Ferido por fogo amigo e sucessivas
derrotas no Congresso, Levy sofre na Fazenda. Os amigos recomendam que
saia do governo. Mas não existe, até agora, um sucessor à altura para
ele
Era noite de quarta-feira, 30 de setembro, no Palácio da Alvorada. Mas não uma noite qualquer. Cansada, a presidente Dilma Rousseff ouvia as instruções daquele que pavimentou por duas vezes sua entrada no cargo máximo da República. Lula dava
os últimos retoques na composição ministerial que seria anunciada no
dia seguinte. Havia escolhido seus homens para os cargos-chave: Jaques Wagner ocuparia a Casa Civil, Ricardo Berzoini, a Secretaria de Governo, e, mais importante, Aloizio Mercadante seria escanteado para o Ministério da Educação, no lugar do breve Renato Janine Ribeiro.
O ex-presidente voltava a emplacar seus soldados mais fiéis no núcleo
duro do governo. Faltava apenas uma mudança – que Lula, pacientemente,
enxertava na cabeça da sucessora: tirar Joaquim Levy do Ministério da Fazenda e substituí-lo por Henrique Meirelles,
ex-presidente do Banco Central. “Você sabe que não gosto dele. Você
sabe disso”, disse a presidente, referindo-se a Meirelles, seu desafeto
desde os tempos em que ocupava a Casa Civil. Lula, que conhece a alma de
Dilma, arrematou: “E você lá gosta do Levy?”. A resposta de Dilma foi
um misto de contração facial e dar de ombros que bem situa o ministro no ranking afetivo da presidente.
Escalado para ser o general do ajuste fiscal, Levy viu sua patente de
negociador com o Congresso decair a ponto de ele ser visto hoje como um
soldado com uma missão apenas: costurar uma peça orçamentária crível.
Lula já afirmou a interlocutores que não vê em Levy a estatura
necessária para o cargo. Mas admitiu a Dilma que a saída do ministro não
seria conveniente de imediato, devido à instabilidade que isso
causaria. Seria melhor, na avaliação do ex-presidente, que a troca se
desse no início do ano que vem, com o imbróglio sobre o Orçamento de 2016 minimamente solucionado. Aí, outro titular tomaria a frente das negociações de pautas econômicas com o Congresso, sem o desgaste já acumulado por Levy. Piloto da articulação econômica do governo no início do segundo mandato, o ministro enveredou numa trajetória de sucessivas derrotas – causadas, em parte, pela falta de traquejo político –, a ponto de mesmo seus entusiastas já começarem a defender, nos bastidores, sua saída.
Os poucos parlamentares do PT e da base governista que antes
reconheciam o ministro como baluarte do governo na tentativa de
enfrentar a crise, agora já não veem com maus olhos seu abandono. “O
problema do Levy é tomar banho de mar na praia errada. Ele não dialoga
com o governo nem com o Congresso. O linguajar técnico é importante, mas
a forma como se passa a mensagem também é. Ele não percebe isso”, diz
um parlamentar que até o início de outubro defendia o ministro com unhas
e dentes pelos cantos da Esplanada. Dialogar é verbo amplo para
descrever o que o Congresso espera de um chefe da Fazenda.
Num mundo ideal, a função do ministro seria preparar o arcabouço
técnico para a articulação governista conseguir aprovar projetos que
considere relevantes para a economia. No Brasil de hoje, com uma
presidente fraca e uma base aliada dividida, exige-se de um titular da
Fazenda esforços muito maiores. Ele será considerado forte se for capaz
de transitar no Congresso com a destreza de um parlamentar, usando como
ferramenta de convencimento não apenas tabelas de cálculos, mas,
sobretudo, pequenos gestos como uma visita a um gabinete de deputado,
para um café despretensioso. Na engenharia da política, atitudes
prosaicas podem fortalecer ou dinamitar pontes.
Fonte: Revista Época