritamente proibido pela convenção de Genebra de 1997, o que configuraria uma violação do direito internacional.O governo de Israel nega.

"É mais do que horrível que o exército israelense tenha usado fósforo branco indiscriminadamente, violando a lei humanitária internacional. O uso ilegal de fósforo branco no Líbano, na cidade de Dhayra, em 16 de outubro, colocou seriamente em risco a vida de civis, muitos dos quais foram hospitalizados e deslocados, e cujas casas e carros pegaram fogo", disse Aya Majzoub, vice-diretora regional da Anistia Internacional para o Oriente Médio e Norte da África.

As hostilidades na fronteira sul do Líbano aumentaram significativamente desde 7 de outubro, após os ataques do grupo armado palestino Hamas contra Israel. Os bombardeios israelenses no Líbano mataram pelo menos quatro civis e 48 militantes do grupo xiita libanês Hezbollah até o momento. O Hezbollah e outros grupos armados também dispararam foguetes contra o norte de Israel, matando seis soldados e um civil israelenses, de acordo com o Exército israelense. 
A Anistia Internacional está investigando os ataques do Hezbollah e de outros grupos armados ao norte de Israel para determinar se eles violaram a lei humanitária internacional.

A Human Rights Watch e o governo libanês também acusaram Israel de usar fósforo branco no Líbano e em Gaza. No início deste mês, o Exército israelense negou o uso da substância no Líbano.

Conflito em Israel:
Brasileiros em Gaza chegam a cidade do sul e esperam retirada pelo Egito
Israel alinha narrativa e prepara escalada do conflito com o Hamas após ultimato em Gaza

Texto preliminar de resolução da ONU preparado pelo Brasil fala em 'ataque terrorista do Hamas'
 
Milhares de famílias em Gaza fogem de forma caótica após ultimato de Israel

Hamas teve acesso a segredos do Exército de Israel antes de ataque terrorista

O que é o fósforo branco?
Ao contrário do vermelho, inofensivo e encontrado em palitos de fósforo, o fósforo branco é altamente tóxico e instável, com a propriedade de voltar a queimar mesmo após ser apagado se entrar em contato com o oxigênio.  
Devido a essa alta capacidade de combustão espontânea que se inflama a partir de aproximadamente 30ºC —, a substância deve ser mantida em água ou parafina. 
 
O fósforo branco pode ser fabricado por meio do fosfato encontrado em rochas, com uma aparência que se assemelha à cera, e tem odor ácido semelhante ao de alho. 
Translúcido, o fósforo branco tende a adquirir uma cor amarelada quando exposto à luz. 
A substância já foi utilizada na composição de pesticidas, venenos e fogos de artifício. 
Atualmente, é usada na fabricação de fertilizantes, aditivos alimentares, compostos de produtos de limpeza, chips de computador, ligas metálicas e bombas de fumaça.

O que são as bombas de fósforo branco?
Munições de fósforo branco têm poder altamente explosivo. Essas bombas são capazes de incendiar centenas de metros quadrados, uma vez que o fogo é causado pela reação do fósforo branco com o oxigênio, que queima até o fim.

A reação química entre a substância e o oxigênio pode iniciar uma combustão de cerca de 850 graus Celsius, queimando de forma extremamente rápida e brilhante.

A densa fumaça branca e tóxica produzida pela reação — o pentóxido de fósforo é capaz de obstruir a visão infravermelha e sistemas de rastreamento de armas, conforme relatório publicado pela ONG Human Rights Watch.

Quais os perigos das bombas de fósforo branco para os humanos?
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), o fósforo branco é absorvido pelo corpo humano quando inalado, ingerido ou por meio de contato com a pele. 
 
A exposição à substância pode causar queimaduras graves e que podem até mesmo atingir os ossos.  
Além disso, o fósforo branco pode entrar na corrente sanguínea e afetar órgãos internos, como os rins, o fígado e o coração, o que pode causar falência múltipla. 
 
Os pulmões podem ser gravemente afetados pela exposição à fumaça, danificando o sistema respiratório.  
O CDC também aponta danos sérios à córnea dos olhos, além de possíveis perfurações, inflamações no globo ocular (endoftalmite) e outros problemas oculares graves no caso de contato com os vapores da substância.

O tratamento dos ferimentos causados pelas bombas de fósforo branco é difícil, já que os fragmentos podem continuar a queimar em contato com oxigênio.

É proibida a utilização de fósforo branco na guerra?
Apesar de seu uso ser condenado por organizações de defesa dos direitos humanos, o fósforo branco não é proibido pela legislação internacional. Isso significa que é comum a utilização da substância em artifícios de guerra para iluminar territórios e abrir cortinas de fumaça no recuo de tropas e durante ataques.

Munições de fósforo branco operam da mesma maneira que armas incendiárias (“pela ação de chama, calor ou combinação destes, produzidos por uma reação química de uma substância lançada no alvo”), embora não recebam a mesma classificação perante as leis internacionais, revelando uma brecha nos protocolos dos tratados de armas da ONU. [comentário pautado apenas no aspecto HUMANITÁRIO: a ser verdade o afirmado por Aya Majzoub, vice-diretora regional da Anistia Internacional para o Oriente Médio e Norte da África, o uso de  fósforo branco por Israel, em áreas civis do Líbano representa além de grave violação ao disposto na convenção de Genebra, um ato de extrema crueldade, sem esquecer ser notório que Israel e o Líbano não estão em guerra.]

No entanto, o uso da substância em áreas civis é estritamente proibido pela convenção de Genebra de 1997, o que configuraria uma violação do direito internacional.

Mundo - O Globo


terça-feira, 20 de junho de 2023

A fábrica de morte de Wuhan - Revista Oeste

Dagomir Marquezi 

Reportagem especial do Sunday Times revela detalhes sinistros sobre a origem da covid-19

 

Mapa da China com marcador na cidade de Wuhan | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

No número 1 da London Bridge Street está a sede do jornal The Times, um dos mais longevos e prestigiados da história da imprensa mundial. 
No arranha-céu envidraçado com vista para o Rio Tâmisa, Jonathan Calvert e George Arbuthnott trabalham para a seção Insight. 
Eles produzem reportagens especiais para um diário que tem 238 anos de reputação a defender. 
Numa extensa reportagem publicada no último dia 11 na edição dominical do Times, Calvert e Arbuthnott revelaram alguns segredos perturbadores sobre a pandemia que afetou a todos.

“Cientistas em Wuhan, trabalhando ao lado dos militares chineses, estavam combinando os coronavírus mais mortais do mundo para criar um novo vírus mutante assim que a pandemia começou”, começa a longa matéria do Sunday Times. “Investigadores que examinaram comunicações interceptadas ultrassecretas e pesquisas científicas acreditam que os cientistas chineses estavam executando um projeto secreto de experimentos perigosos, que causaram um vazamento do Instituto de Virologia de Wuhan e iniciaram o surto de covid-19. (…) Investigadores norte-americanos dizem que uma das razões pelas quais não há informações publicadas sobre o trabalho é que ele foi feito em colaboração com pesquisadores do exército chinês, que o financiava e que, segundo eles, buscava a criação de armas biológicas.”

Como essas informações foram obtidas? “O Sunday Times revisou centenas de documentos, incluindo relatórios anteriormente confidenciais, memorandos internos, artigos científicos e correspondências por e-mail obtidos por meio de fontes ou por ativistas pela liberdade de informação nos três primeiros anos desde o início da pandemia. Também entrevistamos os investigadores do Departamento de Estado dos Estados Unidos — incluindo especialistas na China em ameaças pandêmicas emergentes e em guerra biológica — que conduziram a primeira investigação significativa dos Estados Unidos sobre as origens do surto de covid-19.”<img decoding="async" width="1368" height="896" src="https://medias.revistaoeste.com/qa-staging/wp-content/uploads/2023/06/rasgadinho1-1.jpg" alt="" class="wp-image-952855" srcset="https://medias.revistaoeste.com/qa-staging/wp-content/uploads/2023/06/rasgadinho1-1.jpg 1368w, https://medias.revistaoeste.com/qa-staging/wp-content/uploads/2023/06/rasgadinho1-1-300x196.jpg 300w" sizes="(max-width: 1368px) 100vw, 1368px" data-eio="p" />Reportagem publicada no último dia 11 na edição dominical do Times | Foto: Reprodução

“Impacto devastador na civilização humana”
O Instituto de Virologia de Wuhan, fundado em 1956, se envolveu nessa história no final de 2002, quando pesquisava as origens do vírus conhecido como Sars. 
O vírus provocava febre, dor de cabeça, desconforto e tosse seca. 
 
Surgiu pela primeira vez na província de Guangdong, sudeste da China.
Para pesquisar a origem da doença foi enviado um grupo de pesquisadores liderado pela cientista mais famosa de Wuhan: a doutora Shi Zhengli, conhecida como “Batwoman”, por causa de suas pesquisas sobre morcegos. O objetivo aparente da pesquisa era encontrar uma vacina contra a doença. 
 
Guangdong, sudeste da China | Foto: Shutterstock

Em 2009, o governo norte-americano ajudou a financiar o instituto com US$ 18 milhões por intermédio de uma ONG chamada EcoHealth Alliance — algo como “Aliança da EcoSaúde”. Seu presidente, o inglês Peter Daszak, dividiu com os cientistas chineses suas técnicas mais avançadas de manipulação de vírus.

Em 2012, a mesma doutora Shi descobriu em algumas montanhas da província de Yunnan um vírus parecido com o Sars
O novo vírus foi chamado de WIV1, usando a sigla que identificava o Instituto de Virologia de Wuhan. 
Outro vírus, chamado SHC014, foi enviado para o virologista norte-americano Ralph Baric. Baric desenvolveu a técnica de “humanizar” ratos de laboratório para que seu corpo se tornasse mais parecido com o organismo humano. Atropelou aí uma fila de princípios éticos científicos mais básicos. Mas aparentemente ninguém reclamou. 
 
O doutor Baric passou a fundir genes de diferentes vírus para torná-los mais fortes e virtualmente incontroláveis. 
Seu objetivo declarado era criar uma vacina contra doenças como a Sars. A vacina nunca virou uma realidade. 
E Baric tomou consciência do caminho que estava trilhando, segundo um texto de sua autoria de 2006: “Existem ferramentas para modificar simultaneamente os genomas para aumentar a virulência [e] transmissibilidade. Essas armas biológicas podem ser direcionadas a humanos, animais domesticados ou plantações, causando um impacto devastador na civilização humana”. Um desastre era apenas questão de tempo. Tudo “em nome da ciência”.
 
“O mais perigoso experimento de coronavírus já realizado”
Seguindo o princípio de Ralph Baric, vírus diferentes eram combinados no laboratório de Wuhan para um processo chamado “ganho de função”.  
O objetivo, acredite se quiser, era criar vacinas para doenças que não existiam
Cientistas estavam recebendo dinheiro para criar doenças fora do nosso controle, misturando a embriaguez do poder de vida e morte com o apetite por verbas fáceis.

A doutora Shi Zhengli anunciou em 2017 que seu pessoal no Instituto de Wuhan havia conseguido criar nada menos que oito vírus mutantes, desenvolvidos a partir das fezes de morcegos encontrados na Caverna Shitou. Dois desses vírus eram capazes de infectar células humanas. 

 Virologista chinesa Shi Zhengli dentro do laboratório P4 em Wuhan, capital da província chinesa de Hubei | Foto: Johannes Eisele/AFP

Segundo a matéria do Sunday Times, “a maior parte desse trabalho aconteceu em laboratórios (no Instituto de Wuhan) de nível 2 (BSL-2), que tomavam apenas precauções leves, comparáveis às usadas numa cirurgia dentária”. Fotos do interior do laboratório mostravam funcionários manipulando os receptáculos desses vírus de alta periculosidade.
Usavam apenas luvas cirúrgicas e uma dessas máscaras azuis que a gente compra na farmácia. 
 
Nessa mesma época, o Instituto de Wuhan desenvolveu o que foi descrito pelo biólogo molecular Richard Ebright como “o mais perigoso experimento de coronavírus já realizado”. 
Vírus criados artificialmente (fundindo os tipos WIV1 e SHC014) eram injetados nas narinas de ratos com pulmões “humanizados” — 75% das cobaias morreram no experimento. 
É um ambiente de insanidade científica, mas a essa altura havia ainda mais pressão para que o governo norte-americano continuasse enfiando dinheiro na fábrica de morte de Wuhan. Em nome da sua “Aliança da EcoSaúde”, Peter Daszak pediu mais US$ 14 milhões. O pedido foi negado.


O marco zero
E é a partir daí que a pesquisa científica se torna um enredo típico dos filmes de James Bond ou Missão: Impossível. Segundo um dos investigadores do governo norte-americano, “o rastro de documentos começa a escurecer”. Foi exatamente quando o programa secreto começou. “Minha opinião é que a razão pela qual [a pesquisa em] Mojiang foi encoberta foi o sigilo militar relacionado à busca [do exército] pela capacidade de uso duplo em armas biológicas, virológicas, e em vacinas”, disse o investigador, que não quis se identificar.

A partir daí, a busca por uma vacina dá lugar à pesquisa para tornar o vírus, desconhecido até então, ainda mais infeccioso para os seres humanos. Segundo os investigadores, “tornou-se cada vez mais claro que o Instituto de Virologia de Wuhan esteve envolvido na criação, disseminação e encobrimento da pandemia de covid-19”.Instituto de Virologia de Wuhan, na China | Foto: Wikimedia Commons

O marco zero da pandemia aparentemente ocorreu no mês de novembro de 2019, quando pesquisadores de Wuhan foram levados para o hospital com sintomas que hoje identificamos como covid-19. O silêncio do regime chinês foi absoluto. Um mês depois, o resto do mundo foi atingido pelo novo vírus.

A partir daí, a identificação da fonte da nova doença foi proibida pelo governo de Xi Jinping.  
A pesquisadora inglesa Alice Hughes, que estava envolvida na pesquisa por meio da Academia Chinesa de Ciências, foi proibida de se manifestar sobre as investigações e passou a ser vigiada pelo aparelho repressivo do Partido Comunista. Fugiu para Hong Kong.

O Departamento de Estado norte-americano passou então a agir ativamente para descobrir o que estava acontecendo nas entranhas do regime comunista chinês no período anterior ao surgimento da covid. Serviços de inteligência dos Estados Unidos tiveram acesso inédito a “metadados, informações telefônicas e de internet”. 

Xi Jinping, ditador da China | Foto: Reprodução/Flickr

Por ser altamente confidencial, o relatório publicado no início de 2021 foi ridiculamente pequeno — apenas 700 palavras. Segundo o relatório, “cientistas de Wuhan estavam conduzindo experimentos [no vírus] RaTG13 da mina de Mojang, e pesquisas militares clandestinas, incluindo experimentos em animais de laboratório, estavam sendo realizadas no instituto antes da pandemia”.
“O Instituto de Virologia de Wuhan tem realizado pesquisas secretas, incluindo experimentos em animais de laboratório, em nome do exército chinês desde pelo menos 2017”
 
O Sunday Times conversou com três dos membros dessa comissão e cientistas ligados às pesquisas em Wuhan. Eles concluíram que o objetivo era tornar os vírus cada vez mais perigosos, especialmente através do uso de ratos “humanizados”. Segundo uma dessas fontes, a técnica “acelera o processo natural de mutação. Em vez de levar anos para ocorrer a mutação, pode levar semanas ou meses. Isso garante que você acelere o processo natural”.

Ratos humanizados
Um dos cientistas que trabalhavam com o Departamento de Estado, o doutor Steven Quay, declarou que não fazia o menor sentido acreditar que vírus de morcego pudessem ser transmitidos para humanos. “Seria a primeira vez que isso aconteceria na história da ciência humana.” A covid-19 seria um claro caso de criação proposital de vírus por meio de “ratos humanizados”: “Você infecta os ratos, espera uma semana mais ou menos, e depois recupera o vírus dos ratos mais doentes. Então você repete o processo. Em questão de semanas, essa evolução direcionada produzirá um vírus que pode matar todos os ratos humanizados”. Isso explicaria, segundo ele, por que o vírus surgiu tão marcadamente adaptado para infectar humanos.

 

A covid-19 seria um claro caso de criação proposital de vírus por meio de “ratos humanizados” | Foto: Shutterstock

O relatório do Departamento de Estado deixa explícito o objetivo da criação desse vírus: “Apesar de se apresentar como uma instituição civil, os Estados Unidos determinaram que o Instituto de Virologia de Wuhan colaborou em publicações e projetos secretos com o exército chinês. O Instituto de Virologia de Wuhan tem realizado pesquisas secretas, incluindo experimentos em animais de laboratório, em nome do exército chinês desde pelo menos 2017″.

Um dos investigadores declarou que os militares chineses estão envolvidos com o Instituto de Wuhan desde 2016, quando as conclusões dos experimentos se tornaram cada vez mais secretas. Segundo a matéria do Sunday Times, as pesquisas em Wuhan eram realizadas em parceria com a Academia de Ciências Médicas Militares — um ramo de pesquisas do Exército de Libertação Popular (ELP), o nome oficial das Forças Armadas da China.

Um livro publicado por essa mesma academia, em 2015, declarava que o Sars representava uma “nova era de armas genéticas” (…) que podiam ser “manipuladas artificialmente em um vírus emergente de doença humana, que então era transformado em arma e utilizado”. Os autores do livro, pesquisadores do ELP, falavam abertamente sobre armas biológicas e colaboraram diretamente com os cientistas de Wuhan.

Caindo do telhado
Qual é a lógica por trás da pesquisa?
Segundo os investigadores entrevistados pelo Sunday Times, a ideia seria transformar vírus em armas e, ao mesmo tempo, trabalhar numa vacina contra essas novas doenças. Na cabeça desses militares, os chineses sobreviveriam vacinados, enquanto o resto do mundo seria dizimado pelo novo vírus modificado. O raciocínio não prevê o estado de caos de uma pandemia, mas é típico de mentalidades autoritárias.

A rapidez com que os chineses produziram uma vacina quando a covid-19 saiu de controle só aumentou essa suspeita. O doutor Robert Kadlec concluiu que a vacina chinesa contra a covid (coordenada pelo cientista militar Yusen Zhou) já estava sendo trabalhada em novembro de 2019 — antes, portanto, da pandemia.

Um incidente aumentou o clima de suspeita em torno do caso. Em maio de 2020, o doutor Yusen Zhou foi anunciado morto aos 54 anos. Causa mortis: ele teria “caído” do telhado do Instituto de Wuhan.  
 
Se isso acontecesse num filme de James Bond, todo mundo ia considerar uma fantasia. Na reportagem, pareceu o que se chama na linguagem policial de “queima de arquivo”.Segundo os investigadores entrevistados pelo Sunday Times, a ideia seria transformar vírus em armas e, ao mesmo tempo, trabalhar numa vacina contra essas novas doenças | Foto: Shutterstock
 
As investigações revelaram que três cientistas do Instituto de Virologia de Wuhan com idade entre 30 e 50 anos teriam sido os primeiros infectados pela covid-19, ainda em novembro de 2019. 
Um deles faleceu. 
Sinais de alerta foram captados nas comunicações pedindo reforços urgentes na segurança interna do instituto. 
 
Em 19 de novembro, o diretor de segurança da Academia Chinesa de Ciências visitou o instituto
Recebeu pedidos de alguns de seus líderes para serem retransmitidos ao próprio presidente Xi Jinping, alertando para a situação “grave e complexa” vivida no conjunto de laboratórios. 
A primeira reação do regime foi apagar as evidências de que a origem da pandemia havia sido no Instituto de Virologia. 
Suspeitas foram fabricadas contra o “mercado molhado” de Wuhan e as cavernas de morcegos de Yunnan. 
Por muito tempo o mundo comprou essas versões. 
 
O artigo do Sunday Times deixa algumas pistas que apontam os verdadeiros responsáveis por uma doença criminosa que causou 7 milhões de mortes ao redor do mundo, provocou uma crise econômica sem precedentes e possibilitou a instalação de “ditaduras sanitárias” em todo o planeta.  
Até agora, nenhuma punição aconteceu aos que provocaram essa catástrofe global.

O que estará acontecendo neste exato momento no interior das paredes do Instituto de Virologia de Wuhan?

Leia também “Procuram-se profissionais de tecnologia”

Dagomir Marquezi,  colunista  - Revista Oeste

 

terça-feira, 1 de março de 2022

4 tragos de vodca

Gazeta do Povo - Revista Oeste

As coincidências de um mundo que dá voltas

Sete reflexões, ou “tragos de vodca”, sobre a guerra na Ucrânia

Na semana passada, logo depois de iniciada a invasão da Ucrânia pela Rússia, comecei a anotar algumas reflexões sobre o conflito. Chamei a série de “Tragos de Vodca“.

Os quatro primeiros “tragos” publiquei na Revista Oeste e estão na sequência dos outros três, que trago hoje para minha coluna da Gazeta do Povo. Espero que essas sete anotações ajudem o leitor a entender melhor o ataque à Ucrânia.

Jogo de palavras
O Ministério da Defesa – do Ataque? – russo teceu duras críticas à Ucrânia pela iniciativa de armar sua população civil. O major-general, porta-voz da pasta, afirmou que “o regime nacionalista de Kiev distribui massiva e incontrolavelmente armas leves automáticas, lançadores de granadas e munição para moradores de assentamentos ucranianos”, acrescentando que “o envolvimento da população civil da Ucrânia pelos nacionalistas nas hostilidades levará inevitavelmente a acidentes e baixas” – talvez como aquela ogiva russa armada e parcialmente enterrada num parque infantil...

A escolha de palavras do Kremlin requer tradução: “regime nacionalista de Kiev” é putinês para o governo democraticamente eleito da Ucrânia, capitaneado por um Presidente, Volodymyr Zelensky, que obteve mais de 70% dos votos em 2019. Já as hostilidades supostamente incentivadas pelos nacionalistas nada mais são do que a resistência heroica e patriota de cidadãos livres, de um país independente, lutando por sua autonomia – não se trata de moradores de assentamentos, mas de residentes nacionais de um povo em pleno gozo da sua autodeterminação.

O PT e sua indisfarçável simpatia pelo autoritarismo
Como a Ucrânia se desfez do seu arsenal nuclear, num acordo que só ela respeitou

O porta-voz russo insiste: “Pedimos ao povo da Ucrânia que seja consciente, não sucumba a essas provocações do regime de Kiev e não se exponha e seus entes queridos a sofrimento desnecessário”. Pegar em armas contra uma força estrangeira invasora não requer muita provocação, nem parece sintoma de ausência de consciência; mas será que o sofrimento de civis e militares da resistência é fútil ou desnecessário?

“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança” disse Benjamin Franklin, na época em que os EUA eram o farol da humanidade, onde abundavam lideranças de verdadeira envergadura moral – como são os anônimos da resistência ucraniana.

País desarmado, povo refém
O pronunciamento oficial da Rússia sobre a distribuição de armas em Kiev veio um dia após o Ministério da Defesa e do Interior da Ucrânia solicitar a colaboração dos moradores da capital: “nos informem sobre movimentos de tropas, façam coquetéis molotov e neutralizem o inimigo”. Nas redes sociais, o governo publicou um passo-a-passo para a fabricação caseira de bombas de gasolina e, segundo fontes oficiais, 18 mil armas foram distribuídas.

O descontentamento da força invasora com o armamento voluntário da população violada sinaliza a potencial efetividade da estratégia de formação de milícias civis e do combate de guerrilha. Muitas batalhas já foram vencidas dessa maneira, inclusive durante a sanguinária incursão nazista na Rússia. Obrigar o inimigo a lutar por cada esquina, rua e prédio – apreensivo a cada palmo que avança em território hostil – abala a moral do exército intruso; além disso, nada como o combate homem a homem para materializar a violência (e a estupidez) do conflito, tanto para quem participa, quanto para quem assiste.

Daí a insatisfação do porta-voz e major-general russo, cujas palavras desbordam para o campo da ameaça ao citar uma inevitável escalada de baixas e de sofrimento entre os civis ucranianos. Por outro lado, o exército russo pareceu não se incomodar com a (nobre) tentativa de civis desarmados de barrar o avanço de tanques blindados na cidade ucraniana de Chernigov – o metal prevaleceu sobre a carne-e-osso, assim como a força prepondera sobre a razão em situações de guerra.

Velhos hábitos
Vladimir Putin tem um andar característico, flagrado em múltiplas filmagens, que já foi até objeto de artigos científicos. Em vez de movimentar os braços livremente, utilizando-os como contrapeso aos seus passos, o presidente russo caminha de forma assimétrica, com a movimentação reduzida em seu lado direito, dos ombros à mão.

Essa forma peculiar de marcha apelidada (e glamourizada) pela imprensa internacional como “gunslinger’s gait” (o passo do pistoleiro, em tradução livre) é atribuída ao treinamento de agentes da KGB, o serviço secreto soviético, onde Vladimir Putin chegou à patente de tenente-coronel.

Segundo os pesquisadores, a proximidade do braço ao corpo favoreceria o acesso mais rápido ao coldre e a agilidade no saque da arma numa eventual situação de emergência. Assim caminham o líder russo e seus velhos hábitos.

Tempos difíceis e seus homens
Spiridon Putin, avô paterno do presidente da Rússia, era cozinheiro pessoal de Lenin e outros líderes da Revolução Russa — uma informação que, por algum motivo, foi mantida em sigilo até 2018. Quando Stalin tomou o poder e perpetrou a carnificina dos expurgos, chef Putin e sua esposa foram poupados: “Eles eram, provavelmente, valorizados por serem pessoas de confiança”, comentou Putin, o neto, nascido em 1952 em Leningrado, onde viveu com a família em um apartamento comunitário.

Putin, o pai, nasceu em 1911, com o país sob domínio czarista. Ainda na infância, testemunhou uma revolução, uma guerra mundial e a fome russa, que matou cerca de 5 milhões dos seus conterrâneos. Lutou na Segunda Grande Guerra e foi gravemente ferido por um tiro de metralhadora; sobreviveu, assim como sua mulher, que resistiu ao cerco a Leningrado, um morticínio que vitimou ao menos 2 milhões de russos, entre militares e civis. Vladimir Putin é o filho mais velho desse casal — mas só porque seus irmãos, nascidos antes, faleceram na infância.

Reza o provérbio oriental:Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”… Onde estaremos?

Tempos fáceis e seus homens
Emmanuel Macron nasceu em 1977, formou-se em filosofia e graduou-se em administração com mestrado em políticas públicas. Tornou-se sócio do Rothschild & Cie Banque, que o fez milionário antes dos 35 anos. Já como presidente da França, lançou mão de uma estratégia velada e intelectualmente desonesta de protecionismo agropecuário contra o Brasil, amealhando quase 150 mil coraçõezinhos em sua postagem lacradora sobre a Amazônia em 2019, ilustrada pela foto de um incêndio de décadas atrás: “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Floresta Amazônica — os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta — está pegando fogo. É uma crise internacional”. Claro que pulmões não produzem oxigênio, absorvem — exatamente o que faz a floresta, que consome a maior parte do gás liberado pela fotossíntese, embora contribua de outras formas para a ecologia e o clima do mundo. Mas o que salta aos olhos é a definição do presidente francês de crise internacional.

Parece que os líderes do mundo livre finalmente depararam com uma crise internacional de verdade

Outro que já usou a Amazônia para bravatear e capitalizar politicamente foi o commander in chief Joe Biden, que, num debate eleitoral, sugeriu o pagamento — estamos aguardando! — de algo como US$ 20 bilhões para que o Brasil parasse de destruir a Amazônia. O então candidato até ameaçou: Se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas”.

Parece que os líderes do mundo livre finalmente depararam com uma crise internacional de verdade, que requer sanções concretas contra agentes políticos realmente antagônicos aos valores do Ocidente. E agora?

O mundo dá voltas
Há dez anos, Mitt Romney, candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, foi entrevistado pela CNN e afirmou: “A Rússia é, sem dúvida, nosso maior inimigo geopolítico”. Romney acrescentou: “Quem sempre se alinha aos piores atores globais? A Rússia, geralmente com a China ao seu lado”.

Ato contínuo, em sua campanha pela reeleição, o presidente Barack Obama fez questão de zombar seu adversário por essa resposta: “Quando você foi perguntado qual era a maior ameaça geopolítica contra a América, você respondeu Rússia, não Al-Qaeda [grupo terrorista de extremistas islâmicos responsável pelos ataques de 11 de Setembro]. E os anos 1980 estão na linha solicitando sua política externa de volta, porque a Guerra Fria acabou há 20 anos”.

Barack Obama, o sarrista, foi o único presidente americano na história a completar oito anos de gestão com as tropas do seu país em combate ativo no exterioruma contradição flagrante à sua plataforma eleitoral, que contemplava o encerramento de conflitos e o retorno das Forças Armadas ao lar. Durante seu governo, em 2014, os russos invadiram e anexaram o estratégico território da Crimeia, antes pertencente à Ucrânia.

Embora a anexação não seja reconhecida pela ONU, a unificação ao território russo é dada como fato consumado. Especialistas avaliam que a incursão pela Crimeia foi o balão de ensaio para um movimento mais ousado de Putin na Ucrânia, que ocorreu tão logo um democrata voltou a ocupar o Salão Oval. São as coincidências de um mundo que dá voltas…

A guerra, a fome e o sofrimento desnecessário
No terceiro dia de guerra, o número de fatalidades permanece desconhecido e sigiloso. Um relatório das Nações Unidas dá conta de, ao menos, 64 mortes entre os civis ucranianos – suspeita-se que o número de baixas entre os militares já esteja na casa de centenas, em ambos os lados. Esses óbitos vão pra conta de um governo russo de pretensões imperialistas, que violou tratados internacionais e tem pouca tolerância a regimes democráticos, exceto quando alinhados ao Kremlin. Putin já declarou que “o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século [XX]” – sim, por incrível que pareça, ele se referia ao mesmo centenário que assistiu a duas guerras mundiais e aprisionou centenas de milhões de pessoas na escuridão da cortina de ferro socialista.

Há menos de 100 anos, no alvorecer da URSS, outro governo russo impôs aos ucranianos sua visão de mundo enviesada e ideológica. Entre 1932 e 1934, a Ucrânia foi devastado pela Grande Fome, ou Fome Terror, ou ainda Holodomor (“matar pela fome”) que massacrou 3.9 milhões de ucranianos étnicos por inanição – para muitos, um genocídio levado a cabo pelo governo soviético, que impôs políticas isolacionistas, coletivistas e de confisco agrícola aos camponeses, muitos dos quais recorreram até ao canibalismo na tentativa desesperada de sobrevivência.

Os horrores do Holodomor levaram décadas para chegar ao conhecimento do Ocidente. [informação:o Holodomor aconteceu  quando Stalin presidia a Rússia - o tirano soviético conseguiu ser pior que uma hipotética soma de Mao Tsé-Tung, Kim Jong-Un, Pol Pot - porém, o pior de todos foi o chinês Mao  - que superou a soma de todos em número de mortos.]. Só após a queda da União Soviética – a tal catástrofe geopolítica – o mundo livre conheceu a verdade sobre a fome, a miséria e a violência do comunismo e suas doutrinas derivadas. Putin até que se esforça para imitar seus antecessores, dificultando a livre circulação da informação e restringindo o acesso às redes sociais; mas o mundo de hoje é muito mais conectado e talvez mais sensível ao “sofrimento desnecessário”, como diria o major-general russo. Bastam as mortes – e não milhões de mortes – para alertar e mover a opinião pública. Na zdoróvie.

Leia também “‘Bolsonazismo’ e a banalização do mal”

Caio Coppolla, colunista - Gazeta do Povo - Vozes - Revista Oeste


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

VAMOS FALAR DE PRECATÓRIOS?- Gilberto Simões Pires

PEC DOS PRECATÓRIOS
Hoje cedo, enquanto os integrantes do Pensar+ trocavam mensagens a respeito da famigerada - PEC DOS PRECATÓRIOS - que resultou aprovada ontem à noite, em 2º turno, na Câmara Federal, o pensador Mateus Bandeira compartilhou dados importantíssimos que extraiu de um esclarecedor artigo produzido pelo mestre em contas públicas, o economista e também pensador Darcy Francisco Carvalho dos Santos, que trata da EVOLUÇÃO DE SENTENÇAS JUDICIAIS E PRECATÓRIOS DA UNIÃO. 

57 VEZES
Os números, como bem expõe o pensador Darcy Francisco dos Santos, são simplesmente horripilantes. A tabela que segue, como pode ser observada, mostra a evolução da despesa com precatórios entre 2005 e 2020 acrescida das previsões (feitas pelo autor) para os exercícios de 2021 e 2022. Vejam que neste período (2005 a 2022) os VALORES DOS PRECATÓRIOS foram multiplicados por 57,5 vezes. Pode? Mais: em relação ao PIB, eles passaram de 0,03%, alcançando o máximo em 0,31% em 2020. E, se tiverem que ser pagos integralmente em 2022, passam a 1,17% do PIB. Que tal? 

[Clique na tabela para ampliar]
 
FUNDEF
Mais ainda: neste saldo atual dos PRECATÓRIOS, como bem lembra o pensador Paulo Moura, estão contidos débitos do antigo FUNDEF (Fundo para o Ensino Fundamental, antecessor do Fundeb, que vigorou entre 1997 e 2006), num total de R$ 16,6 bilhões, devido aos estados do Amazonas, Bahia, Ceará e Pernambuco. Coisa, portanto, de 15 ou 20 anos atrás.

METEORO
Gostem ou não, se revoltem ou fiquem apenas dominados pela pasmaceira, o fato é que a poderosíssima, celestial e incontestável SUPREMA CORTE, assim de repente, depois de tantos anos sentado em cima do METEORO, simplesmente mandou o atual governo PAGAR os PRECATÓRIOS. Mais: fez isto neste grave e delicado momento para desestabilizar o governo, sabendo que o ORÇAMENTO -DEFICITÁRIO- DA UNIÃO não oferece a menor possibilidade de atender o que foi decidido. De novo: por mais legítima que seja a decisão, o fato é que o METEORO, independente da aprovação da PEC, cria um grave problema FISCAL, com reflexos terríveis para a economia e para o social. Como só resta administrar a encrenca, pois o STF já decidiu, a simples aprovação da PEC representa um sopro de ar para manter funcionando os deteriorados pulmões do nosso empobrecido Brasil. 

Ponto Crítico - Gilberto Simões Pires


sábado, 9 de outubro de 2021

Câncer: novos medicamentos reduzem necessidade de quimioterapia

Entre os tumores mais beneficiados com a nova abordagem estão os de mama e o de pulmão

 A chegada de medicamentos capazes de atacar apenas as células tumorais promove uma guinada no jeito de tratar o câncer e reduz a necessidade de uso da quimioterapia


 MUDANÇA - Novos ares: após químio, Fátima usa remédios menos agressivos - Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA

O semblante tranquilo, o sorriso no rosto, o cabelo mais longo, nada faz supor que a aposentada paulista Fátima Aparecida Guerra, de 57 anos, ex-secretária, enfrente um câncer de mama há treze anos. Mais difícil ainda seria imaginar que, desde julho de 2019, ela trate metástases desse mesmo tumor nos pulmões, nos ossos e na região próxima à traqueia. Em 2008, quando a doença foi diagnosticada e o tumor extraído por meio de cirurgia, Fátima era outra mulher. Submetida à quimioterapia, a cada sessão seguiam-se oito dias na cama de intenso desconforto. “Não tinha forças para me levantar”, ela lembra. “Além das náuseas, do cansaço, sentia dores horríveis.” Dez anos depois, quando soube que células tumorais haviam se alojado em outras partes de seu corpo, o filme voltou a sua cabeça. Que angústia pensar naquilo tudo de novo. Felizmente, a história não se repetiu. Em pouco mais de dois anos de tratamento, os tumores diminuíram e Fátima segue forte, sem tanto sofrimento quanto da primeira vez.

Fátima é o retrato feliz de uma guinada espetacular na forma de tratar o câncer, que pouco a pouco tira de cena a quimioterapia para dar lugar a medicações bem menos agressivas e muito mais eficazes. É uma revolução que acontece gradualmente, como em geral são as transformações produzidas pela ciência, e que tem beneficiado milhares de pacientes em todo o mundo. Nessa segunda rodada de tratamento, Fátima, por exemplo, não precisou de quimioterápicos porque está sendo medicada com uma droga que atua de forma seletiva sobre as células doentes, sem danificar tanto tecidos saudáveis. Por isso a redução dos tumores — o ataque é preciso — e a menor ocorrência de efeitos colaterais sobre o organismo da ex-secretária. “Eles nem se comparam ao que acontecia quando eu fazia químio”, diz. De fato, enquanto os remédios modernos têm atuação bem definida, a quimioterapia atinge o corpo todo, matando o câncer mas destruindo também células normais.

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Não surpreende, portanto, que só na semana passada tenham sido aprovados no Brasil dois medicamentos contra ambos. O primeiro é o amivantamabe, da farmacêutica Janssen, indicado contra um tipo raro de câncer de pulmão. O segundo é o trastuzumabe deruxtecan, da Daiichi Sankyo e AstraZeneca, feito contra um tipo específico de câncer de mama. Ele faz parte da classe conhecida como químio inteligente. Isso porque a droga leva até a célula tumoral uma concentração elevada de quimioterápico. Faz isso graças a um anticorpo desenhado para chegar às células desejadas, como um trem com destino certo. Os resultados do remédio foram tão expressivos que a Food and Drug Administration, a agência americana responsável pela aprovação de remédios, decidiu pela liberação depois de analisar as conclusões da primeira fase dos estudos clínicos com a droga. Isso só acontece quando os benefícios são tão espetaculares que não deixam dúvida sobre a pertinência em liberar a medicação. “A altíssima eficácia do remédio pode revolucionar o tratamento do tumor para o qual foi criado”, diz o oncologista Marcelo Cruz, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. A estratégia evoca a busca do alemão Paul Ehrlich, prêmio Nobel de Medicina em 1908, por aquilo que ele chamava de “bala mágica”: uma substância tóxica que matasse apenas tecidos doentes.

Quando drogas assim começaram a chegar, não eram consideradas a primeira escolha de tratamento. Isso também está mudando, como disse a VEJA o oncologista Robert Vonderheide, diretor do Penn Medicine’s Abramson Cancer Center, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, reputado centro de pesquisa e tratamento. “Para muitos pacientes com câncer de pulmão, a quimioterapia não é mais a primeira opção”, diz ele. “Preferimos ir com as terapias-alvo ou com a imunoterapia, abordagens que têm ajudado a revolucionar o cuidado com nossos pacientes nos últimos anos.” A imunoterapia é um tratamento biológico que potencializa a atuação do sistema de defesa do corpo contra os tumores. No câncer de mama, a quimioterapia também é menos usada. Um estudo da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, retratou bem o fenômeno. Depois de analisar as respostas de 504 oncologistas e de 5 080 pacientes com determinados tipos da doença em estágios iniciais, o time de Stanford concluiu que o declínio no uso da quimioterapia entre as mulheres foi de 34%, em 2013, para 22%, em 2015. Entre os especialistas, a indicação caiu de 44% para 31% no mesmo período. Um dos desafios dos médicos é saber quando ela é cabível. O que ajuda a esclarecer dúvidas são painéis genéticos que apontam quem se beneficiará da terapia. Uma avaliação desse tipo evitou que 70% de mulheres com câncer de mama em estágio inicial recebessem quimioterapia sem necessidade no Hospital Pérola Bying­ton, em São Paulo.

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Publicado em VEJA, edição nº 2759, de 13 de outubro de 2021

Saúde - VEJA - MATÉRIA COMPLETA


sábado, 25 de julho de 2020

87% dos mortos por covid no DF tinham outros males; veja os mais perigosos

Quase 90% das pessoas mortas por complicações da covid-19 no Distrito Federal apresentavam doenças preexistentes. O tratamento e o controle dessas enfermidades podem evitar óbitos de pacientes

Desde o primeiro caso confirmado da covid-19 no Distrito Federal, em 5 de março, mais de mil brasilienses morreram devido à doença. Além disso, a quantidade de infecções, que cresce diariamente, ultrapassa os 90 mil registros. Dados da Secretaria de Saúde mostram que quase 90% das vítimas do novo coronavírus da capital tinham doenças preexistentes, que complicaram o quadro clínico dos pacientes. 
Cardiopatas e acometidos por distúrbios metabólicos, como a diabetes, são os que mais vieram a óbito. Especialistas ouvidos pelo Correio explicam como o vírus age em conjunto com essas enfermidades e que o controle e o tratamento delas podem evitar mortes.

O Distrito Federal atingiu a marca de 1.133 pessoas mortas pela covid-19 ontem. Dos óbitos registrados, 992 tinham comorbidades, ou seja, 87,6% das vítimas da capital apresentavam doenças preexistentes. A mais comum, segundo monitoramento da Secretaria de Saúde, é a cardiopatia. No total, 701 pacientes que perderam a vida para a covid-19 tinham a enfermidade. Em seguida, estão distúrbios metabólicos (447), pneumopatia (173) e obesidade (130).

André Moraes Nicola, médico e professor de imunologia médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), explica que o coronavírus pode agir diretamente em outras partes do corpo, além dos pulmões. “O vírus tem uma ação direta de infectar as células e atrapalha o funcionamento de outros órgãos. Caso eles estejam doentes, aumentam as chances de eles pararem de funcionar. É o caso de enfermidades cardíacas e pulmonares”, detalhou.

Segundo o especialista, outro motivo que pode provocar a morte de pacientes é a inflamação. “O que mata não é o dano que o vírus causa, mas a resposta do sistema imune, que provoca dano no pulmão e leva a pessoa à morte”, explicou. O médico acrescenta que algumas doenças causam o aumento desse fator no corpo, como a diabetes. “Um diabético tem um nível de inflamação que pode aumentar as chances de a pessoa ter uma resposta muito forte contra a covid-19, o que causa complicações”, alertou.

Nicola comenta que estudos sugerem condições como hipertensão e doenças cardíacas como capazes de aumentar a produção de uma proteína na célula, que é receptora do vírus. “Devido a esse fator, a covid-19 consegue entrar mais rapidamente. É como se fosse uma fechadura em que a chave do vírus se encaixa para entrar na célula”, exemplifica.

Idade
Outro fator de risco para o novo coronavírus é a idade. No Distrito Federal, 823 pessoas — 72% do total de óbitos — tinham mais de 60 anos. O grupo etário que mais registrou mortes é o de pessoas com mais de 85 anos (181). O segundo lugar revela-se de pacientes entre 80 e 84 anos (140), e o terceiro, entre 75 e 79 (138). No total, 62 pessoas com menos de 39 anos faleceram por complicações da covid-19.

O parasitologista do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) Jaime Santana explica que crianças, adolescentes e jovens adultos, dificilmente, têm problemas com o novo coronavírus. De acordo com ele, a covid-19 é uma doença inflamatória e, como qualquer processo desse tipo, o corpo começa a produzir substâncias para destruir o agente invasor e o ambiente onde ele está. “Essa reação natural é importante, porque passa uma informação ao sistema imune para a produção de anticorpos. É como se fosse uma vacina”, comentou.

Entretanto, segundo Jaime, quanto mais avançada a idade, mais processos inflamatórios são encontrados no corpo: as placas de gordura vão se depositando nas placas de artérias e veias, como no coração e nos pulmões. “Esse processo ocorre a partir dos 30 ou 40 anos e vai se agravando. Por exemplo, pessoas entre 70 e 80 anos têm vasos sanguíneos muito entupidos. Quando chega o coronavírus, ele provoca outra reação inflamatória no corpo humano, o que gera uma exacerbação, que pode comprometer os órgãos”, salientou.

Devido a esses riscos, o parasitologista alerta que pessoas com comorbidades devem tratar bem essas doenças. “Apenas evitar a infecção do coronavírus pode não ser o ideal, porque ela pode acontecer a qualquer minuto. As pessoas precisam se preparar e procurar atendimento médico e seguir as orientações”, aconselhou. Segundo o especialista, quanto maior o cuidado com as enfermidades preexistentes menos receptivo o paciente será ao coronavírus.

Superação
Apesar de ter diabetes e estar no grupo etário considerado de risco para o novo coronavírus, o morador da Asa Norte Joel Carreiro dos Santos, 64, superou a doença. Em 7 de maio, ele deu entrada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) com sintomas da covid-19. “Antes de receber o diagnóstico, o protocolo usado foi o do tratamento de pneumonia. Quando testei positivo, fui para a ala específica. Precisei ficar nove dias internado e de oxigênio em um deles. Graças a Deus, o meu quadro evoluiu bem e fui para a UTI (unidade de terapia intensiva)”, lembrou.

Joel conta que precisou ajudar o irmão dele, de 70 anos, também acometido pela doença. Dias depois, ele começou a sentir os sintomas. “Tive dores no corpo, perdi o apetite e, em seguida, começou a febre. O primeiro exame de coronavírus deu negativo e chegaram até a suspeitar de dengue”, contou. Apesar de ter superado a doença, Joel relata que continua tomando cuidados. “A gente não sabe se está imune, então, precisa continuar preservando a saúde. Fui muito bem tratado no hospital e agradeço a Deus por essa bênção”, ressaltou.

Risco
São doenças que podem levar ao aumento de risco de problemas cardiovasculares. Pressão alta, alterações no colesterol, triglicérides e glicemia são alguns exemplos dessa síndrome.

Cidades - Correio Braziliense


domingo, 3 de maio de 2020

A “gripezinha” - Nas entrelinhas

Passou da hora de o presidente Bolsonaro ir a Manaus para ver o colapso do SUS. Os profissionais de saúde precisam de mais apoio e distanciamento social

O biólogo e escritor britânico Richard Dawkins, professor emérito do New College da Universidade de Oxford — autor de O Gene Egoísta e Evolução, entre outras obras —, num comentário no Twitter, chama a atenção para um artigo da revista Science Magazine, da Associação Americana para Avanço da Ciência (AAAS), intitulado Como o coronavírus mata?, publicado no dia 17 deste mês. De autoria dos médicos Meredith Wadman, Jennifer Couzin-Frankel, Jocelyn Kaiser, Catherine Matacic, é um dos melhores textos sobre a pandemia, segundo Dawkins: “Se as pessoas na administração entenderem isso ou se importarem com isso, haveria um resultado melhor para a sociedade”, avalia.

Tratar desse assunto pode parecer chover no molhado, pois não se fala de outra coisa, mas o artigo realmente é muito bom. Ele faz um relato de como o novo coronavírus ataca o corpo humano e seus efeitos devastadores, “do cérebro aos pés”, ultrapassando o senso comum do diagnóstico de que é apenas uma síndrome resporatória aguda. “Pode atacar quase tudo no corpo, com consequências devastadoras”, segundo o cardiologista Harlan Krumholz, da Universidade de Yale e do Hospital Yale-New Haven, que lidera vários esforços para reunir dados clínicos sobre a Covid-19. “Sua ferocidade é de tirar o fôlego e é humilhante.”

O artigo corrobora o relato dos sobrevientes da doença e o testemunho dos médicos e de outros profissionais da saúde que atuam nas unidades de terapia intensiva aqui no Brasil. Muitas vezes esses últimos são duplamente derrotados: além de perderem pacientes, acabam adoecendo também e, em alguns casos, até morrem. Já passou da hora de o presidente Jair Bolsonaro ir a Manaus para ver o que é um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em meio à pandemia e parar de falar bobagens sobre a “gripezinha”. Tudo o que os profissionais de saúde precisam neste momento dramático é de mais apoio (equipamentos de proteção, respiradores, medicamentos) e distanciamento social.

Médicos e patologistas de todo o mundo estão lutando para entender os danos causados pelo coronavírus no corpo humano. Embora os pulmões sejam o ponto zero, o alcance do patógeno pode se estender a muitos órgãos, incluindo o coração e os vasos sanguíneos, rins, intestino e cérebro, o que explica a grande subnotificação do número de mortos, inclusive aqui no Brasil, devido às dificuldades de diagnóstico e falta de autópsias.

A escalada
O vírus age como nenhum patógeno que a humanidade jamais viu. Quando uma pessoa infectada expele gotículas carregadas de vírus e outra pessoa as inala, o novo coronavírus (Sars-CoV-2) encontra um lar bem-vindo no revestimento do nariz, cujas células são ricas em uma enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), assim como na traqueia. Em todo o corpo, a presença de ACE2, que normalmente ajuda a regular a pressão sanguínea, marca os tecidos vulneráveis à infecção, porque o vírus entra nessa célula receptora. Uma vez dentro, o vírus sequestra as máquinas da célula, fazendo inúmeras cópias de si mesmo e invadindo novas células.

À medida que o vírus se multiplica, uma pessoa infectada pode lançar grandes quantidades dele, principalmente durante a primeira semana. Os sintomas podem estar ausentes neste momento. Ou a nova vítima do vírus pode desenvolver febre, tosse seca, dor de garganta, perda de olfato e paladar ou dores de cabeça e corpo. Se o sistema imunológico não repelir o Sars-CoV-2 durante esta fase inicial, o vírus marcha pela traqueia para atacar os pulmões, onde pode se tornar mortal. Mas o vírus, ou a resposta do corpo a ele, pode ferir muitos outros órgãos: cérebro, olhos, fígado, coração e vasos sanguíneos, rins e intestinos.


Alguns médicos suspeitam de que o ataque vertiginoso do coronavírus no organismo seja uma reação exagerada e desastrosa do sistema imunológico conhecida como “tempestade de citocinas”, na qual os níveis de certas citocinas sobem muito além do necessário, e as células imunológicas começam a atacar tecidos saudáveis. Pode ocorrer vazamento de vasos sanguíneos, queda de pressão arterial, formação de coágulos e falência catastrófica de órgãos. Mas o pior dos mundos, com a presença de vírus no trato gastrointestinal, pode ser a possibilidade inquietante de que ele seja transmitido pelas fezes, ainda mais num país como o nosso, no somente uma parcela da população   tem, esgoto tratado. A sorte, porém, é de que ainda não está claro se as fezes contêm vírus infecciosos intactos ou apenas o seu RNA (ácido ribonucleico), uma molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense