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terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Grandes fortunas - O Estado de S.Paulo

J. R. Guzzo

Imposto vai distribuir renda, mas a renda irá todinha para o bolso dos magnatas da máquina estatal

Fábio Motta/Estadão
                                       Fábio Motta/Estadão
 
A conversa sobre o imposto das grandes fortunas fica particularmente surreal neste momento em que um relatório obtido por O Estado de S. Paulo revela que os salários em empresas estatais controladas pela União podem chegar aos R$ 145 mil por mês. O salário médio na estatal Pré-Sal Petróleo S.A., por exemplo, é de R$ 34 mil mensais – imaginem, então, o máximo. Há pouco soube-se que há procuradores do Ministério Público levando R$ 400 mil por mês, e juízes de direito com mais de R$ 100 mil sem contar com o R$ 1,6 milhão que o ministro Luiz Fux gastou em 2021 unicamente com o aluguel de jatinhos para levá-lo ao Rio de Janeiro (e trazê-lo de volta) a cada fim de semana. O que você acha que vão fazer com o dinheiro dos milionários? Vai ter procurador ganhando R$ 500 mil.

Nada mais fácil de se encontrar neste país, nos dias de hoje, do que um defensor apaixonado do “imposto sobre grandes fortunas”. Imaginem só: os próprios donos dessas grandes fortunas, com as suas sensibilidades sociais subitamente chocadas, dizem que querem pagar mais imposto – algo que jamais se ouviu desde que o primeiro faraó cobrou o primeiro centavo para ajudar na construção da primeira pirâmide. 

O ato de contrição foi feito em público numa dessas reuniões internacionais periódicas em que milionários, durante 15 minutos, fazem e ouvem discursos para melhorar o mundo. “Forcem-nos a pagar mais impostos”, pediu ali, em abaixo-assinado, um grupo de cem bilionários e milionários angustiados por serem tão ricos como são. Os apóstolos do “imposto sobre grandes fortunas” ficam encantados com essas coisas. É a prova, dizem eles, de que está mais do que na hora de “debater o tema”.

Ninguém é bobo. Se o sujeito tem US$ 100 bilhões no bolso, e diz que topa ficar só com US$ 99,5 bilhões para tornar o mundo mais igual, todo mundo sabe que não vai acontecer absolutamente nada nem ele vai ficar mais próximo do “homem comum” nem a sociedade vai ficar menos desigual. É pura hipocrisia

Quem prega o novo imposto sabe muito bem que não vai pagar nem um real a mais – a coisa será desenhada, é claro, de forma a não atingir quem está escrevendo a lei. Os que eventualmente terão a pagar não vão sentir diferença; podem até dar uma gorjeta, para arredondar a sua parte. 

Pior que tudo: a população humilde a quem a nova arrecadação deveria beneficiar não vai ver um átomo sequer desse dinheiro. Os políticos, como sempre, dirão que o imposto servirá para “distribuir renda”. Sim, vai distribuir renda, mas essa renda irá todinha para o bolso dos magnatas da máquina estatal. 

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo

 



sábado, 3 de abril de 2021

PÁSCOA - Gustavo Corção

O sermão de São Gregório Nazianzeno começa numa espécie de jubilosa exclamação:

«Páscoa, Páscoa, Páscoa, três vezes Páscoa, direi em honra da Santíssima Trindade. Esta é para nós a festa das festas, a solenidade das solenidades. Como o fulgor do sol apaga as estrelas, assim esta festividade excede a todas as outras, não só as humanas mas as do próprio Cristo e que por causa dele se celebra». 

Lembremos a instituição da Páscoa no Antigo Testamento, quando Deus encarregou Moisés de ensinar os israelitas que sofriam servidão no Egito:  
«No décimo-quarto dia desse mês, os filhos de Israel tomarão em cada família um cordeiro de um ano, sem mancha, o imolarão, e com o seu sangue marcarão os umbrais de suas portas, e nessa mesma noite comerão a carne do cordeiro com pão sem fermento e ervas amargas... E comerão com os cintos atados, as sandálias de viagem nos pés, e com o bastão na mão; porque é a Páscoa, isto é, a Passagem do Senhor» 
E agora nesta Páscoa do Novo Testamento, em que o próprio filho de Deus é imolado, procuremos compreender bem em toda a profundidade, o mistério desta solenidade três vezes bendita.

Páscoa, para nós quer dizer Passagem e faz-nos lembrar que somos peregrinos, que estamos em caminho da pátria como os israelitas estavam a caminho de Canaã, onde abundava o leite e o mel. Por isso, a nossa maior festa ainda é celebrada em marcha, às pressas, com o cinto apertado e a sandália de viajante nos pés. Ainda não chegamos, e por isso, à carne do cordeiro que comemos se misturam ervas amargas. Estamos no meio do Mar Vermelho. Em direção à Pátria, mas ainda no mundo. Estamos no deserto, vivendo da palavra de Deus.

 Páscoa, para nós, quer dizer também Discriminação. É a festa da nitidez. Ou temos os umbrais de nossa alma marcados com o sangue do Cordeiro, ou pereceremos na Passagem do Anjo exterminador. Esta característica pascal parece contrária à anterior pois lá se falava de transição e aqui se fala de nitidez e essas duas idéias têm ressonâncias opostas. Convém portanto precisar melhor: A transição se refere à nossa condição exterior de peregrinos; a discriminação se refere à marca interior do Sangue de Cristo em nós. Estamos em trânsito, passando por estações intermediárias, vivendo dia a dia as gradações do mundo, mas nossa alma, por cima do mundo, está ancorada; e em contraste com o cinzento dos dias está nitidamente marcada com o rubro Sangue do Cordeiro.

A cruz que é para os gentios sinal de escândalo e de loucura, é para nós sinal de nitidez e de absoluta discriminação. Onde ela se planta desaparecem os meios-termos, os compromissos, as concordatas, e toda essa indecisão que fazia muitos israelitas no deserto suspirarem com saudades da servidão do Egito, porque lá, ao menos, tinham garantida a gamela de carne com cebolas. Para nós, a Cruz deve ser o sinal de um franco contraste. Ou somos marcados, ou não somos. Ou estamos com Cristo ou contra ele. Ou avançamos ou regredimos. Não há meio-termo à luz do círio pascal.

Apliquemos em nós, cada dia, cada hora, esse espírito discriminador da Páscoa, e saibamos imprimir em cada um de nossos atos o sinal da cruz. A tentativa mais insensata que fazemos é a de procurar um meio-termo entre Deus e o Mundo. Dizemo-nos católicos com uma terrível tranqüilidade e com uma impressionante inconseqüência
Dizemo-nos católicos e continuamos a viver as mesma infidelidades e a saborear as mesmas carnes e cebolas do faraó. 
Dizemo-nos cristãos, mas a marca do Sangue mais parece uma rosada aguadilha, mais parece um sinal de maquilagem do que uma infusão de incondicional amor.

 Sejamos pascais, sejamos nítidos; ou não seremos Cristãos.

Páscoa, para nós, também quer dizer salvação. Se estamos em marcha, e se nitidamente optamos, já estamos salvos, salvos em Esperança. O mesmo Sangue que discrimina já tem a virtude salvífica, já opera o que significa e já nos dá direito de falarmos a Deus com a
liberdade de filhos.

Terminemos com a leitura de São Gregório Nazianzeno:
«Hoje é o dia em que fugimos do poder egípcio, das mãos do odioso faraó e de seus cruéis ministros; dia em que nos libertamos da argila e das olarias. A festa do Êxodo já ninguém há que proíba celebrá-la com o Senhor nosso Deus, e não mais com o velho fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade, nada trazendo conosco do ímpio fermento egípcio. Ontem angustiava-me com o Cristo na Cruz, hoje sou também glorificado. Ontem com Ele morria, hoje com Ele sou vivificado. Ontem sepultava-me com Ele, hoje com Ele ressuscito».

Reproduzido de Permanência

GLOBO Sábado, 25/3/78


terça-feira, 28 de julho de 2020

O sumiço da vergonha na cara - Augusto Nunes

Mulheres de políticos viraram comparsas do maridão


Não combina com a cara de faraó, pensei enquanto olhava de soslaio o chapéu de palha que Ulysses Guimarães, ressonando à minha esquerda no banco traseiro do Opala, tinha sobre a cabeça desde o fim da tarde daquele sábado de setembro. Ganhara o chapéu em Itaquaquecetuba, procissão de vogais e consoantes estacionada na Grande São Paulo que hospedara o quinto comício do dia. Cinco horas e dois palanques depois, o presente do eleitor anônimo continuava cobrindo a calva do deputado que comandava o PMDB em mais uma campanha eleitoral, dessa vez promovida para eleger novos prefeitos e vereadores.

Será que ele esqueceu que está com o chapéu?, desconfiei. “Presente de eleitor é coisa séria, por mais barato que seja”, disse Ulysses sem abrir os olhos. Espantou-me o aparte mediúnico. Como é que ele descobriu o que eu estava pensando?, estranhei ao ouvir a voz grave e rouca de cantor de cabaré. Aos 60 anos, Ulysses cumpria o sétimo mandato na Câmara dos Deputados (e seria reeleito outras quatro vezes). Os jornalistas diziam que aquele astucioso paulista de Rio Claro fazia coisas de que até Deus duvida. Mas nunca imaginei que era capaz até de ler pensamento.

Revista Oeste - Coluna Augusto Nunes