Usar a força para depor Maduro pode ser perigoso
Em décadas passadas, os Estados Unidos usaram a força para mudar
governos na Bacia do Caribe. Hoje, o país procura fugir de guerras, não
entrar em mais uma. Mas o presidente Donald Trump vem insistindo em que
“todas as opções estão na mesa” para remover do poder o ditador da
Venezuela, Nicolás Maduro. E se ele pensar mesmo nisso? Especialistas
acham que uma intervenção militar não seria aconselhável, por várias
razões. Algumas fontes falaram sob anonimato. Uma intervenção em grande escala do tipo “choque e pavor” exige um
formidável esforço operacional e logístico. A intervenção no Panamá, em
1989, que tirou do poder o narcoditador Manuel Noriega, envolveu mais de
26 mil soldados, a maioria dos quais já estava no país. Terminou
rapidamente.
Mas o Panamá é um peixinho. A Venezuela é um país montanhoso que tem o
dobro do tamanho do Iraque. Possui grandes cidades. Nessas condições, a
alta tecnologia militar dos EUA dá pouca vantagem. Cada um dos supostos
objetivos – deter Maduro, instalar um novo governo, organizar eleições e
possibilitar a entrada de ajuda externa – exigirá uma complicada
operação que envolverá um grande número de forças terrestres. Não há dúvidas de que a superpotência derrotaria as Forças Armadas
venezuelanas, de 130 mil homens. “A capacidade militar da Venezuela
seria rapidamente desintegrada”, diz Evan Ellis, do Colégio de Guerra do
Exército dos EUA. Mas isso simplesmente levaria a um segundo problema.
Um novo governo precisaria do mesmo Exército para manter a ordem.
Embora muitos venezuelanos recebessem bem uma invasão, outros
resistiriam. Milhares de membros de gangues e milicianos poderiam criar o
caos. “Alguns lutariam por Maduro, outros pela Venezuela, mas muitos
mais pegariam em armas para repelir uma invasão ianque”, diz um analista
de um centro de estudos ligado ao Pentágono. Francisco Toro, fundador e
editor do Caracas Chronicles, um site noticioso independente, adverte
para o perigo de se criar “uma Líbia no Caribe”. As complicações poderiam se espalhar para a Colômbia, especialmente se
ela participar de uma operação militar. Mesmo após ter feito a paz com a
guerrilha das Farc, em 2016, a Colômbia enfrenta pequenas insurreições.
Os grupos ilegais incluem o Exército de Libertação Nacional, ELN, q ue
se refugia na Venezuela. Surge aí um terceiro risco: começar um conflito
regional.“Não creio que exista uma solução militar que não crie uma
situação de guerra prolongada”, diz Cynthia Arnson, do Wilson Center, em
Washington.
Um quarto complicador é que uma intervenção tem de levar em conta o
papel de países que apoiam o regime de Maduro, tanto em terra quanto nas
Nações Unidas. Milhares de cubanos estão no país, incluindo
conselheiros militares e agentes de inteligência, mas também médicos. O
secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis
Almagro, compara-os a um “Exército de ocupação”. A Rússia e, mais
cautelosamente, a China apoiam Maduro. Ambos podem vetar uma intervenção
militar, que, de qualquer modo, seria amplamente polêmica. Se uma grande intervenção militar americana é tão problemática, como
seria uma intervenção menor? Talvez haja parceiros dispostos a fazer o
trabalho de solo, deixando aos Estados Unidos o papel de dar apoio
logístico e outros. Isso, porém, não significaria uma operação menor ou
mais simples. Uma ação mais indireta seria armar grupos anti-Maduro.
Entretanto, a lembrança dos “contras” na Nicarágua poderia desestimular
rapidamente essa tentação.
Mais plausivelmente, uma intervenção poderia se limitar a fornecer ajuda
humanitária, lançando de avião víveres em áreas seguras ao longo da
fronteira. “Esse seria o único tipo de intervenção militar remotamente
factível, dada a história e as atuais circunstâncias”, diz Craig Deare,
que coordenou brevemente a política para a Venezuela no Conselho de
Segurança Nacional, em 2017. No entanto, até isso exige um significativo
uso de força, incluindo a destruição de aviões e da defesa antiaérea da
Venezuela. Tudo isso explica por que, apesar da conversa sobre opções na mesa, não
parece existir um plano iminente. “Posso descartar a existência de uma
opção militar para a Venezuela”, diz uma funcionária ligada à Defesa, em
Washington. Ela nega que tenham sido pedidos planos a sua área.
A situação pode mudar se Maduro resistir por meses no poder, apesar do
agravamento da crise humana e do êxodo em massa de refugiados.
Funcionários dos Estados Unidos advertem que violência contra americanos
(o que deflagrou a intervenção no Panamá) alteraria o quadro, assim
como qualquer tentativa de ferir Juan Guaidó ou a família dele. Assim,
uma opção militar, com todas as dificuldades
que acarreta, não pode
simplesmente ser descartada.
The Economist