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sábado, 7 de janeiro de 2023

A maldição dos 40 ameaça um setentão - Augusto Nunes

Revista Oeste

Lula 3 repete erros que amputaram o mandato de quatro presidentes 

 Ex-presidentes Fernando Collor, Jânio Quadros e João Goulart | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Wikimedia Commons

Os ex-presidentes Fernando Collor, Jânio Quadros e João Goulart -  Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Wikimedia Commons 

Um trecho da Constituição informa que só podem candidatar-se à Presidência da República brasileiros com mais de 35 anos de idade.  É pouco, adverte a saga dos três quarentões que desocuparam o Palácio do Planalto muito antes do prazo combinado. 
Jânio Quadros tinha 44 quando decidiu usar o atalho da renúncia para voltar à planície e logo depois regressar ao ponto de partida; a esperteza não deu certo. 
João Goulart tinha 42 quando foi obrigado a deixar o emprego e o país. Fernando Collor tinha 40 quando preferiu pedir demissão a aguardar a inevitável decretação do impeachment.
 
Os três protagonizaram molecagens que governantes cinquentões certamente evitariam. Jânio, por exemplo, fantasiou-se de moralista radical ao banir do território nacional briga de galo, biquíni e lança-perfume.  
Jango mandou às favas a hierarquia militar ao apoiar ostensivamente uma greve de marinheiros. 
Collor deu de mandar mensagens em código com inscrições nas camisetas que realçavam o peitoral bombado. 
Mas a trinca talvez escapasse da amputação do mandato se não tivesse cometido o pecado capital do qual presidentes mais vividos fogem como o diabo da cruz: confrontados com a crescente má vontade do Legislativo, os três optaram pelo enfrentamento.
A “maldição dos 40” mistura inexperiência, soberba e incompetência. No dia da vitória, a euforia impediu que Jânio, Jango e Collor enxergassem o sinal vermelho aceso no Congresso: o presidente eleito não tinha o apoio da maioria dos deputados e senadores
Deveria, portanto, usar as semanas que precedem a posse para negociar espaços no ministério e no segundo escalão com partidos sensíveis a cargos e verbas. 
Confiantes no poder de sedução de um presidente em começo de mandato, os integrantes da trinca, que nunca haviam dado maior importância a partidos, acharam perda de tempo buscar acordos que expandissem a base parlamentar governista.
Comícios e propaganda de Jânio Quadros. Campanha eleitoral 
de 1960 | Foto: Wikimedia Commons/Arquivo Nacional

Lançado candidato pela União Democrática Nacional, Jânio venceu a eleição de 1960 graças à força do janismo — movimento muito maior que a UDN e todas as outras siglas pelas quais passou na trajetória que o levou, em 12 anos, da Câmara de Vereadores de São Paulo ao Palácio do Planalto. Cercado de velhos amigos, afastou-se dos parceiros de palanque e fez do ministério uma extensão do universo político paulista. Todas as legendas se uniram para impedi-lo de governar o país.

Jango foi fiel ao PTB, sigla dominante nos bisonhos ministérios que nomeou. No dia da queda, mesmo parlamentares petebistas já estavam fora do barco
Governador de Alagoas, Collor começou o ano sonhando com a candidatura a vice-presidente na chapa do PSDB, liderada por Mário Covas. Animado com o desempenho nas pesquisas eleitorais, deixou a tribo dos tucanos para fundar uma esquisitice batizada de Partido da Reconstrução Nacional. O PRN seria tão efêmero quanto a Era Collor. 
O impetuoso caçador de marajás só pediu socorro a grandes partidos quando o naufrágio se tornara irreversível. Seus aliados no Congresso já cabiam numa van.
Presidente João Goulart inaugura duas turbinas na 
Usina Hidrelétrica de Três Marias (MG) | Foto: Arquivo Nacional
Quase 20 depois do despejo de Collor, Dilma Rousseff provaria que a maldição dos 40 pode atingir uma sexagenária com idade mental consideravelmente inferior à registrada na certidão de nascimento. Entre o início de 2011 e o fim de 2014, a primeira mulher a presidir o país não disse coisa com coisa. 
Fora outros assombros, saudou a mandioca, dobrou metas que não haviam sido fixadas, até enxergou um cachorro oculto por trás de toda criança — mas não só completou o primeiro mandato como conseguiu ser reeleita.
Posse do presidente Fernando Collor de Melo, em 15/3/1990 - 
Foto: Wikimedia Commons
A mudança dos ventos ocorreu já na largada de Dilma 2. Antes que 2015 terminasse, a única faxineira do mundo que não vive sem lixo por perto foi obrigada a varrer do ministério sete corruptos juramentados. 
Mas a hora da agonia só chegou em 2016. Afetada por manobras desastradas e jogadas infantis da chefe do Executivo, sua “base parlamentar” tornou-se tão vigorosa quanto um chilique de Randolfe Rodrigues. Com o povo nas ruas e o Congresso longe do governo, a substituição de Dilma pelo vice Michel Temer ficou tão previsível quanto a mudança das estações.
 
Enquanto “atos de protesto contra o golpe” juntavam algumas dúzias de teimosos sem cura, cresciam dramaticamente multidões cuja reivindicação se condensava em duas palavras, uma vírgula e um ponto de exclamação: “Fora, Dilma!”. O impeachment foi aprovado por 367 parlamentares.  
Apenas 137 se opuseram ao despejo, 7 se abstiveram e 2 nem apareceram no plenário. 
Dilma foi defendida na tribuna por deputados do PT com o entusiasmo de orador de velório. “O Congresso sempre faz o que o povo quer, porque o instinto de sobrevivência do político é muito mais agudo que o do eleitor”, repetia o deputado gaúcho Ibsen Pinheiro, então presidente da Câmara, aos jornalistas que lhe perguntavam qual seria o desfecho do processo de impeachment contra Fernando Collor. “Todo parlamentar sabe que, quando isso acontece, contrariar o povo é suicídio.”
São Paulo – Manifestação na Avenida Paulista, região central da 
capital, contra a corrupção e pela saída da presidenta 
Dilma Rousseff (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Com o terceiro mandato ainda no berçário, é cedo para saber se (e quando) emergirá das ruas um pressago “Fora, Lula!” rugido por centenas de milhares de gargantas. [nosso palpite é que será ainda no primeiro semestre de 2023 - alguns 'buracos' financeiros precisarão ser tapados e a única fonte de recursos é  a dos oriundos da PEC da Transição = PEC PRECIPÍCIO, o que fará com que ainda no primeiro semestre de 2023,  parcelas do antigo Auxilio Brasil deixem de ser pagar... e,. as consequências virão ...] De todo modo, multiplicam-se sinais de que o homem que exerceu por oito anos o cargo que disputou em seis eleições agora parece subestimar o poder de fogo do Congresso — e os humores sempre instáveis do Parlamento. Isso é coisa para quarentões de curta milhagem. Não para quem acaba de transformar-se, aos 77 anos, no mais idoso presidente do Brasil republicano. A suspeita foi reforçada por Eduardo Cunha num artigo publicado pelo site Poder360 (veja entrevista nesta edição).

Entre as acusações endereçadas a Cunha, que presidiu a Câmara durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, jamais figurou a de amadorismo político. Em tom seguro, ele afirma que Lula não usou a engorda do primeiro escalão, de 23 para 37 ministérios, para consolidar os laços entre os participantes da multifacetada aliança que o elegeu. “Foi a pior composição de todas as gestões do PT”, acredita.  Segundo Cunha, o partido do presidente ficou com 21 ministérios. Computados os seis distribuídos entre siglas reduzidas a puxadinhos do PT, chega-se a 27. Feitas as contas, a soma das bancadas desses e outros partidos contemplados com fatias do bolo “é incapaz de garantir uma maioria sustentável no Congresso”.

“O PT sempre quis servos, não aliados”, diz. “Alguém acha que um Ministério da Pesca vai segurar uma bancada de 42 deputados do PSD? Esse ministério, a exemplo do que se viu no mandato de Dilma 2, será refeito mais rápido que se imagina.” Cunha também avisa que humilhações podem abrir feridas que não cicatrizam. “O caso de Simone Tebet foi um exemplo. Humilhada pelos vetos a que ela ocupasse posições que o PT entendia imprescindíveis para eles, acabou no Ministério do Planejamento. Sem qualquer importância na gestão da economia, que ficou a cargo do Ministério da Fazenda.”

Depois de reiterar que a performance dos responsáveis pela economia determinará o destino do governo Lula, Cunha exala desconfiança ao prever o desempenho de Haddad. E completa o ligeiro checkup com uma frase pouco animadora para o PT: “Lula 3 está ficando parecido com Dilma 2”.

Leia também “A imensidão dos sem-sigla”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

 


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Feliz ano velho

A suspensão de posse da ministra do Trabalho apenas pretende causar embaraços ao governo

O réveillon é o dia em que nos despedimos do ano que se esgotou, desejando ver as experiências malogradas definitivamente guardadas na memória. Até o mais pessimista dos homens ousa imaginar que, dali para a frente, muita coisa pode mudar. Todavia, no campo da política, quem compartilhou esse sonho enquanto fazia a contagem regressiva nos dez segundos finais de 2017 levou menos de uma semana para perceber que, nesse aspecto, o mais adequado teria sido o cumprimento “feliz ano velho”, parafraseando a obra do escritor Marcelo Rubens Paiva.

A nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho foi o início de uma nova crise institucional, que insiste em não ter fim. Por decisão de um magistrado da Justiça Federal, foi suspensa a solenidade de posse até que o mérito da ação seja julgado. A providência teve como fundamento a violação do princípio da moralidade, pelo fato de a parlamentar ter sido condenada em processo trabalhista. A notícia, depois de amplamente divulgada pelos veículos de comunicação, propiciou o clima ideal para que a ministra Cármen Lúcia confirmasse a liminar, contrapondo-se ao STJ.

Enquanto a AGU avalia a estratégia de defesa a ser levada a plenário, juristas discutem se os argumentos apresentados pelo Judiciário são idôneos para justificar a medida cautelar. De acordo com o artigo 87 da Constituição federal, os ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de 21 anos e no exercício dos direitos políticos. Preenchidos esses requisitos, compete ao presidente da República, por critérios de caráter meramente subjetivo, a escolha de seus ministros, embora o ato de nomeação não fique livre do exame de legalidade e moralidade. A indicação de um estrangeiro, por exemplo, para ocupar tal cargo sem sombra de dúvida teria de sofrer o controle judicial. No tocante à moralidade se daria o mesmo caso o governo pretendesse dar posse a um traficante de drogas para comandar o Ministério da Saúde.

Acontece que no caso em tela a situação se mostra bem peculiar. A medida judicial deve-se, exclusivamente, ao fato de a parlamentar indicada para o ministério ter deixado de assinar a carteira de trabalho de dois de seus empregados, o que foi regularizado a posteriori, mediante o pagamento de multa. Em que pese o desrespeito aos direitos do trabalhador, não se trata de infração grave, muito menos de um relevante penal. Não estamos aqui tratando de crime contra a pessoa, como na hipótese de redução à condição análoga à de escravo, nem de outro tipo penal listado entre os crimes contra a organização do trabalho. E ainda que houvesse a subsunção do fato a alguma norma incriminadora, a proibição de assumir a função ministerial não estaria entre os efeitos da condenação para poderem justificar odioso caráter perpétuo do castigo.

Qualquer pessoa que se preste a investir no setor produtivo, ou em atividades voltadas para a prestação de serviços, não está imune às demandas trabalhistas, mesmo quando imbuída de consciência social. Muitas vezes a interpretação equivocada da norma induz o patrão a agir à margem da ordem jurídica. Nesse contexto se incluem os que, abarrotados de compromissos, negligenciam deveres burocráticos, deixando para depois determinadas obrigações que, na falta, acarretam onerosas sanções. Há anos tem-se tentado buscar requisitos de ordem puramente objetiva para atestar a competência dos profissionais de forma geral. Essa é uma das razões para que nossas instituições não consigam funcionar em sua plenitude, ficando aquém das expectativas nelas depositadas. A maioria das faculdades, por exemplo, exige doutorado para integrar o corpo docente, ficando em segundo plano virtudes como didática e experiência prática. Assim, no campo da Engenharia, o professor que jamais edificou um prédio vai para a sala de aula ensinar o que nunca aprendeu. Se não tem título, não serve! Na questão do Ministério do Trabalho, o que ocorre é semelhante: se respondeu a uma reclamação trabalhista, não está apto a ocupar o cargo! Despertaria curiosidade se fizessem um levantamento de todas as autoridades do País que já figuraram como réus em algum tipo de processo. Seguindo essa mesma linha de avaliação, cuja conclusão é alcançada em detrimento do raciocínio, poucos teriam legitimidade para o exercício de suas funções.

Na realidade, os que aprovam a discutida suspensão pretendem causar embaraços ao governo, como costuma fazer a oposição, principalmente às vésperas de eleições. Também se há de ponderar se não constitui um ataque indireto ao ex-deputado Roberto Jefferson, por ser pai da nomeada. Há quem não esteja satisfeito com sua condenação à pena privativa de liberdade, que ele cumpriu fielmente, mesmo quando submetido a tratamento de câncer. É como se o tamanho do erro sempre sobrepujasse a dosimetria da pena, como se para certos pecados o arrependimento jamais livrasse o confesso do inferno.  O Brasil vem-se transformando num Estado policial, e com a agravante da hipocrisia endêmica. Num clima de constante patrulhamento ideológico, todos olham para os erros do próximo, mas ninguém cogita de voltar a atenção para si mesmo. Por essa razão, virou rotina ouvirmos discursos moralistas saindo da boca dos mais degenerados.

O resultado do excesso de zelo sobre a vida alheia é o retrógrado aumento da judicialização dos conflitos sociais. Não existe mais um perfil das ações que vão desaguar no STF, pois em plenário se chega a discutir até mesmo questões envolvendo briga de galo. No momento, o alvo é a União, que está perdendo o controle sobre as próprias decisões, que dependeriam exclusivamente de um juízo de conveniência e oportunidade.

O Estado de S. Paulo - Henrique N. Calandra e Sergio R. do Amaral Gurgel

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Não se pode admitir que, a pretexto de exercício da liberdade de culto, a vida de um animal possa vir a ser legitimamente suprimida



Sacrifício de animais não é compatível com a Constituição de 1988
Esta semana uma leitora do blogue do GERT
em Porto Alegre (RS) escreveu-me a propósito da discussão do PL 21/2015 na CCJ da Assembleia Legislativa daquele Estado. O projeto de lei, de autoria da deputada Regina Becker Fortunati (PDT), segundo me informou a leitora gaúcha, altera o Código Estadual de Proteção aos Animais e revoga uma lei estadual de 2004 que permite o abate de bichos em cerimônias religiosas. A leitora, então, conhecedora dos meus estudos como constitucionalista no campo dos Direitos Fundamentais e, particularmente, no campo do Controle de Constitucionalidade, questionou-me acerca do meu posicionamento sobre esse assunto. Desse modo, instigado pela oportunidade do debate, decidi tecer algumas breves observações sobre o assunto. 

Na ordem constitucional brasileira, não se pode admitir o desprestígio desarrazoado ao valor vida, seja a vida humana ou a dos demais outros animais. Sob a égide da CF/88, deve-se ponderar os valores liberdade de culto versus direito à vida. Nesse confronto, entendo que o valor "vida dos animais" deve preponderar.
 
Valendo-me duma exegese constitucionalizada do Direito Ambiental, entendo que o art. 225 da CF/88 ("Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações") não comete à vida animal um valor menor em relação à vida humana

Assim, analisada a liberdade de culto, não se poderia admitir que as práticas religiosas pudessem, a pretexto de manutenção da cultura de um povo, adotar ações que colidam com os valores substanciais do Estado brasileiro - entre os quais está a proteção do meio ambiente e, consequentemente, da vida dos animais. A própria CF/88, escudada no respeito a todas as formas de vida, tratou de proibir as práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna ou da flora, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade (art. 225, § 1º, VII). 

É nesse sentido que orienta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, em numerosos precedentes relacionados a situações específicas em que fica configurado o embate entre as manifestações culturais e o meio ambiente, o STF tem entendido que o conflito de normas constitucionais resolve-se em favor da preservação do meio ambiente quando as práticas culturais ou esportivas condenam os animais a situações degradantes. 

Foi o raciocínio utilizado, por exemplo, no julgamento da ADI 2514, na qual o STF, em 2005, considerou inconstitucional - por ofender o art. 225, § 1º, VII, da CF/88 - a Lei Estadual 11.344/00, oriunda do Estado de Santa Catarina, que tinha previsto normas para a criação, exposição e realização de competições entre aves combatentes da espécie "Galus-Galus", a chamada "briga de galo". Ficou vencida, dessa maneira, a tese que defendia a constitucionalidade da lei estadual com base numa suposta "cultura arraigada" da população catarinense, simpática às brigas de galo. Em outro precedente importante, assentado no julgamento do RE 153531, quando se discutiu a polêmica "farra do boi" realizada no mesmo Estado de Santa Catarina, o STF fez prevalecer novamente a preservação da fauna. 

Consoante decidiu a Corte nesse julgado, os atos que submetem os animais à crueldade não podem ser considerados "inocentes manifestações culturais de caráter meramente folclórico". Acrescente-se ainda que a jurisprudência do STF tem entendido que a proteção jurídica dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os animais domésticos ou domesticados, visto que a cláusula constitucional que veda a submissão de animais à crueldade é genérica (STF, ADI 1856/RJ, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 26/05/2011).

O exame dessas decisões deixa claro que o Supremo Tribunal Federal tem, acertadamente, interpretado as normas do Direito Constitucional Ambiental com vistas a assegurar a máxima efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente. Tal preservação alcança uma dimensão ampla, a abranger o meio ambiente nos seus múltiplos aspectos: natural, cultural, artificial e até mesmo o laboral. 

É assim que a Suprema Corte brasileira tem rechaçado com veemência quaisquer leis estaduais que tenham por objetivo viabilizar práticas de notória crueldade contra animais - o que constitui um potente desafio ao direito à vida e ao meio ambiente, ambos inscritos na Constituição. 

Ora, o raciocínio esposado pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidades, que derrubaram todas as leis que regulamentavam práticas odiosas como "brigas de galo" em nosso País, norteou-se pela conclusão de que essas "competições" de animálias são incompatíveis com a Constituição de 1988, na medida em que os animais são vítimas de maus tratos e toda sorte de tormentos promovidos pelos seus organizadores. 

Logo, tais práticas infringem, a um só tempo, normas do ordenamento constitucional e da legislação ambiental, no que fica suficientemente caracterizado o comportamento delinquencial altamente reprovável e, consequentemente, impossível de ser legitimado em textos legais. 

Forte nesses argumentos, entendo que o mesmo raciocínio que conduz ao juízo de nulidade das leis que prevejam competições baseadas na crueldade contra os animais deve prevalecer em sede de práticas de cultos religiosos. Não se pode admitir que, a pretexto de exercício da liberdade de culto, a vida de um animal possa vir a ser legitimamente suprimida. Tais práticas, ao submeterem espécies da fauna ao sacrifício, extrapolam a liberdade de culto, que não é absoluta, e em nada se harmonizam com o projeto civilizatório pretendido pela Constituição de 1988.

Portanto, a virtual edição lei do Estado do Rio Grande do Sul, ao vedar o sacrifício de animais em cultos religiosos, não apenas é perfeitamente constitucional como ainda contribui decisivamente para a preservação do meio ambiente e do direito à vida como um todo.

Por: Rafael Teodoro, professor, músico e escritor
Graduado em Direito pela UFPA. Especialista em Direito Constitucional, Direito Tributário e Ciências Penais. Ex-Advogado. Atualmente atua como Analista Jurídico do Ministério Público. Formado em música erudita pelo Conservatório Carlos Gomes.