A OIT estima que a pandemia pode deixar mais de 24 milhões de desempregados
Enquanto a crise sanitária no Ocidente entra no seu apogeu e começa a
ser contida na Ásia, a crise econômica global está apenas começando.
Tudo indica que o PIB mundial encolherá no primeiro semestre e na melhor
das hipóteses ficará estagnado no segundo – o pior desempenho desde a
crise financeira de 2007-2009 –, mas pode reacelerar em 2021, à medida
que as cadeias de produção voltarem à ativa em busca do tempo perdido.
Por outro lado, há o risco de que a contenção do vírus se prolongue mais
do que o esperado ou sofra retrocessos insuspeitados. Em meio à
incerteza, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) emitiu seu
primeiro diagnóstico: Covid-19 e o Mundo do Trabalho: Impactos e
Respostas.
Partindo dos atuais 188 milhões de desempregados, as estimativas sugerem
um crescimento na taxa de desemprego global entre 5,3 milhões, no
melhor cenário, e 24,7 milhões, no pior. A título de comparação, a crise
financeira aumentou o desemprego em 22 milhões. O impacto afeta tanto a quantidade como a qualidade dos empregos na
indústria e nos serviços. Na China, por exemplo, o valor total agregado
da indústria declinou 13,5% nos dois primeiros meses de 2020. O Conselho
Mundial do Turismo e Comércio prevê um declínio de até 25% neste ano.
Segundo a OIT, as perdas na renda dos trabalhadores podem variar de US$
860 bilhões a US$ 3,440 trilhões.
Além disso, o impacto atinge desproporcionalmente os segmentos da
população. A proporção de trabalhadores pobres deve crescer
expressivamente. Jovens e velhos também sofrerão mais perdas de renda e
ofertas. Alguns setores particularmente afetados pela pandemia, como
serviços, saúde e escolas, têm um contingente massivo de mulheres –
muitas delas responsáveis pela renda da família. Mais do que tudo, o
choque atingirá os trabalhadores por conta própria, tanto mais na
economia gig, [Gig worker = economia compartilhada, freelancer ou informal.] um dos setores que mais cresceram nos últimos anos.
O primeiro pilar nas reações governamentais deve ser a proteção aos
trabalhadores e aos locais de trabalho. Os governos podem auxiliar com
condições logísticas para a implementação do teletrabalho e turnos
escalonados. As associações de empresas japonesas submeteram a seus
associados um questionário sobre medidas no local de trabalho e criaram
atendimento telefônico para ajudar na adaptação. Irlanda, Cingapura e
Coreia do Sul disponibilizaram licenças remuneradas por doença para
trabalhadores por conta própria.
O segundo pilar é o estímulo à economia e à demanda de trabalho. Bancos
centrais na Austrália, Canadá, Reino Unido e EUA cortaram as taxas de
juros. A Itália introduziu isenções fiscais para contribuições de
seguridade social e prorrogou os prazos para quitação de dívidas e
financiamentos. O suporte especial a setores específicos precisa ser
cuidadosamente dimensionado. Na Coreia do Sul o turismo e outros setores
mais impactados receberam maiores subsídios e períodos mais longos de
apoio.
O terceiro e último pilar é o apoio ao emprego e à renda. Na China o
governo decretou que contratos de trabalhadores imigrantes não serão
encerrados em razão de doença ou medidas sanitárias. Benefícios e outras
formas de transferência de renda para os desempregados foram expandidos
em diversos países, assim como aportes financeiros e isenções fiscais
para os empregadores.
A atual crise tem características singulares, mas a experiência de
crises financeiras e epidêmicas passadas mostra que a comunicação
transparente e tempestiva reduz a incerteza e estimula a confiança. A
última crise financeira provou que uma atitude do tipo “custe o que
custar” compensa os sacrifícios fiscais dos governos.
Independentemente das circunstâncias nacionais, a OIT insiste num
princípio fundamental: “O diálogo social tripartite entre governos,
empregados e empregadores é a chave para desenvolver e implementar
soluções sustentáveis”. Em escala global, é preciso resistir às
tentações nacionalistas. A pandemia, por definição, impacta toda a
cadeia de trabalho global. O multilateralismo será mais imprescindível
do que nunca.
Editorial - O Estado de S. Paulo