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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

A Constituição de nariz quebrado - Percival Puggina

"Crês que a oposição vai derrotar a esquerda com discurso sobre ética? Com teses sobre o Brasil? 
Com visão de história? 
Com críticas construtivas? 
Papo furado, cara!". Meu amigo continuou a descrever suas observações:  "O PT começa a trabalhar o eleitor desde que ele entra na estufa da maternidade. Lá já tem uma atendente criticando "o sistema". 
 
Essa conversa aconteceu em algum momento do final do governo Dilma I e, no fundo, as coisas ainda estão muito parecidas com isso. 
A apropriação das mentes começa cedo e passa pelas experiências coletivistas do maternal. 
Engrossa nos cursos fundamental e médio quando o sistema cai nas mãos dos pedagogos marxistas, dos discípulos de Paulo Freire, do politicamente correto e dos “coletivos” étnicos ou identitários. 
Vai promovendo a relativização da verdade e do bem, a tolerância com tudo que está errado e a intolerância para com quem se atreve a apontar quaisquer erros na ortodoxia esquerdista
E vai adiante com o controle dos sindicatos, dos fundos de pensão (oba!), dos movimentos sociais, de uma constelação de ONGs (oba!), dos cursos de graduação e de pós, das carreiras jurídicas, dos seminários e cursos de teologia, da CNBB, da Globo, da cozinha dos jornais, do escambau
Se o convidarem para um Clube do Bolinha, leitor, em seguida você descobrirá que o Bolinha que manda é companheiro.

Quando eu estava desfiando a lista, meu amigo perguntou: "Os sindicatos a que te referes são de trabalhadores ou patronais?", ao que eu esclareci - "De trabalhadores, claro". Mas ele me advertiu que também as organizações patronais se aparelham quando o partido assume o controle do Tesouro e do BNDES. Imagine o leitor: temos no Brasil empresários tão petistas quanto seus operários. E arrematou: "Por motivações opostas".

Ninguém pode acusar o PT e sua parceria esquerdista, quando fora do governo (de qualquer governo), de fazerem oposição cordial, bem educada, respeitosa, construtiva. 
Como o boxeador martela o fígado do adversário, sistematicamente eles cuidam de desfigurar a imagem do opositor. Nariz, lábio, supercílio, orelha. Vencido o pleito, ocupada a cadeira, o que passam a cobrar de seus opositores? Colaboração e fidalguias. Talquinho e perfume. 
E até a pequena oposição que no Congresso Nacional resiste às tentações inerentes ao cabaré do Erário passa a ser acusada de radicalização e impertinência, polarização (!) e discurso de ódio.

Aqui, desde meu ponto de vista, o nariz quebrado que vejo é o da Constituição, o supercílio aberto é o do Estado de Direito, o lábio esmigalhado é o da liberdade de expressão e a orelha rasgada é a do direito à informação e do respeito à intimidade da vida privada.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Os imoderados no poder - Revista Oeste

Ministros do STF entrando no plenário para início da sessão | Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Ministros do STF entrando no plenário para início da sessão | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

É verdade que não estamos sós no subcontinente sempre em desvario. Há muito tempo os que não demitiram a sensatez desconfiam que basta mudar as inscrições nas placas para que toda a América do Sul se transforme, sem mudar rigorosamente nada e sem que o resto do mundo estranhe, no que Dilma Rousseff qualificaria de maior hospício da galáxia. 

Nenhuma tribo escapa. Ao sul, a saga argentina compõe o mais extenso, dramático e enlouquecido dos tangos. Num trecho da letra escrita em pouco mais de dois séculos, os hermanos canonizam a primeira-dama que fazia bonito num cabaré antes de brilhar na Casa Rosada, transformam em moeda de troca o cadáver de Evita, mantêm insepulta por anos a fio primeira mulher de Juan Perón, devolvem o poder ao viúvo já casado com a futura sucessora também recrutada num cabaré e assim tornam inevitável a reedição piorada do golpe militar dos anos 1950. Em outro trecho do tango, o general que proclamara a ditadura 18 meses antes exagera no uísque e decide recuperar a tiros de canhão ilhas pertencentes ao império britânico. Perdeu a guerra e o emprego.

Ao norte, há o país mais pobre da América Latina onde houve no fim do século 20 a Venezuela Saudita, assim batizada por assentar-se num oceano de petróleo comparável ao que continua garantindo a gastança da família que domina o reino árabe. O que foi o latifúndio de Hugo Chávez e agora é o fazendão de Nicolás Maduro precisou de apenas 22 anos para, neste fim de 2021, superar o Haiti no ranking dos miseráveis que sobrevivem no centro e na parte meridional do continente americano. 

Enquanto percorria em alta velocidade a trilha da falência, Chávez bancou o abastecimento de Cuba, vendeu barris a preços de pai para filho aos parceiros bolivarianos, arrendou a alta oficialidade do Exército e exumou a ossada de Simón Bolívar para conferir a suspeita: o Herói da Independência morreu envenenado ou não? Decepcionado com a resposta negativa, Chávez renunciou ao papel de Bolívar reencarnado. Morto em 2013, o exterminador do futuro tem visitado Maduro em forma de passarinho, talvez para ampliar o fiasco da ditadura bolivariana com os conselhos que pia nos ouvidos do herdeiro.

Toffoli acaba de informar durante um passeio em Lisboa que o regime estabelecido pela Constituição foi substituído pelo semipresidencialismo

A vizinhança, como se vê, vive tentando provar que o Brasil não é tão diferente assim. Mas a realidade do País do Carnaval anda superando com perturbadora constância as páginas mais delirantes do realismo mágico. O coronel Aureliano Buendia combateu em 32 revoluções, e montou numa delas um sistema de segurança tão rigoroso que, ao visitar Macondo, nem a mãe foi autorizada a aproximar-se e abraçá-lo. Mas em nenhum livro do admirável autor colombiano aparece algum país governado por uma junta de juízes que, sem golpes, fraudes nem quarteladas, se promove a Poder Moderador, revoga o regime presidencialista, proclama em segredo a República Parlamentarista Judiciária e, favorecida pela omissão popular e pela covardia do Poder Legislativo, trata a socos e pontapés a Constituição que lhe cumpre defender. É o que fez nos últimos anos, continua fazendo e não pretende parar de fazer o grupo formado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Examinados individualmente, nenhum dos três parteiros da conspiração parecia perigoso. Gilmar Mendes, chefe da Advocacia-Geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso, gastava tanto tempo no esforço para tornar lucrativa a instituição de ensino que explora que sobravam poucos minutos para lidar com processos
Lewandowski, que chegou ao Supremo porque Marisa Letícia morava ao lado da família com sobrenome estrangeiro e contou ao marido presidente que ouvira da mãe rasgados elogios ao filho sabido, sempre se limitou a provar que no Brasil qualquer bacharel em Direito pode virar ministro. [com a devida vênia, atualizamos: sequer precisa ser bacharel em Direito.]
Tal constatação era diariamente ratificada por Toffoli, o único juiz da história do tribunal que ganhou uma toga depois de reprovado duas vezes no concurso que autoriza o ingresso na magistratura paulista.
 
Depois que a bancada que lideram se tornou amplamente majoritária, os três parceiros subiram na vida. Proibido de lidar em primeira instância com briga de bêbado em Marília, onde nasceu, Toffoli acaba de informar durante um passeio em Lisboa que o regime estabelecido pela Constituição foi substituído pelo semipresidencialismo, que estamos a caminho do parlamentarismo e que, desde o começo da pandemia de coronavírus, o STF acumula as funções de Poder Moderador. 
Gilmar se gaba de ter atraído para o grupo a outrora voluntariosa Cármen Lúcia, a mesma que reagiu a pancadas na liberdade de expressão com uma velha e boa frase-síntese: “Cala a boca já morreu”. Morreu nada, está cansada de saber. Só que agora quem tortura o Estado Democrático de Direito é a turma com a qual convive. Enquanto o pai viveu, a filha ligava todo dia para conversas de bom tamanho. Órfã, a ministra se fez adotar por Celso de Mello e, depois da aposentadoria do Pavão de Tatuí, por Gilmar Mendes. Além do pai, Cármen Lúcia perdeu o rumo.

O STF se tornou bem mais impetuoso com a entrada em campo do centroavante rompedor Alexandre de Moraes, artilheiro do Timão da Toga. E as divergências sumiram com a rendição de antigos desafetos de Gilmar. Edson Fachin trabalha de cócoras desde que implodiu a Lava Jato com a anulação, por motivos geopolíticos, dos processos que instalaram Lula na gaiola. Luís Roberto Barroso, que via no Maritaca de Diamantino uma figura horrível, agora parece achar que, dependendo do cenário e do ângulo de visão, o Juiz dos Juízes pode exibir até uma faceta sedutora. Nesta semana, chegou a vez do presidente Luiz Fux, único integrante do Supremo que foi juiz de carreira.

No discurso de posse, entre outras promessas, Fux garantiu que decisões importantes seriam decididas no plenário, pelos votos dos 11 ministros. A medida reduziria os poderes das duas turmas e, sobretudo, erradicaria a praga do voto monocrático, que confere a uma única toga o direito de remover as fronteiras que separam os três Poderes, legislar em territórios alheios ou espancar impunemente a Constituição. 

No último dia de novembro, Fux valeu-se do voto monocrático para revogar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio que anulou um decreto do prefeito Eduardo Paes sobre a obrigatoriedade do passaporte sanitário. Deve ter achado pouco. No texto em que tenta justificar a arbitrariedade, o presidente do Supremo comunicou aos juízes da primeira e segunda instâncias do Poder Judiciário que estão todos proibidos de contrariar o prefeito. Fux revogou antecipadamente decisões que ainda não existem. Talvez queira matar de inveja Alexandre de Moraes.

Leia também “O Circo Brasil Vermelho”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste  

 

terça-feira, 20 de julho de 2021

VIRTUDE PESSOAL E VIRTUDE INSTITUCIONAL - Percival Puggina

Li "O homem medíocre", de José Ingenieros, pela primeira vez, em 1999 quando topei com ele na biblioteca de meu pai, que falecera dois anos antes. Era uma edição argentina de 1917. Um capítulo do livro, em especial, chamou-me a atenção por parecer escrito para aquela realidade. Ele tratava da diferença entre a mera honestidade e a virtude, bem como da falsa honestidade daqueles que a exibem como troféu. “Em todos os tempos, a ditadura dos medíocres é inimiga do homem virtuoso. Prefere o honesto e o exibe como exemplo. Mas há nisso um erro ou mentira que cabe apontar. Honestidade não é virtude, ainda que não seja vício. A virtude se eleva sobre a moral corrente, implica uma certa aristocracia do coração, própria do talento moral. O virtuoso se empenha em busca da perfeição. O honesto, ao contrário, é passivo”.

"Não há diferença entre o covarde que modera suas ações por medo do castigo e o cobiçoso que age em busca da recompensa", afirma o filósofo portenho enquanto sentencia sobre o homem medíocre: "Ele teme a opinião pública porque ela é a medida de todas as coisas, senhora de seus atos".

Quantos existem, de uns e de outros, na vida social! Estão nas empresas disputando postos, nas salas de aula ansiando pelos favores dos mestres, na vida pública buscando aplauso e voto. Súditos da maioria, apontam seu dedo cobiçoso ou covarde sempre que vislumbram, nos demais, algo que possa ser apontado como falha ou falta. Cada sucesso por essa via é um passo na direção do que denominam vitória e um recuo em relação à verdadeira virtude. Continua Ingenieros: "A sociedade proclama: 'Não faças mal e serás honesto'. Mas o talento moral tem outras exigências: 'Persegue a perfeição e serás virtuoso'. A honestidade está ao alcance de todos; a virtude é uma escolha de poucos. O homem honesto suporta o jugo a que o prendem seus cúmplices; o virtuoso se eleva sobre eles com um golpe de asa". São palavras que queimam a palha da mediocridade e incendeiam a alma dos que buscam a virtude porque é nela, e não na simples honestidade, que se medem os valores da aristocracia moral.

É preciso distinguir a virtude que se alcança por adesão voluntária a um determinado bem, da virtude intrínseca a modelos institucionais que inibem a conduta não virtuosa. A fidelidade será, sempre, um produto da vontade humana. O pérfido só renunciará a perfídia quando ela se mostrar inconveniente. O venal pode trocar de camiseta, mas só não terá preço se não houver negócio a ser feito. É por esse motivo que quando o STF proclamou a constitucionalidade da Lei da Ficha Lima, eu disse que estávamos trocando de fichas, mas não estávamos acabando com a sujeira que, logo iria encardir outras tantas.

Por quê? Porque essa lei assume como verdadeiro que a corrupção tem apenas causas intrínsecas aos indivíduos, mas isso é falso. Ela tem, principalmente, causas de natureza institucional. E, mesmo no plano das individualidades, só teremos pessoas virtuosas em maior número quando a virtude for socialmente reconhecida como um bem a ser buscado e quando as famílias, as escolas públicas e os meios de comunicação compreenderem a relação existente entre o desvario das condutas instalado na vida pública e o estrago que vêm fazendo na formação da consciência moral e na vida privada.

Não há virtude onde não há uma robusta adesão da vontade ao bem. E isso não acontece por acaso. A busca da virtude exige grande empenho.

Contudo, a democracia (governo de todos), não é necessariamente aristocracia (governo dos melhores). E será sempre tão sensível à demagogia quanto a aristocracia é sensível à oligarquia. Portanto, numa ordem democrática, como tanto a desejamos, é necessário estabelecer instituições que, na melhor hipótese, induzam os agentes políticos a comportamentos virtuosos ou, com expectativas mais modestas, inibam as condutas viciosas.

Ora, o modelo político brasileiro parece ter sido costurado para compor guarda-roupa de cabaré.

Não há como frear a corrupção que se nutre de um modelo institucional que a favorece tão eficientemente, seja na ponta das oportunidades, seja na ponta da impunidade cada vez mais escorada por leis de proteção.  Não estou falando de leis que a combatam, mas de um modelo político que a desestimule. Como? Libertando a administração pública dos arreios partidários, por exemplo. Ao entregar para o aparelhamento partidário a imensa máquina da administração (que a mais elementar prudência aconselharia afastar das ambições eleitorais), o Brasil amarra cachorro com linguiça e dá operosidades e dimensões de serraria industrial ao velho e solitário "toco". "É politicamente inviável fazer isso no Brasil", estará pensando o leitor destas linhas em coro com a grande maioria dos que, entre nós, exercitam poder político. Eu sei, eu sei. Não sou ingênuo. Está tudo errado, mas não se mexe. As coisas são assim, por aqui.

Do mesmo modo como a fusão do Governo (necessariamente partidário e transitório) com a Administração (necessariamente técnica e neutra porque permanente no tempo) cria problemas e distorções de conduta, a fusão do Governo com o Estado (que, por ser de todos, não pode ter partido) faz coisa ainda pior no plano da política interna e externa. Desde a proclamação da República, os governantes tratam de aparelhar o Estado e exercer influência sobre suas estruturas.

Todos os cidadãos, toda a mídia, todos os prefeitos, todos os governadores, todos os vereadores e deputados estaduais sabem que se produziu uma brutal concentração de poder e de recursos na União e na capital da República. Tal concentração é incompatível com a própria forma federativa de Estado, que, entre nós, virou um arremedo de si mesma. É grave. Gravíssimo. Mas tem coisa ainda pior na falência da Federação. Onde se reconheça que o Princípio da Subsidiaridade é irmão gêmeo da Liberdade, sabe-se, simetricamente, que a centralização de poder é irmã gêmea do totalitarismo. E, como ele, inimiga figadal da democracia. Mas eu sei: é politicamente inviável, no Brasil, retomar a boa forma federativa valorizando o poder local. Vai-se pelo viés oposto. Centraliza-se tudo, dos exames vestibulares aos recursos públicos. Depois, se descentraliza em conta-gotas, nas doses suficientes para gerar relações de dependência e submissão.

Em nosso sistema de governo, o presidente da República, uma vez eleito, deve buscar maioria parlamentar constituindo um arco de alianças formado por partidos minoritários. Com efeito, face à quantidade de legendas que disputam os pleitos parlamentares (há mais de duas dezenas de partidos representados na Câmara dos Deputados), todas as bancadas resultam minoritárias. Não existe maioria natural. E não havendo maioria natural, a "base" precisa ser adquirida pelo governo mediante um largo estoque de moedas de troca - entre outras, as mais valorizadas: cargos, liberação e pagamento de emendas parlamentares, verbas para nebulosas organizações não-governamentais, concessões de emissoras de rádio e televisão e dispensas de licitação. Os desdobramentos dessas operações acabam, mais cedo ou mais tarde, nas páginas policiais.

Em Brasília se decidem, como consequência, todos os contratos, todos os favores, todas as leis e todas as exceções às leis instituídas, atraindo corruptos e corruptores como pote de mel atrai abelhaResumindo: enquanto não enfrentarmos os vícios do sistema político e as deformações morais administradas em doses crescentes à sociedade, estaremos a uma distância da virtude que há de fazer o maligno esfregar as mãos em puro contentamento.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site  mel atrai abelha, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 28 de julho de 2020

O sumiço da vergonha na cara - Augusto Nunes

Mulheres de políticos viraram comparsas do maridão


Não combina com a cara de faraó, pensei enquanto olhava de soslaio o chapéu de palha que Ulysses Guimarães, ressonando à minha esquerda no banco traseiro do Opala, tinha sobre a cabeça desde o fim da tarde daquele sábado de setembro. Ganhara o chapéu em Itaquaquecetuba, procissão de vogais e consoantes estacionada na Grande São Paulo que hospedara o quinto comício do dia. Cinco horas e dois palanques depois, o presente do eleitor anônimo continuava cobrindo a calva do deputado que comandava o PMDB em mais uma campanha eleitoral, dessa vez promovida para eleger novos prefeitos e vereadores.

Será que ele esqueceu que está com o chapéu?, desconfiei. “Presente de eleitor é coisa séria, por mais barato que seja”, disse Ulysses sem abrir os olhos. Espantou-me o aparte mediúnico. Como é que ele descobriu o que eu estava pensando?, estranhei ao ouvir a voz grave e rouca de cantor de cabaré. Aos 60 anos, Ulysses cumpria o sétimo mandato na Câmara dos Deputados (e seria reeleito outras quatro vezes). Os jornalistas diziam que aquele astucioso paulista de Rio Claro fazia coisas de que até Deus duvida. Mas nunca imaginei que era capaz até de ler pensamento.

Revista Oeste - Coluna Augusto Nunes 


sábado, 10 de junho de 2017

Em que circo vive o Brasil

Senhores espectadores da plateia, mirem o picadeiro. O espetáculo já começou e passou dias de apresentação no Tribunal Superior Eleitoral. Juízes bateram cabeça no melhor estilo comédia pastelão. Argumento “falacioso” de um lado. “Índios não contactados da Amazônia”, do outro. Piruetas verbais superaram, em muito, as expectativas. Sob os holofotes de toda a mídia, a seleção da toga não mediu esforço para brilhar, ao vivo e “online”, em transmissões na maior parte do tempo simultâneas para a Nação assistir a qualquer momento e não perder um lance. Faz muito tempo que os senhores magistrados, de qualquer quadrante, decidiram pontuar suas modorrentas falas e julgamentos com um verniz político que vai muito além da letra da lei. Serve à audiência. Ajuda no clima de “fla-flu” que ganha torcida aguerrida a cada golpe e contragolpe. Não é de hoje, realmente, que a politização do Judiciário – digamos assim – se converteu numa regra e transformou as sessões de debate em shows à parte. A tal ponto que mesmo gracejos são permitidos. 

Em determinado momento da audiência que avaliou o destino da chapa Dilma-Temer, para estupor geral, os “inferninhos” entraram no meio. Cabaré daqui, casas noturnas denunciadas de lá, eis que o presidente da Corte, Gilmar Mendes, indagou ao relator: “E Vossa Excelência não teve de fazer investigações (nesses locais)?”. Ao que o relator Herman Benjamin retrucou: “Não fiz inspeção, não usei de meus poderes de prova para tanto. Mas se vossa excelência quiser propor…”. A animação foi logo contida. Fato: já se viu tantas cenas inimagináveis nessa opereta da Lava Jato que não seria por demais bizarro imaginar homens da lei frequentando o baixo meretrício atrás dos “criminosos” de colarinho com o intuito de angariar novos elementos para as suas abalizadas conclusões. 

Mesmo que entre os suspeitos da vez estivessem as mais proeminentes autoridades da República. O que importa é a pirotecnia. Manter atenta a plateia. Na verdade, se diga, o carnaval de absurdos que de longa data vem exaurindo as forças e paciência dos brasileiros parece não encontrar limites. Na PGR, procuradores afoitos tratam de acelerar diligências para engalanar suas biografias. Rodrigo Janot, que deixa o comando da instituição em setembro próximo, dá sinais de atropelo de etapas elementares ao apresentar denúncia contra, ninguém menos, que o presidente da República. O troféu de um governo derrubado por suas investigações realmente não seria para qualquer um. 

Quantos dos seus pares poderão no futuro ostentar tamanho trunfo? Ao não periciar fitas e se convencer antecipadamente da culpa do acusado, Janot extrapola. No seu entender, Temer fez uma “confissão espontânea”. Não há nas gravações, amplamente difundidas, anuência clara do mandatário aos crimes do interlocutor que soturnamente armou a cilada de uma conversa fétida. Mas isso pouco importa. É mero detalhe. Se for uma medida necessária à causa decretar a prisão de outro íntimo assessor do chefe da Nação, como Rodrigo Rocha Loures, mesmo que não exista nenhum dos três elementos basilares à disposição flagrante delito, condenação definitiva ou provas de obstrução de justiça –, que se cumpra. Os fins justificariam os meios. Por essa cartilha, Janot teve a capacidade de contrariar inclusive seus pares. Ao negociar um acordo que dava salvo-conduto e benefícios inéditos ao delator – hoje livre, leve e solto a passear pelas ruas de Nova York, enquanto o País implode devido às suas confissões -, o procurador-geral ridicularizou o instrumento da delação e colocou em xeque os demais entendimentos firmados até então. Eles podem ser revistos à luz da jurisprudência criada. E para pior. Haveria manobra circense mais ultrajante?

Malgrado o mérito em questão no TSE, relativo a circunstâncias anotadas durante a campanha de 2014 (com notória influência dos acontecimentos recentes), Janot comandará um evento à parte. Demonstra estar tão certo da responsabilidade do seu alvo que corre contra o tempo para liquidar o interrogatório e alcançar à fase da denúncia, rogando angariar o amparo da classe política para consagrar como réu o presidente Temer, um “malvado favorito”. Por isso que, desde as sessões do TSE em diante, o Brasil segue esperando Janot, tal qual a obra do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (“Esperando Godot”), na qual homens passam os dias aguardando respostas para o curso de suas vidas, inebriados por discussões nonsense, porque Godot não aparece. É ou não é espetáculo de um grande circo?

Fonte: Editorial - IstoÉ -  Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três