O Globo
General Ramos na reserva
[Não podemos esquecer:
- um militar na reserva, graduado ou quatro estrelas, continua cidadão e seus direitos e deveres são estabelecidos em um artigo da Lei Maior;
- o militar da reserva, não tem o comando de tropas, mas é comum que o prestigio de um oficial da reserva, sua capacidade de liderança, aliado junto a seus pares da ativa compense não ter um comando.]
O núcleo duro da ala militar permanece firme no desejo de desmilitarizar sua presença para firmar a ideia de que não existem ministros militares, mas de origem militar. Um que foi para a reserva no dia 1º deste mês foi o General Luiz Eduardo Ramos. Ele já havia anunciado sua decisão dias antes, como registrado aqui na coluna, maturada desde o dia em que recebeu críticas de diversos setores, inclusive militares, por ter participado de uma daquelas manifestações políticas em frente ao Palácio do Planalto, onde a defesa de medidas antidemocráticas, como intervenção militar, eram feitas abertamente.
Sentiu-se incomodado, admitiu que como General de Exército da Ativa, recém-saído do Comando Militar do Leste, membro do Alto Comando do Exército, mesmo se não houvesse a defesa de ações totalitárias, que minimizou como sendo de uns poucos, não deveria participar de manifestações políticas. Conversou com o presidente, que se disse contrário, mas realizou seu desejo para poder ajudar o governo mais à vontade, como revelou em entrevistas. O general Braga Netto, da Casa Civil, está na reserva já há algum tempo, tendo permanecido na ativa durante curto período como ministro, e o ministro da Defesa, General Fernando Azevedo pretende evitar situações dúbias como a que o levou a sobrevoar de helicóptero junto com o presidente Bolsonaro uma manifestação política, como se a estivesse apoiando, quando alega que estava ali para averiguar as condições de segurança da Praça dos Três Poderes.
A vontade é de não misturar mais, ou não dar motivos para que assim sejam percebidas, as ações de ministros de origem militar com a dos militares da ativa. Por isso, há uma tentativa de homogeneizar o comportamento, fazendo com que sigam o exemplo o ministro interino da Saúde, General de Brigada Eduardo Pazzuello e o chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) Almirante de Esquadra Flávio Rocha, que foi promovido este ano, quando já trabalhava no Palácio do Planalto.
Foram muitas idas e vindas nesse primeiro ano e meio de governo, em que os assessores mais próximos ganharam ou perderam importância ao sabor dos ventos políticos, que radicalizaram como quando Bolsonaro decidiu enfrentar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), ou amainaram como agora, quando a força das decisões institucionais prevaleceu sobre o espírito “incontrolável” do presidente.
Os vários inquéritos no Supremo abrangendo não apenas seus seguidores mais radicais, alguns presos, mas ele próprio, os inquéritos do Ministério Público e da Polícia Federal sobre seus filhos Flavio e Carlos, a prisão do Queiroz na casa do advogado da família, tudo levou a que Bolsonaro se dispusesse a arrefecer os ânimos, aceitando finalmente, não se sabe até quando, que não tem condições políticas para tentar enquadrar as instituições que lhe limitam o poder presidencial, como acontece nas democracias. Uma vitória marcante dos assessores militares foi acabar com o cercadinho em que apoiadores de Bolsonaro constrangiam os jornalistas e incentivavam as bravatas do presidente. [o cercadinho era uma das inconveniências da forma escolhida pelo presidente Bolsonaro para se comunicar, sem esquecer, que era péssimo para a segurança do primeiro mandatário.
Tanto que nunca nos permitimos prestigiar aquele local e esperamos que não seja reerguido.
Uma autoridade quanto menos fala, mais poder possui.] Hoje, ele os recebe separadamente, nos jardins do Alvorada, e seus arroubos ficam restritos a essa platéia. Os relatos são de que o presidente oscila, há dias em que está mais calmo, outros mais agitado. Essa situação serviu também para confirmar o que os ministros de origem militar sempre garantiram: não existe possibilidade de as Forças Armadas apoiarem uma aventura ditatorial.
Merval Pereira, jornalista - O Globo