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segunda-feira, 7 de março de 2022

Debochando da tirania - Caio Coppolla

Revista Oeste

Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos | Foto: Wikimedia Commons
Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos | Foto: Wikimedia Commons

Enquanto isso, nos Estados Unidos, um carismático presidente republicano desfruta seus últimos meses de (segundo) mandato. Seu nome é Ronald Reagan, um expoente do conservadorismo norte-americano, que está prestes a eleger seu sucessor.

Mr. President se dirige a uma plateia de operários da indústria metalúrgica em Richmond, Virgínia — está jogando em casa: durante seu governo, houve drástica redução de impostos, o país cresceu 3,6% ao ano, o desemprego caiu e a renda média anual das famílias norte-americanas aumentou cerca de U$ 4.500. Sorridente, Reagan fala sobre seu novo hobby aos trabalhadores na plateia:

“Tenho colecionado histórias que são contadas na União Soviética pelas pessoas de lá e que revelam seu ótimo senso de humor, mas também uma postura um tanto cínica quanto ao seu sistema [político-econômico].

Feita a introdução — e a insinuação acertada de que o socialismo estava ruindo por dentro, criticado e caçoado pela própria população russa —, o presidente arranca gargalhadas ao acrescentar:

“Não contei essa pro Gorbachev [Mikhail Gorbachev, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e chefe de Estado da URSS]”.

Nesse ponto, Reagan traz um dado que cala fundo na alma da audiência, movida pelo sonho norte-americano de prosperidade, liberdade e busca pela felicidade: “Na União Soviética, há uma espera de dez anos para entrega de um automóvel e apenas uma em cada sete famílias possui um carro [nos EUA de 1988, a média era de dois veículos por domicílio]. Quando você está pronto pra comprar, passa por um processo e, então, precisa adiantar o pagamento”uma década antes de receber o veículo! Reagan segue com a anedota:

Um homem entregou seu dinheiro e o camarada encarregado disse:

— ‘Ok, volte aqui em dez anos e retire seu carro’.

— ‘De manhã ou de tarde?’ — perguntou o homem.

— ‘É daqui a dez anos, que diferença faz?’ — replicou o camarada.

E o homem explicou: ‘É que o encanador vai vir de manhã’ naquele momento, cada funcionário da fábrica ri e aplaude seu presidente com entusiasmo, cioso dos benefícios incomparáveis do modo de vida norte-americano lastreado no capitalismo e na democracia.

Reagan também usava seu humor para expor a hipocrisia inerente à utopia socialista: o regime limitava as liberdades e as oportunidades do seu povo sob pretexto de proporcionar igualdade e justiça social, mas os integrantes da administração estatal e da elite política eram beneficiados com luxo e privilégios inacessíveis à população. A temática do carro — símbolo da cultura norte-americana, que materializava a autonomia individual e a propriedade privada — também aparece em outras soviet jokes clássicas do então commander in chief:

A maior parte dos automóveis [na URSS] é dirigida por burocratas, o governo providencia carros e motoristas e a coisa toda.

Eis que uma ordem foi dada à polícia para que todos os motoristas flagrados acima da velocidade permitida fossem multados, não importa quem fossem.

Um dia, Gorbachev estava na sua casa de campo, com limusine e motorista à disposição. Muito atrasado pra chegar ao Kremlin, ele pediu ao chofer que fosse pro banco de trás, porque ele ia dirigindo — e assim foi feito.

No caminho, passaram acelerando por dois policiais de motocicleta e um deles foi logo atrás do veículo para interceptá-lo e penalizá-lo. Quando o policial voltou, seu parceiro perguntou:

— ‘E aí, você o multou?’

E o policial respondeu: ‘Não’.

— ‘Por que não?’

‘Ah’ — suspirou o policial —, ‘eles eram muito importantes.’

— ‘Mas nós fomos instruídos a multar qualquer pessoa’ — insistiu o parceiro.

O policial nem se abalou: ‘Não… eu não poderia… não esse sujeito’.

— ‘Como assim? Quem é ele?’ — questionou o parceiro curioso.

Eu não sei’ — admitiu o policial — ‘mas seu motorista é o Gorbachev!’ — mais risos, mais palmas… E assim, com leveza e destreza, Reagan explorava a ideia de que toda piada tem um fundo de verdade e trazia para os estertores da Guerra Fria o velho brocardo latino ridendo castigat moris: é rindo que se corrigem os costumes.

O cão Americano disse que, nos EUA, você precisava latir muito pra ganhar um pedaço de carne. O cão Polonês perguntou: ‘O que é carne?’; e o Russo: ‘O que é latir?’

Além de pontuar, com gentileza e espirituosidade, os vícios econômicos da URSS — como desabastecimento de produtos, instabilidade de cadeias de suprimento, ausência de concorrência, desincentivo à inovação e diversificação, falta de mobilidade social etc. —, Reagan também lançava mão do humor para abordar tópicos mais delicados, relacionados aos direitos fundamentais prestigiados pela democracia liberal, mas reprimidos pelo socialismo autoritário, como é o caso da liberdade de expressão, de crítica e de manifestação política:

Um Americano e um Russo discutiam sobre seus países. O Americano disse: “No meu país, eu posso entrar no Salão Oval, bater na mesa e dizer: ‘Sr. Presidente, eu não gosto da forma como você conduz nosso país’”.

Mas o Russo rebateu: “Eu também posso fazer isso”.

— “Pode mesmo?” — insistiu o Americano.

“Claro que sim”, explicou o Russo: “Eu posso ir ao Kremlin, entrar no escritório do camarada Gorbachev, bater na sua mesa e dizer: ‘Sr. secretário-geral, eu não gosto da forma como o presidente Reagan está conduzindo os EUA’”.

Ao que consta, este último causo foi compartilhado com Gorbachev, “e ele riu!”, relatava Reagan com indisfarçável satisfação, implicando sutilmente as próprias lideranças soviéticas na sua crítica bem-humorada ao socialismo. Para mensagens mais incisivas, o presidente norte-americano fazia uso da prosopopeia, diluindo o peso das suas palavras em personagens não humanas:

Um cachorro Americano, um cachorro Polonês e um cachorro Russo se encontraram. O cão Americano descreveu sua vida nos Estados Unidos: ‘Sabe como é, você late, você tem que latir. E depois de latir por um tempo, aí aparece alguém e te dá um pedaço de carne’.

O cão Polonês perguntou: ‘O que é carne?’

E o cão Russo: ‘O que é latir?’

Essa anedota dos cachorros nos leva a refletir sobre as mazelas enfrentadas pelos Estados sob domínio da URSS. Nações com sua própria história, idioma e identidade cultural submetidos, por décadas, a um sistema totalitário que trouxe sofrimento por onde passou. A Polônia, do velho cão soviético faminto, é país-membro da União Europeia desde 2004 e tem seus indicadores de desenvolvimento humano em alta — seus cachorros podem latir sem medo de represália, há várias opções de proteína e muitos deles são adestrados em nível superior… Não é mais uma vida de cão. Muito desse desenvolvimento deve-se ao trabalho de vida daquele simpático político norte-americano que entendeu, entre tantas outras coisas, o poder do deboche à tirania. Zombemos deles, sempre que possível.

Até porque, como disse o ex-senador republicano Alan Simpson em uma bela homenagem póstuma a George Bush pai, sucessor de Ronald Reagan na Presidência norte-americana:

“Humor is the universal solvent against the abrasive elements of life” — o humor é o solvente universal contra os elementos abrasivos da vida. 

Leia também “4 tragos de vodca”

Caio Coppolla é comentarista político e apresentador do Boletim Coppolla, na TV Jovem Pan News e na Rádio Jovem Pan

[Não há dificuldade em se confirmar que o regime da extinta URSS era péssimo - sendo a causa principal derivar do comunismo, que levou uma grande porrada com a extinção da União Soviética. Só que continua existindo e tenta se expandir via maldito esquerdismo e recuperar os espaços perdidos.]

 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

O COMUNISMO, O INTELECTUAL E O PROFETA - Percival Puggina

Em seu livro “Post-Capitalist Society”, Peter Drucker sustenta a ideia de que a derrubada do credo marxista significou “o final da fé na salvação pela sociedade”. Justificadamente convergem a esse autor o reconhecimento mundial como perito em Administração e como analista de seu tempo. Na nota introdutória da referida obra, Drucker afirma:

O comunismo faliu como sistema econômico. Em lugar de criar riqueza, criou pobreza; em lugar de criar igualdade econômica, criou uma nomenclatura de funcionários que gozavam de privilégios sem precedentes. Mas foi como credo que faliu porque não criou o homem novo; em seu lugar fez aparecer e reforçou tudo que havia de pior no velho Adão: corrupção, cobiça, ânsia de poder, inveja e desconfiança mútua, mesquinha tirania e “secretismo”; a mentira, o roubo, a denúncia, e, acima de tudo, o cinismo. O comunismo, o sistema, teve seus  heróis, mas o marxismo, o credo, não teve um único santo.

Essa exata descrição da realidade foi escrita três anos após os fatos de 1989, quando a abertura do Muro de Berlim suscitou o vendaval que pôs por terra todo o castelo de cartas a que estava reduzido o imperialismo soviético após quatro décadas de muita propaganda e ainda maiores e mais numerosas frustrações.

O que me chama atenção como leitor de Drucker é a semelhança existente entre essas considerações de seu livro e o que, cem anos antes, escrevera Leão XIII, em 1891, na Encíclica Rerum Novarum. Naquele pequeno documento, destinado à reflexão dos povos e dos governos da Terra, o admirável pontífice profetizara sobre o que aconteceria onde o comunismo viesse a ser implantado. Note-se que esse regime só teria testes de campo a partir de 1917, ou seja, um quarto de século após a publicação da encíclica. Vicenzo Gioachino Pecci, esse era o nome de batismo do sábio profeta, não pode ver em vida a perfeição de suas previsões, pois faleceu em 1903. É impossível lê-lo, porém, sem ser impactado pela lucidez com que abriu o véu do futuro e anteviu, no emaranhado de ciências sociais envolvidas, o desastroso produto final daquele regime. Eis suas palavras sobre o comunismo, escritas, repito, em 1889:

Mais além da injustiça de seu sistema, veem-se bem todas as suas funestas consequências, a perturbação de todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados de seus estímulos, e, como consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar da igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria.

Cem anos inteiros separaram o consagrado analista Peter Drucker do profético Vicenzo Gioacchino Pecci (Leão XIII). Deste último, ninguém sabe o nome e poucos, muito poucos, têm notícia da admirável previsão disponibilizada por ele à humanidade que muito, dela, se poderia ter beneficiado.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.