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sexta-feira, 26 de julho de 2019

Plano Guedes: o pacote de medidas do ministro para destravar a economia - VEJA

Para além da Nova Previdência e do FGTS, governo vai lançar mudanças estruturais para tirar o Brasil do atraso

Não, não foram poucos os brasileiros que, naquele histórico 17 de abril de 2016 — data em que o plenário da Câmara aprovou o impeachment da presidente Dilma Rous­seff —, imaginaram estar vivendo o fim de um pesadelo coletivo. A partir dali, supunham, o país reencontraria o norte da prosperidade econômica. No entanto, mais de três anos depois, o Brasil ainda está longe de concretizar o sonho do crescimento. Os números são pífios. E o desemprego se encontra nos patamares mais altos desde o fim da década de 90. Entre estudiosos, é consenso que, apesar da bonança dos anos 2000, nenhum presidente conseguiu tirar o país da armadilha da renda média — mal que acomete as nações que batem em um teto de desenvolvimento e não são capazes de dar o salto para se tornar ricas. VEJA ouviu o parecer de economistas de relevo sobre o cenário nacional (leia a opinião de alguns nos destaques). Para tirar o país do atoleiro, Jair Bolsonaro confia que poderá mudar tal quadro por meio de um auxiliar a quem concedeu status de superministro: Paulo Guedes, o titular da pasta da Economia. Após sete meses de um esforço quase exclusivo em defesa da reforma da Previdência, aprovada em primeiro turno pelos deputados federais, Guedes promete anunciar nas próximas semanas a conclusão de uma série de medidas — detalhadas nesta reportagem — que, somadas, vão destravar cerca de 4 trilhões de reais em uma década e podem dobrar o PIB per capita brasileiro nos próximos dez anos. Na falta de um nome oficial, o arsenal do ministro vem sendo chamado de “Plano Guedes”.

A ambição é deixar para trás, de uma vez por todas, os voos de galinha da economia nacional, levando-a a alcançar velocidade de cruzeiro. Tudo isso sem injeção de recursos, afinal as contas públicas apresentam déficit há quatro anos. E sem perda de tempo — logo após a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara, em 12 de julho, Paulo Guedes convocou seus nove secretários especiais para discutir os próximos passos. O entendimento foi o de que a prioridade é criar um bom ambiente de negócios para estimular a retomada dos investimentos. A ideia encontra eco em personagens que já estiveram nos sapatos do time de Guedes. “As pessoas começam a achar que só pelo fato de aprovarmos a reforma da Previdência retomaremos o crescimento”, afirma Raul Velloso, que participou da equipe econômica do governo de José Sarney. “A Nova Previdência virou o grande assunto do país, porém demora a trazer retorno, e é preciso estimular os investimentos privados”, conclui. De fato, a agenda do ministro Guedes no primeiro semestre mostra que ele gastou boa parte do expediente no chamado corpo a corpo com parlamentares e governadores para defender as alterações nas regras da aposentadoria. Mas a chave virou. O ministério trabalha agora com afinco na construção de medidas de curto, médio e longo prazo para despertar o “espírito animal” na sociedade — termo cunhado pelo economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946) para descrever o ímpeto empreendedor dos empresários.

As primeiras ações já estão aparecendo. Na quarta-feira 24, o governo liberou saques de até 500 reais nas contas ativas e inativas do FGTS e do PIS/Pasep. O time de Guedes, em conjunto com diretores e servidores da Caixa e do Banco do Brasil, emendou sete dias e varou madrugadas de trabalho para pôr de pé a medida, que trará uma injeção de 42 bilhões de reais à economia até o fim de 2020. Em outra frente, o ministro avisou que serão disponibilizados, até o fim deste ano, 120 bilhões de reais em depósitos compulsórios — dinheiro que os bancos precisam deixar reservado por determinação do Banco Central. Também é dada como certa pelo governo uma queda de 1 ponto porcentual na taxa básica de juros (Selic) do BC até dezembro, o que vai arrefecer em 40 bilhões de reais os gastos públicos com o pagamento de juros da dívida. As três medidas produzem um impacto direto sobre o mercado de crédito sem lançar mão dos subsídios praticados no passado, que fatalmente cobram a conta. Apesar de parecer óbvio que, com um endividamento de 62% das famílias brasileiras, segundo a Confederação Nacional do Comércio, grande parte dos recursos do FGTS será usada para o pagamento de dívidas, o perfil financeiro do brasileiro tende a apresentar uma melhora e, com isso, ele voltará a consumir. As ações, que colocarão dinheiro no bolso do povo, dos bancos e do próprio governo, somam aproximadamente 220 bilhões de reais — uma faísca claramente insuficiente para acender uma economia de 6,8 trilhões de reais. “Essa ideia de liberação do FGTS é uma bala só, não resolve nada. É necessário um pacote de medidas que levem ao aquecimento da produtividade da economia”, alerta a economista Elena Landau, responsável pelo programa de privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso. “Ainda faltam ações diretas para estimular o investimento”, reforça Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda no governo Dilma. Guedes sabe disso.Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real

Guedes cedeu, todavia segue em seu plano firme de deitar as bases estruturantes de um ambiente de negócios mais livre e próspero. As ações que se desenvolverão ao longo deste ano e do próximo passaram a ser tratadas como prioridade. Já foi anunciado o Novo Mercado do Gás, para quebrar o monopólio da Petrobras no setor, o que deve baratear o custo da energia. Na próxima semana, serão revistas as resoluções normativas que regem as regras de segurança e saúde no trabalho — uma das pautas prioritárias da indústria para baratear a produção. Para facilitar a vida do empresário, já caminham no Congresso a Medida Provisória da Liberdade Econômica e uma proposta de reforma tributária que promete impulsionar a economia em 0,5% ao ano e ainda será alvo de adendos do governo (leia mais). No Executivo, andam a passos largos os trabalhos de digitalização e automatização do serviço público, que prometem cortar custos enquanto aumentam a produtividade do Estado.

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Nessa frente, o governo espera levantar até 100 bilhões de reais ainda neste ano a prioridade é a venda dos Correios, Eletrobras, Serpro, Dataprev e Casa da Moeda. Até 2022, mais de 390 bilhões em vendas de estatais estão previstos. Além da venda de ativos, concessões de serviços como ferrovias, estradas e aeroportos devem trazer mais 115 bilhões ao caixa do governo. Somando-se a esses valores os desinvestimentos do BNDES (que tem participação em empresas como Vale, JBS e Bombril), a devolução de recursos por bancos públicos e a venda de imóveis da União, um total de 990 bilhões de reais quase a economia inteira do Chile — faz brilhar os olhos de Paulo Guedes. A ideia é despejar a maior parte desse dinheiro na dívida do país.



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Um ponto crucial no Plano Guedes é a redução das taxas bancárias. Desde a saída de Dilma, a Selic caiu de 14,25% para 6,5% ao ano — o menor índice da história. As taxas cobradas ao consumidor, contudo, não seguiram o mesmo ritmo. Os juros do cartão de crédito, por exemplo, fecharam 2016 em 484% ao ano e estão, agora, em 300%. Além da pouca concorrência, a falta de fundamentos mais sólidos para a atividade bancária impede uma queda mais rápida dos juros impostos aos correntistas. São dois os fatores que merecem ser atacados com agilidade, na visão de Gustavo Loyola, ex-presidente do BC. O primeiro é a revisão de legislação que rege as garantias bancárias. E o segundo é o fortalecimento do mercado de renda fixa. Afora isso, os operadores do mercado financeiro precisam confiar que a Selic ficará em patamares baixos por um período maior. “Numa situação de aperto do mercado consumidor, desemprego e máquinas ociosas, podem-se manter os juros baixos por tempo prolongado. A Selic poderia cair até 5% neste ano”, acredita ele.
Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645

Leia em Veja, MATÉRIA COMPLETA
 

sábado, 9 de janeiro de 2016

Mágica ruim

“Estamos na UTI sangrando. E temos uma poupança, as reservas cambiais, que pode estancar o sangramento. Não vamos utilizar esse remédio?”.  

Com esse raciocínio, que parece óbvio mas é apenas simplista, o governador petista do Piauí Wellington Dias dá um reforço político à ideia defendida por Lula, e encampada pelo PT em documento oficial, de o governo Dilma usar parte das reservas cambiais do país para estimular o crescimento econômico.  Pelos cálculos do partido, se o governo recorresse a US$ 130 bilhões dos US$ 368.739 milhões que o país tinha no dia 7 de janeiro deste ano, poderia lançar um pacote de infraestrutura e investimentos de grande porte, melhoraria a situação fiscal e ainda continuaria com muitos milhões de dólares em reservas.

A presidente Dilma rejeita a ideia, assim como o novo ministro da Fazenda Nelson Barbosa, mas a pressão política é forte, e é preciso reafirmar que essa “mágica” simplesmente não existe. O governador do Piauí tem razão em um ponto, as reservas internacionais são como a poupança de uma família. E como toda família que retira dinheiro da poupança para pagar suas dívidas, também o país aumenta seu risco.
O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco diz que esse é um “truque antigo do Delfim Neto (ex-ministro da Fazenda) que usava, sobretudo, os bancos federais para receber dinheiro depositado no exterior e internava os recursos aqui”. Mas é um truque ruim, diz Franco, que explica didaticamente: "O dinheiro que está lá fora não compra coisas em reais, alguém tem que ter os reais, e quem tem os reais é o Tesouro, é o Banco Central. O BC vende títulos públicos, pega os reais e compra os dólares da reserva. Portanto, aumenta a dívida interna. Mas para fazer isso, você não precisa usar o dinheiro das reservas”, ironiza o ex-presidente do BC.

Outro economista, Armando Castelar, do Ibre/FGV, diz que a idéia não faz sentido. “É mais um passe de mágica fiscal que tenta fazer de conta que é possível gastar sem ninguém pagar a conta. Conta que, já aprendemos, ou deveríamos ter aprendido, aparece daqui a pouco”.  Desdobrando o raciocínio de Gustavo Franco, Castelar lembra que se o governo vai usar as reservas, vai resgatar esse fundo, transformando-o em dinheiro. “Isso significa vender dólares no mercado local em troca de reais. Dados os valores envolvidos, significa que no curto prazo o real tenderia a se apreciar frente ao dólar (porque aumentariam a oferta de dólares e a demanda por reais), prejudicando as exportações das indústrias”.
Ao mesmo tempo, muita gente iria aproveitar a valorização do real para comprar dólares e colocar seu patrimônio fora. “Essa operação teria implicações diretas sobre o mercado financeiro, pois diminuiria a quantidade de dinheiro (reais) na mão do setor privado, na medida em que esse foi passado para comprar os dólares. Para manter a política monetária, o Banco Central teria de comprar títulos públicos do setor privado e emitir reais, para restabelecer a quantidade de reais na economia”.

O setor privado terá ficado com mais dólares, menos títulos públicos e a mesma quantidade de dinheiro. O Banco Central com mais títulos públicos e uma dívida maior em dinheiro. O Tesouro, com menos reservas (dólares) e mais dinheiro. O resultado final seria uma queda adicional da confiança, gerando mais queda do PIB e possivelmente mais inflação, analisa Castelar.

De outro lado, vem a questão do que o governo faz com os reais que recebeu em troca das reservas. Se ele “tentar aquecer a economia”, significa que vai usar o dinheiro que, no fim das contas, foi emitido pelo BC para aumentar o gasto público. “Significa expansão fiscal e monetária. Vai totalmente na contramão do que o BC está tentando fazer. Para segurar a inflação, o BC vai provavelmente tentar tirar esse dinheiro, ou pelo menos parte, da economia, vendendo dívida pública no seu portfólio, como fez na virada do ano para enxugar o dinheiro do pagamento das pedaladas. A dívida pública vai aumentar”.

Como a crise é motivada por falta de confiança e credibilidade, o resultado líquido vai ser menor confiança, mais inflação e mais queda do PIB. Afinal de contas, teremos mais dívida pública e mais risco nas contas externas. Armando Castelar ainda ressalta um problema adicional para o Tesouro brasileiro: a exposição cambial, em um momento em que a China desacelera e o Fed (BC dos Estados Unidos) quer subir juros.


Fonte: Merval Pereira - O Globo