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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

"Quase um ex-ministro".

Ao apresentar seu pedido de demissão, o velho professor de democracia disse ao então presidente: "Nossa diferença é que eu posso sair e o senhor tem de ficar". A posse dos novos ministros lembra o episódio antigo. Todos os que assumiram ou se viram remanejados no Ministério podem sair...
Artigo publicado originalmente no Diário do Poder, edição de 6 de outubro de 2015


Milton Campos foi o primeiro ministro da Justiça do regime militar. Engoliu sapos, como a cassação do ex-presidente Juscelino Kubitschek e de montes de mandatos. Não aguentou quando o marechal Castello Branco decidiu editar o Ato Institucional nº 2, que inaugurava novo período ditatorial. Foram dissolvidos os partidos políticos, suspenso o habeas-corpus, ampliado o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, entre outras barbaridades.

Ao apresentar seu pedido de demissão, o velho professor de democracia disse ao então presidente: "Nossa diferença é que eu posso sair e o senhor tem de ficar".

 
... "Os novos ministros, assim como alguns dos agora remanejados, entraram segunda-feira no gabinete da presidente da República pela primeira vez. E talvez a última. Na melhor das hipóteses, condenam-se a dialogar com o novo chefe da Casa Civil e com o secretário de Governo. Se antes já havia ministros de primeira e de segunda classe, entram em campo agora os de terceira"...

A posse dos novos ministros lembra o episódio antigo. Todos os que assumiram ou se viram remanejados no Ministério podem sair. Seus motivos diferem daquele que levou Milton Campos a pedir demissão, pois a presidente Dilma não pensa em ditadura. Mas está, como Castello Branco, tutelada e sem poder. Naqueles idos, quem mandava era o Exército, com o ministro Costa e Silva à frente. Hoje, quem manda é Lula, com ou sem o PT. [Será! Lula manda ou pensa que manda?]

O atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não é nenhum campeão da democracia, mas está para o novo governo mais ou menos como o dr. Milton diante dos militares: pouco à vontade, incomodado e sem espaço. Encontra-se afastado da política, não controla a Polícia Federal nem passa pela porta dos partidos da base oficial. Suas relações com o Poder Judiciário deixam a desejar e com as Forças Armadas, nem isso. É o último dos inimigos íntimos de Lula que falta Madame mandar passear ou deslocá-lo para o Ministério dos Esportes ou das Mulheres. Há quem suponha estar o dr. Cardoso prestes a antecipar-se, pedindo para deixar a equipe governamental. Senão será deixado.

Os novos ministros, assim como alguns dos agora remanejados, entraram segunda-feira no gabinete da presidente da República pela primeira vez. E talvez a última. Na melhor das hipóteses, condenam-se a dialogar com o novo chefe da Casa Civil e com o secretário de Governo. Se antes já havia ministros de primeira e de segunda classe, entram em campo agora os de terceira. Aqueles que Dilma nem escolheu para figurantes e que estarão na dependência dos votos de deputados do PMDB e outros partidos.

A saída será reformar seus gabinetes em São Paulo, ficando na fila de audiências no Instituto Lula.
Carlos Chagas - é advogado, professor e jornalista


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Encontro inconveniente

Triste é o país no qual se tem que explicar ao ministro da Justiça o que ele não deve fazer, porque é institucionalmente inadequado. Ele não pode receber a portas fechadas, no seu gabinete, advogados de pessoas que estão sendo investigadas pela Polícia Federal, que ele comanda. Se o faz, parecerá aos comandados uma desautorização e, aos cidadãos, que haveria um acerto de gabinete.

Não repetirei, por ocioso, o ideal da redundância entre ser e parecer da mulher de César. A autoridade deve ser e parecer respeitosa das instituições porque assim funciona na democracia. O ministro José Eduardo Cardozo deveria evitar no futuro quaisquer encontros com advogados das partes em litígio com o Estado, porque simplesmente ele não é a instância. Se, por acaso, algum advogado acha que o seu cliente está sendo maltratado ou não tem tido seus direitos respeitados, ele tem um endereço certo para ir: aos tribunais. À Justiça, pode-se recorrer até de eventuais excessos da própria Justiça. Eis aí a beleza do Estado de Direito. Para investigados por supostos crimes na democracia, não há caminhos alternativos, atalhos, conversas de bastidores que passem pelo poder Executivo.

Na ditadura, da qual o ministro parece ter apenas vaga lembrança, direitos não eram respeitados. Os mais mínimos direitos. Por isso é que os familiares tentavam contatar quem pudessem dentro do aparelho de Estado à busca de informações sobre os seus ou caminhos de proteção do prisioneiro desprovido de garantias individuais. Procuravam-se os atalhos, porque não havia caminhos. Por isso, a afirmação que o ministro fez, de que recriminá-lo por receber os advogados dos suspeitos é coisa da época da ditadura, parece tão sem pé nem cabeça. Naquela época, conhecer um ministro poderia significar a informação sobre a vida ou sobre a morte de um ente querido.

Hoje, as instituições funcionam, felizmente. A Polícia Federal prendeu, levou para depor ou fez busca e apreensão de documentos obedecendo estritamente as ordens da Justiça. Está interrogando dentro das normas legais do país. O Ministério Público está fazendo seu papel de forma autônoma. A Justiça cumpre igualmente seus deveres constitucionais. Não há nada fora da ordem. E se, por acaso, tivesse havido algo anormal, o caminho para a solução do problema não seria o do gabinete do ministro.

O que podem querer, com o ministro da Justiça, os advogados dos investigados pela operação Lava-Jato? Falar de amenidades? Conversar sobre a conjuntura internacional? O único assunto provável neste momento é o que todos suspeitamos. E isso não é eficaz na defesa dos seus clientes. Porque se uma conversa com o ministro mudar algo, ou alguma informação for passada aos defensores, estaríamos diante de uma grave perturbação da ordem.

Mas o espantoso é que mesmo diante da polêmica, o ministro e seu partido que, ademais, tem o seu tesoureiro sob suspeição por ter sido citado pelos envolvidos ainda não entenderam o que houve de errado no encontro. Pode-se acreditar que a conversa não produziu qualquer consequência, que dela não tenha decorrido um ato ministerial que atrapalhe as investigações, mas pense o senhor ministro o que se passa na cabeça de um delegado? Ele pode se sentir constrangido no seu trabalho ao saber que o seu interrogado tem acesso, através do advogado, ao chefe de todos os policiais federais. 
Tomara que não se sinta constrangido porque do seu trabalho, desempenhado de forma tecnicamente correta, depende o bom andamento de investigação relevante para o futuro do país.

Por isso, o ministro deve-se abster de ter esses encontros. É, de fato, triste que tudo tenha que ser explicado, porque já deveria ser bastante sabido neste trigésimo aniversário da Nova República. A democracia tem rituais que devem ser estritamente seguidos. Autoridades prestam contas dos seus atos quando há dúvidas sobre eles. Evitam conflitos de interesse como, por exemplo, o que pode haver num encontro com advogados de pessoas que estão neste momento sendo investigados pela Polícia Federal. E se o ministro estiver amanhã julgando esse caso na Suprema Corte? O encontro foi definitivamente inconveniente.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão