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domingo, 23 de junho de 2019

A importância do caminhão

O trabalho do caminhoneiro, tido como aventureiro e romântico, continua sendo precário nos dias de hoje

[o Brasil só tem uma saída para se livrar da dependência  transporte rodoviário  - ineficiente e que agora também se tornou chantagista, passou à extorsão, ameaçando com greves (que estão mais para lock-out) e colocando em risco a economia do país.

A saída é: PRIORIZAR o TRANSPORTE FERROVIÁRIO e o HIDROVIÁRIO.]

“Governar é abrir estradas”, dizia o presidente Washington Luis. Não mais, mas o papel do caminhão na economia brasileira continua crucial, a ponto de a sua falta ter o peso de parar o país, como em 2018. Os caminhoneiros movimentam 60% de toda a carga brasileira, através de 1,7 milhão de quilômetros de estradas, quase sempre mal conservadas.  Historicamente, o sistema viário brasileiro sempre foi dependente das estradas, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos ou a França, que têm nas ferrovias o seu principal meio de transporte, de gente e de mercadoria.

Por isso, a greve dos caminhoneiros em 2018 parou o país por dias, afetando o abastecimento das cidades. Pouco depois do Dia do Caminhoneiro, que se comemora em 20 de maio, fez um ano a nova tabela de frete, fruto de negociações entre o governo Temer e as lideranças da greve de caminhoneiros. Que já está superada. A carga tributária sobre o preço do diesel foi a detonadora da greve, e até hoje a questão não está resolvida, volta e meia o fantasma de uma nova paralisação assombra o governo Bolsonaro, que, por sinal, apoiou a greve em 2018. Os donos de carga alegam que a tabela foi editada para acabar com a paralisação, e não reflete os verdadeiros custos operacionais de transporte. E pleiteam no Supremo Tribunal Federal o fim do tabelamento de fretes. Uma nova tabela está em consulta pública, e deve entrar em vigor no próximo mês. As transportadoras, receosas dos efeitos da greve que mobilizou sobretudo os caminhoneiros autônomos, aumentaram suas frotas, reduzindo o mercado de subcontratações.

Hoje, como sempre, o caminhão continua sendo o símbolo de um país que buscou a interiorização através das estradas. Por isso, é também representativo da cultura nacional, ajudando a espalhar pelo país a música sertaneja, gerando série de sucesso na televisão como Carga Pesada, com os caminhoneiros Pedro e Bino, interpretados por Antonio Fagundes e Stênio Garcia protagonistas de aventuras pelas estradas. Um dos livros seminais sobre a importância econômica e cultural do caminhoneiro é “Em torno da sociologia do caminhão”, de Marcos Vilaça, membro da Academia Brasileira de Letras, que identificou, nos anos 60, que as cidades brasileiras já não nasciam no litoral e à beira dos rios, mas em torno dos postos de gasolina.

O caminhão como o novo agregador social, responsável pela interiorização da economia brasileira, ganhou com o livro de Vilaça nova dimensão sociológica. O livro dedica capítulos especiais à importância na economia, às romarias, ao pau de arara, às frases dos parachoques dos caminhões, à relação do caminhão com as artes. Reeditado em 2001, incluiu análise do livro de Oswaldo França Junior “Jorge, um brasileiro”, que dava a dimensão “ do Brasil “dos motoristas, das estradas de rodagem, dos caminhões, das cidades que surgem, das realidades que avançam”.

Barbosa LIma Sobrinho diz, no prefácio à segunda edição, que o caminhão tem a função de integrar o Brasil, numa tarefa desbravadora. E os compara às entradas e bandeiras, “tamanho e crescente é o intercâmbio”. Para ele, “o caminhão nada fica a dever às formas antigas de comunicação, como elemento civilizador por excelência”. O livro de Vilaça continua atual nos dias de hoje, em que os caminhoneiros se mantém fundamentais para a economia do país. E tristemente atual, pois trata também dos assaltos nas estradas, desde sempre em condições precárias de conservação e segurança.

O trabalho do caminhoneiro, tido como aventureiro e romântico, continua sendo também precário nos dias de hoje, em que a necessidade de varar noites dirigindo leva a que muitos se envolvam com drogas, antes as anfetaminas, conhecidas como “rebite”. Agora, já a cocaína. Supostamente para beneficiar os caminhoneiros, e outros motoristas profissionais, o presidente Bolsonaro enviou um projeto de lei ao Congresso alterando o Código Nacional de Trânsito em pontos relevantes: ampliou o tempo de validade das carteiras, aumentou o número de pontos para sofrer penalidades e acabou com a obrigatoriedade de exames toxicológicos.

São medidas populistas, como o tabelamento do frete, que não resolvem a questão em si, a crise do transporte rodoviário e a crescente presença de empresas de transportes, reduzindo o campo de atuação dos caminhoneiros autônomos. Uma profissão em decadência, mas que ainda pode parar o país. 
 
 
 

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Governo paga resgate, mas país continua refém



O baronato do transporte de carga sequestrou a rotina dos brasileiros sem levar o rosto à vitrine. Terceirizou o bloqueio de estradas aos caminhoneiros autônomos. No quarto dia, com o país submetido ao caos do desabastecimento, o Planalto cedeu integralmente às exigências. Em troca, obteve um armistício mixuruca de duas semanas, que não foi subscrito por todos os sequestradores da paz social. Quer dizer: o governo de Michel Temer pagou o resgate, mas o Brasil continua refém de uma ilegalidade: o locaute (pode me chamar de greve de patrões) é proibido pela legislação brasileira.

Nas palavras do negociador Eliseu Padilha, chefão da Casa Civil, o governo cedeu “tudo o que foi solicitado”. Isso inclui o tabelamento do preço do diesel por 30 dias e um subsídio para atenuar os reajustes até o final do ano. Para que a Petrobras não fique no prejuízo, o Tesouro Nacional (também conhecido como contribuinte) pagará à estatal a diferença entre o preço de mercado e o refresco servido à turma da roda presa. Coisa de R$ 5 bilhões até o final do ano, quando Temer será enviado de volta para casa. Ou para onde outro lugar.

Repetindo: armou-se algo muito parecido com uma versão envergonhada do controle de preços adotado sob Dilma Rousseff. A diferença é que, para não impor novos prejuízos à Petrobras, o custo do subsídio migrou do passivo da estatal para o bolso da plateia —que muita gente acredita ser a mesma coisa. Como dinheiro público não é gratuito, será necessário cortar os R$ 5 bilhões de outras áreas da administração pública. A última vez que o governo teve de fazer isso, transferiu verbas do seguro desemprego para cobrir o calote aplicado no BNDES pela Venezuela e por Moçambique. [nada impede que o governo transfira o que deixa de arrecadar com a benesse dada aos empresários do transporte para o contribuinte que consome gasolina - aumentando a alíquota do CIDE e PIS/COFINS que incide sobre a gasolina - algo do tipo ele faz com o IOF quando precisa aumentar a arrecadação, mediante aumento da alíquota o que pode fazer por decreto.]
Numa evidência de que o patronato utilizou os caminhoneiros como bonecos de ventríloquo, incluiu-se no acordo o compromisso do governo de não permitir que o Congresso reonere a folha salarial do setor. De novo: a folha das empresas transportadoras continuará isenta do pagamento de imposto. Tudo isso mais a redução de taxas e tributos que incidem sobre o diesel.

Admita-se que o governo não tinha outra alternativa senão negociar. Mas precisava fazer isso de joelhos? Não poderia ter condicionado as concessões à desinterdição prévia das rodovias? Era mesmo necessário passar a mão na cabeça do patronato que trafega no acostamento da legislação. Na manhã desta sexta-feira, ainda faltarão mantimentos na gôndola, combustível na bomba e remédios na prateleira. Mas nenhuma mercadoria é mais escassa no momento do que a autoridade presidencial.

Michel Temer tornou-se uma pequena criatura. Ninguém ignora que o personagem brigou para permanecer ao volante. Mas falta-lhe um itinerário. Consolidou-se como um ex-presidente no exercício da Presidência.

Blog do Josias de Souza