A suspensão de posse da ministra do Trabalho apenas pretende causar embaraços ao governo
O
réveillon é o dia em que nos despedimos do ano que se esgotou,
desejando ver as experiências malogradas definitivamente guardadas na
memória. Até o mais pessimista dos homens ousa imaginar que, dali para a
frente, muita coisa pode mudar. Todavia, no campo da política, quem
compartilhou esse sonho enquanto fazia a contagem regressiva nos dez
segundos finais de 2017 levou menos de uma semana para perceber que,
nesse aspecto, o mais adequado teria sido o cumprimento “feliz ano
velho”, parafraseando a obra do escritor Marcelo Rubens Paiva.
A nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho foi o início de uma nova crise institucional, que insiste em não ter fim. Por decisão de um magistrado da Justiça Federal, foi suspensa a solenidade de posse até que o mérito da ação seja julgado. A providência teve como fundamento a violação do princípio da moralidade, pelo fato de a parlamentar ter sido condenada em processo trabalhista. A notícia, depois de amplamente divulgada pelos veículos de comunicação, propiciou o clima ideal para que a ministra Cármen Lúcia confirmasse a liminar, contrapondo-se ao STJ.
Enquanto a AGU avalia a estratégia de defesa a ser levada a plenário, juristas discutem se os argumentos apresentados pelo Judiciário são idôneos para justificar a medida cautelar. De acordo com o artigo 87 da Constituição federal, os ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de 21 anos e no exercício dos direitos políticos. Preenchidos esses requisitos, compete ao presidente da República, por critérios de caráter meramente subjetivo, a escolha de seus ministros, embora o ato de nomeação não fique livre do exame de legalidade e moralidade. A indicação de um estrangeiro, por exemplo, para ocupar tal cargo sem sombra de dúvida teria de sofrer o controle judicial. No tocante à moralidade se daria o mesmo caso o governo pretendesse dar posse a um traficante de drogas para comandar o Ministério da Saúde.
Acontece que no caso em tela a situação se mostra bem peculiar. A medida judicial deve-se, exclusivamente, ao fato de a parlamentar indicada para o ministério ter deixado de assinar a carteira de trabalho de dois de seus empregados, o que foi regularizado a posteriori, mediante o pagamento de multa. Em que pese o desrespeito aos direitos do trabalhador, não se trata de infração grave, muito menos de um relevante penal. Não estamos aqui tratando de crime contra a pessoa, como na hipótese de redução à condição análoga à de escravo, nem de outro tipo penal listado entre os crimes contra a organização do trabalho. E ainda que houvesse a subsunção do fato a alguma norma incriminadora, a proibição de assumir a função ministerial não estaria entre os efeitos da condenação para poderem justificar odioso caráter perpétuo do castigo.
Qualquer pessoa que se preste a investir no setor produtivo, ou em atividades voltadas para a prestação de serviços, não está imune às demandas trabalhistas, mesmo quando imbuída de consciência social. Muitas vezes a interpretação equivocada da norma induz o patrão a agir à margem da ordem jurídica. Nesse contexto se incluem os que, abarrotados de compromissos, negligenciam deveres burocráticos, deixando para depois determinadas obrigações que, na falta, acarretam onerosas sanções. Há anos tem-se tentado buscar requisitos de ordem puramente objetiva para atestar a competência dos profissionais de forma geral. Essa é uma das razões para que nossas instituições não consigam funcionar em sua plenitude, ficando aquém das expectativas nelas depositadas. A maioria das faculdades, por exemplo, exige doutorado para integrar o corpo docente, ficando em segundo plano virtudes como didática e experiência prática. Assim, no campo da Engenharia, o professor que jamais edificou um prédio vai para a sala de aula ensinar o que nunca aprendeu. Se não tem título, não serve! Na questão do Ministério do Trabalho, o que ocorre é semelhante: se respondeu a uma reclamação trabalhista, não está apto a ocupar o cargo! Despertaria curiosidade se fizessem um levantamento de todas as autoridades do País que já figuraram como réus em algum tipo de processo. Seguindo essa mesma linha de avaliação, cuja conclusão é alcançada em detrimento do raciocínio, poucos teriam legitimidade para o exercício de suas funções.
Na realidade, os que aprovam a discutida suspensão pretendem causar embaraços ao governo, como costuma fazer a oposição, principalmente às vésperas de eleições. Também se há de ponderar se não constitui um ataque indireto ao ex-deputado Roberto Jefferson, por ser pai da nomeada. Há quem não esteja satisfeito com sua condenação à pena privativa de liberdade, que ele cumpriu fielmente, mesmo quando submetido a tratamento de câncer. É como se o tamanho do erro sempre sobrepujasse a dosimetria da pena, como se para certos pecados o arrependimento jamais livrasse o confesso do inferno. O Brasil vem-se transformando num Estado policial, e com a agravante da hipocrisia endêmica. Num clima de constante patrulhamento ideológico, todos olham para os erros do próximo, mas ninguém cogita de voltar a atenção para si mesmo. Por essa razão, virou rotina ouvirmos discursos moralistas saindo da boca dos mais degenerados.
O resultado do excesso de zelo sobre a vida alheia é o retrógrado aumento da judicialização dos conflitos sociais. Não existe mais um perfil das ações que vão desaguar no STF, pois em plenário se chega a discutir até mesmo questões envolvendo briga de galo. No momento, o alvo é a União, que está perdendo o controle sobre as próprias decisões, que dependeriam exclusivamente de um juízo de conveniência e oportunidade.
A nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho foi o início de uma nova crise institucional, que insiste em não ter fim. Por decisão de um magistrado da Justiça Federal, foi suspensa a solenidade de posse até que o mérito da ação seja julgado. A providência teve como fundamento a violação do princípio da moralidade, pelo fato de a parlamentar ter sido condenada em processo trabalhista. A notícia, depois de amplamente divulgada pelos veículos de comunicação, propiciou o clima ideal para que a ministra Cármen Lúcia confirmasse a liminar, contrapondo-se ao STJ.
Enquanto a AGU avalia a estratégia de defesa a ser levada a plenário, juristas discutem se os argumentos apresentados pelo Judiciário são idôneos para justificar a medida cautelar. De acordo com o artigo 87 da Constituição federal, os ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de 21 anos e no exercício dos direitos políticos. Preenchidos esses requisitos, compete ao presidente da República, por critérios de caráter meramente subjetivo, a escolha de seus ministros, embora o ato de nomeação não fique livre do exame de legalidade e moralidade. A indicação de um estrangeiro, por exemplo, para ocupar tal cargo sem sombra de dúvida teria de sofrer o controle judicial. No tocante à moralidade se daria o mesmo caso o governo pretendesse dar posse a um traficante de drogas para comandar o Ministério da Saúde.
Acontece que no caso em tela a situação se mostra bem peculiar. A medida judicial deve-se, exclusivamente, ao fato de a parlamentar indicada para o ministério ter deixado de assinar a carteira de trabalho de dois de seus empregados, o que foi regularizado a posteriori, mediante o pagamento de multa. Em que pese o desrespeito aos direitos do trabalhador, não se trata de infração grave, muito menos de um relevante penal. Não estamos aqui tratando de crime contra a pessoa, como na hipótese de redução à condição análoga à de escravo, nem de outro tipo penal listado entre os crimes contra a organização do trabalho. E ainda que houvesse a subsunção do fato a alguma norma incriminadora, a proibição de assumir a função ministerial não estaria entre os efeitos da condenação para poderem justificar odioso caráter perpétuo do castigo.
Qualquer pessoa que se preste a investir no setor produtivo, ou em atividades voltadas para a prestação de serviços, não está imune às demandas trabalhistas, mesmo quando imbuída de consciência social. Muitas vezes a interpretação equivocada da norma induz o patrão a agir à margem da ordem jurídica. Nesse contexto se incluem os que, abarrotados de compromissos, negligenciam deveres burocráticos, deixando para depois determinadas obrigações que, na falta, acarretam onerosas sanções. Há anos tem-se tentado buscar requisitos de ordem puramente objetiva para atestar a competência dos profissionais de forma geral. Essa é uma das razões para que nossas instituições não consigam funcionar em sua plenitude, ficando aquém das expectativas nelas depositadas. A maioria das faculdades, por exemplo, exige doutorado para integrar o corpo docente, ficando em segundo plano virtudes como didática e experiência prática. Assim, no campo da Engenharia, o professor que jamais edificou um prédio vai para a sala de aula ensinar o que nunca aprendeu. Se não tem título, não serve! Na questão do Ministério do Trabalho, o que ocorre é semelhante: se respondeu a uma reclamação trabalhista, não está apto a ocupar o cargo! Despertaria curiosidade se fizessem um levantamento de todas as autoridades do País que já figuraram como réus em algum tipo de processo. Seguindo essa mesma linha de avaliação, cuja conclusão é alcançada em detrimento do raciocínio, poucos teriam legitimidade para o exercício de suas funções.
Na realidade, os que aprovam a discutida suspensão pretendem causar embaraços ao governo, como costuma fazer a oposição, principalmente às vésperas de eleições. Também se há de ponderar se não constitui um ataque indireto ao ex-deputado Roberto Jefferson, por ser pai da nomeada. Há quem não esteja satisfeito com sua condenação à pena privativa de liberdade, que ele cumpriu fielmente, mesmo quando submetido a tratamento de câncer. É como se o tamanho do erro sempre sobrepujasse a dosimetria da pena, como se para certos pecados o arrependimento jamais livrasse o confesso do inferno. O Brasil vem-se transformando num Estado policial, e com a agravante da hipocrisia endêmica. Num clima de constante patrulhamento ideológico, todos olham para os erros do próximo, mas ninguém cogita de voltar a atenção para si mesmo. Por essa razão, virou rotina ouvirmos discursos moralistas saindo da boca dos mais degenerados.
O resultado do excesso de zelo sobre a vida alheia é o retrógrado aumento da judicialização dos conflitos sociais. Não existe mais um perfil das ações que vão desaguar no STF, pois em plenário se chega a discutir até mesmo questões envolvendo briga de galo. No momento, o alvo é a União, que está perdendo o controle sobre as próprias decisões, que dependeriam exclusivamente de um juízo de conveniência e oportunidade.
O Estado de S. Paulo - Henrique N. Calandra e Sergio R. do Amaral Gurgel