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domingo, 2 de junho de 2019

Moderados e apreensivos: o que pensam os generais que trabalham bem perto do presidente Jair Bolsonaro

Um general do Alto Comando do Exército, grupo que mantém interlocução direta e constante com o presidente da República, transmitiu a Jair Bolsonaro nos últimos dias um pensamento que representa o estado de espírito atual de militares que estão perto do poder:

– Jair, serenidade. Você não precisa de radicais.
Na cabeça dos generais que ajudam a sustentar o governo Bolsonaro, incluindo aqueles, já na reserva, que ocupam cargos de primeiro e segundo escalões — o temor de uma radicalização caminha ao lado da preocupação de que a responsabilidade por tropeços do presidente recaia nos ombros e nas insígnias das Forças Armadas.

Arriscar o processo que fez as Forças Armadas saírem de um período repressivo, de grande desgaste na opinião pública, para a virada das últimas três décadas, quando retomou respeito e reconhecimento por parcela expressiva da população, é uma angústia crucial.

Integrados ao governo em grau sem precedentes desde a redemocratização, militares de alta patente ouvidos pelo GLOBO procuram apresentar uma mentalidade distante dos tempos da ditadura militar, época em que muitos se tornaram oficiais do Exército, Marinha ou Aeronáutica. A preocupação em mapear “inimigos” internos ou externos, uma constante no início de suas carreiras, hoje é adormecida.
Generais do alto comando contam que, em sua formação, foram “muito impactados por valores democráticos”, uma vez que passaram pelo processo de distensão e abertura na fase final da ditadura militar.

Os oficiais do círculo próximo a Bolsonaro abraçam uma tentativa de livrar o Exército de “estereótipos negativos”, em suas palavras. Um general do Alto Comando que conversou com O GLOBO em condição de anonimato, por exemplo, foi taxativo: avaliou que a ditadura cometeu “barbaridades” na repressão aos opositores: – Pagamos um preço muito alto com a ditadura. É uma palhaçada falar em intervenção militar, como ouvimos em alguns protestos. Chega a ser ofensivo.

As trocas de cargos no Ministério da Educação (MEC), que levaram à exoneração de diversos militares no seio do governo, não figuram sozinhos na lista de preocupações dos generais. Estão ombro a ombro com temores mais amplos, como a política armamentista do presidente, cabe ao Exército fiscalizar a venda de armas, os riscos envolvendo a Amazônia, considerada uma reserva natural estratégica, e até a determinação de que os quartéis celebrassem os 55 anos do golpe militar.
Sobre as armas, a preocupação central está na flexibilização do porte, desejada, e decretada, pelo presidente.
– Para porte, aí sim, é preciso ser perito na coisa. Há preocupação sobre uma proliferação negativa de armas, diz um outro general ouvido pela reportagem, que também pediu anonimato.

Como ficariam as Forças Armadas se recebessem a pecha de instituição que autorizou e controlou a disseminação de armas de fogo se as consequências não saírem como o esperado nos planos do presidente? São questionamentos como esse que permeiam os mais graduados.
– A gente torce para dar certo, afirmou um general ao GLOBO. Senão vamos ouvir: “Os militares não disseram sempre que são os salvadores da pátria?”
Dois assuntos neste primeiro semestre de governo incomodaram em cheio os militares de alta patente: o episódio do “golden shower”, quando Bolsonaro compartilhou em sua conta no Twitter uma prática sexual a céu aberto, gravada no carnaval de rua em São Paulo, algo impensável para um militar graduado, e a dubiedade em relação ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho, que atacou, com xingamentos, os militares do governo. O compromisso com a “arrumação da casa” de uma instituição que representa o Estado e voltou ao governo após seu período mais desgastante é prejudicado.

Em geral, um militar leva de 30 a 40 anos para ascender até o último grau da hierarquia. A maioria dos principais generais do atual governo e dos que compõem o Alto Comando do Exército se formou nas turmas do fim da década de 1970 e do início da década de 1980 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, no Sul Fluminense.

O próprio Bolsonaro, egresso da turma de 1977, conviveu com certo grau de intensidade com vários desses generais. O comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, é da mesma turma. O porta-voz Otávio Rêgo Barros é de 1981. Enquanto Bolsonaro deixou os quadros da ativa ainda na década de 1980, recém-alçado a capitão, alguns de seus contemporâneos seguiram em formação.
Suas carreiras foram feitas em um ambiente crescente de profissionalização e de processo de “arrumação da casa”, quando houve de fato um esforço para reverter a politização anterior, do regime militar, afirma o antropólogo Piero Leirner, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Aprendizado com missões
Se a década de 1940 ficou marcada, para o Exército Brasileiro, pelo envio de tropas para a Segunda Guerra Mundial, a partir dos anos 1990 se tornou recorrente a participação brasileira em missões de paz da ONU. O Brasil tinha 1,3 mil oficiais no exterior há quatro anos, com atuação principalmente em países africanos e no Haiti, cuja missão foi comandada por três dos atuais ministros de Bolsonaro: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Carlos Alberto Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Floriano Peixoto (Secretaria-Geral).
A maioria dos generais da atualidade já colocou a boina azul (usada em missões da ONU). É diferente do oficial que era general no regime militar. Era uma época de Guerra Fria, dos atos institucionais. Nem se pensava em mulher no Exército, por exemplo — analisa o general Eduardo José Barbosa, atual presidente do Clube Militar.
A experiência das missões de estabilização de países, que são diferentes de conflitos abertos que ocorrem guerras, é um aspecto que contribui para o perfil moderado dos oficiais que participam diretamente do governo.



 

sábado, 8 de dezembro de 2018

Os militares no governo

Não há na história republicana um governo com tantos ministros militares em pastas consideradas civis como o do presidente Jair Bolsonaro. 


Em comparação com os cinco governos do regime militar (1964-1985), mesmo assim a presença militar nunca foi tão grande. Será um teste para os militares ter de conviver com críticas que são rotineiras em uma sociedade democrática. Afinal, são originários de um meio que prescinde da discussão igualitária para a solução de um problema, para agir. A hierarquia e a obediência são componentes essenciais e imprescindíveis da ordem militar. Contudo, o exercício de funções políticas exigirão um comportamento de tolerância e de aceitação de cobranças que não estão habituados. Deverão ser inevitáveis choques com a imprensa, especialmente nos momentos de tensão política. E mais ainda no início do governo, quando haverá um processo de adaptação ao novo momento pelo qual passa o País.

Será uma cena comum assistirmos ministros militares indo ao Congresso Nacional para justificar, explicar, debater medidas governamentais afeitas às suas pastas. Encontrarão em algumas comissões, com absoluta certeza (e sem fazer profecia de botequim), petistas (e seus aliados) que vão desqualificar a ação do ministro, vão acusá-lo de má gestão e até de supostos desvios de recursos. Como agirão? Como vão enfrentar o debate?

É inegável que nas Forças Armadas existem excelentes quadros que podem ser utilizados nas diversas esferas governamentais. Ninguém chega ao alto oficialato sem ter passado por escolas de alta especialização e por estágios e missões no exterior. Esse cotidiano de formação técnica é desconhecido do grande público. Ainda há a visão de que a profissão de militar não passa de uma carreira pública modorrenta, à espera de uma guerra que não vai ocorrer, onde a promoção é aguardada simplesmente pela antiguidade. São ignoradas as ações implementadas em diversas missões de paz em todo mundo. E no Brasil inúmeras atividades importantes são desenvolvidas principalmente nas áreas mais pobres e nas regiões fronteiriças.

O desafio para as Forças Armadas é evitar a politização dos seus quadros. Elas servem ao Brasil e não a um governo em particular: são instituições permanentes de Estado. Devem evitar a sedução do soldado-cidadão, tão presente no início da República. Irão desempenhar um novo papel, trinta anos depois. Quem diria…

Por: Marco Antônio Villa é historiador, escritor e comentarista