Bicados pelo fascínio do poder, togados, governantes, homens que
adquirem algum destaque, alguma função ou título, num relâmpago assumem
postura curvada à mãe de todos os vícios: a soberba. Embriagados e
cambaleantes, ridiculamente vaidosos, enfeitiçados pelas cimas em que se
julgam estar, esses 'iluminados' olham com desdém, os que estão na
'planície', de quem sugam sustento e benesses.
Esse modo de agir e de
ser, reflete um esquecimento proposital da própria finitude e miséria,
inchados de vanglórias demoníacas típicas de amnesiados e arrogantes.
Na roda
natural das coisas humanas, dizia Antônio Vieira, "descobriu a sabedoria
de Salomão dois espelhos recíprocos, que podemos chamar do tempo, em
que se vê facilmente o que foi e o que há de ser... Que é o que foi?
Aquilo mesmo que há de ser. Que é o que há de ser? Aquilo mesmo que foi.
Ponde estes dois espelhos um defronte do outro, e assim como os raios
do Ocaso ferem o Oriente, e os do Oriente o Ocaso; assim, por
reverberação natural e recíproca, achareis que no espelho do passado se
vê o que há de ser, e no do futuro o que foi. Se quereis ver o futuro,
lede as histórias, e olhai para o passado: se quereis ver o passado,
lede as profecias, e olhai para o futuro. E quem quiser ver o presente
para onde há de olhar? Não o disse Salomão, mas eu o direi. Digo que
olhe juntamente para um e para outro espelho. Olhai para o passado e
para o futuro, e vereis o presente. A razão ou consequência é manifesta.
Se no passado se vê o futuro, e no futuro se vê o passado, segue-se que
no passado e no futuro se vê o presente, porque o presente é o futuro
do passado e o mesmo presente é o passado do futuro... Roma, o que
foste, isso hás de ser; e o que foste e o que há de ser, isso és. Vê-te
bem nestes dois espelhos do tempo, e conhecer-te-ás. E se a verdade
deste desengano tem lugar nas pedras, quanto mais nos homens! No passado
foste pó? No futuro hás de ser pó? Logo no presente és pó: Pulvis es"
(Do Sermão da Sexagésima).
Ora, se o que
éramos, somos e seremos é essencialmente pulvis (pó), como diz a
Escritura citada por Vieira, o pouco ou o muito de nosso ser e de nossas
realizações, já é de grande monta.
Nua e miserável começou nossa
existência, nua e miserável terminará.
Há uma condição patente de
contingência que nos acompanha e ela nos convida à constante e visceral
gratidão.
Surpresos e gratos deveríamos ficar pelas riquezas
conquistadas mais que pelas pobrezas lamentadas.
Soberba e
ingratidão, porém, constituem vetores do insidioso dinamismo satânico
que carcome os ninhos humildes e modestos nos quais nascemos e
crescemos, inchados de arrogância e vaidade pelas pequenezes que nos
amedrontam. Soberbas incensam ingratidões, ingratidões incensam
soberbas. O soberbo é ingrato, o ingrato é soberbo. Reina a soberba onde
viceja a ingratidão, viceja a ingratidão onde reina a soberba.
A criação,
beijo de Deus no nada, segundo expressão de Sciacca, é mistério envolto
na generosidade divina, ato sem 'cabimento' que deu origem e sustentação
a tudo. Teorias do big bang e evolucionistas, interconectam-se, porém
se enroscam quando tentam forçosamente explicar o inexplicável.
'Poderia
existir o nada e não o mundo', afirma Schelling.
Ao invés,
maravilhosamente, existe o mundo e não o nada.
Incabíveis,
pois, em nossas misérias, as verdades profundas que sustentam e fundam
nossa vida se opõem diametralmente às vaidades e arrogâncias que
cultivamos. Tudo o que existe se manifesta aos nossos olhos sob uma luz e
uma gênesis de generosidade heteronômica sem tamanho.
Nada existiria
não fosse uma originante gratuidade divina que trouxesse à luz e ao ser
tudo o que somos e temos. Inteiramente grátis e de modo incondicional.
Quem, pois, ingrata e soberbamente poderia reivindicar grandezas e
direitos ante tamanha generosidade?
Qualquer instante e qualquer motivo
podem ser propícios à nossa volta ao pó.
A sã consciência reconhece a
própria finitude e a graça de carregá-la.
Tal estatuto metafísico
constitui a raiz de nosso ser; aceitá-lo, o mais fundamental ato de
liberdade.
Tudo o que
somos e/ou podemos ontologicamente ser, portanto, não tem fonte no
arbítrio humano.
Sartre, filósofo francês, por não aceitar essa nua e
crua verdade, fez de sua inteira filosofia um rosário de lamentos.
Queria, em suma, tudo estivesse submetido à livre escolha, inclusive a
capacidade de escolher.
Não sendo artífice nem autor da própria
existência, o homem tem liberdade limitada.
O perfil se ajusta, pois,
mais a uma administração do que a um senhorio e/ou uma apropriação.
No
dom, originalmente recebido, mora recôndito mistério que transcende o
tempo e a história, o sentido último de tudo o que somos, sofremos e
vivemos.
Se a existência fosse invenção da humanidade, seu fim estaria
atrelado às arbitrariedades dela. Mas, felizmente, não está.
Grandes
pensadores, sobremaneira Aristóteles e Platão (este na sua obra maior, A
República, 369a-370), entendiam que a causa fundamental do nascimento
da vida social é justamente a incapacidade individual dos humanos de se
bastarem a si mesmos. Carências e necessidades físicas e espirituais nos
obrigam a praticarmos amparo e cuidado recíprocos.
Originariamente,
pois, a 'polis' significou uma atividade de essência colaborativa, não
primordialmente conflitiva, nem contratual (como pensavam os modernos).
Mesmo acordos cívicos e convencionais estabelecidos entre os homens
visando melhor convivência, terminam por ser excrescências, não
fundamentos (como pensavam Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Hegel, Marx e
similares) da sociabilidade.
Nas fontes
generosas e misteriosas da criação, contudo, houve (segundo imaginações
teologais), um rebuliço. À criadora generosidade divina somou-se
inimaginável bem-aventurança de muitos, mas também o empertigamento de
outros. Estes últimos transmutaram-se em demônios. A demonização,
portanto, não resultou de um destino traçado pelo Criador, mas de um ato
imoral de seres empertigados, soberbos e ingratos.
Deus e as
criaturas, disse bem Tomás de Aquino, não são iguais. A essência divina
subsiste em si mesma, absoluta, a essência das criaturas não consegue
nada a partir de si, porque subsiste unicamente por dependência e
participação.
Os demônios, sabiam, portanto, que igualar-se a Deus é
coisa impossível; mesmo assim quiseram alterar essa verdade. "Se a
natureza angélica, diz S. Agostinho, se voltar para dentro de si e se
satisfizer de si mesma mais que Daquele por cuja participação é feliz,
inchada de soberba cairá".
Assim, o
pecado dos demônios não foi o desejo de ser feliz, anseio comum a todas
as criaturas, mas o desprezo pela ordem e pela medida estabelecidas por
Deus.
Os demônios se malfadaram não por razões genéticas ou fatalistas,
mas por desvio de vontade e desonestidade de inteligência.
Se a avareza
se define como pretensão de se ter mais do que licitamente se tem, a
soberba se define como pretensão de se ser mais do que licitamente se é.
Desgraçadamente,
aqueles desvios originais, se derramaram com cara de empáfia,
contagiando a história humana.
Soberbaços, soberbões e soberbetes atuam,
desde então, nas surdinas e nas entranhas da política, da vida social,
da economia, do judiciário, da educação, das relações intersubjetivas e
até dos recintos religiosos. Destes últimos, tem-se o exemplo de um
visitador apostólico que, sobre um convento jansenista, da França do
século XVII, escreveu: 'as irmãs do convento de Port Royal são santas e
perfeitas como anjos, mas orgulhosas e soberbas como demônios'.
Se a soberba
se firmou como porta da ingratidão, a ingratidão se firmou como janela
da soberba.
A história repica e replica episódios desse pêndulo.
Napoleão Bonaparte, como exemplo, foi grande estrategista, mas sobretudo
assaltante e saqueador, símbolo da empáfia francesa.
Boa parte das
obras de arte depositadas, guardadas e expostas nos museus parisienses é
fruto de roubo e saque.
O célebre oficial e imperador sardo espoliou
cidades e aldeias inteiras por onde passou saciando seu exército e seu
país com riqueza alheia.
Entretanto, a
impostura saqueadora de Napoleão pode ser vista também na vida de todos
os revolucionários. Nenhum deles é generoso, nem agradecido. Todos são
visceralmente espoliadores, saqueadores, soberbos e ingratos. Itália,
Grécia, Egito, Prússia, Rússia, entre outros lugares, lembram os roubos
napoleônicos.
Não fosse verdade, sobra a pergunta: de onde a França
tirou aqueles sarcófagos egípcios expostos nas grandes e protegidas
salas do Louvre? E todas aquelas esculturas gregas, majestosamente ali
conservadas, a começar pela célebre Vitória de Samotrácia plantada nas
escadarias do mesmo museu, de onde surgiram?
Da mesma forma, as pinturas
de artistas italianos, como peregrinaram até o solo francês para lá
demorarem?
Os registros
históricos daqueles furtos colhidos dos butins de Bonaparte deveriam
fechar a boca do atual e soberbo presidente francês, Emanuel Macron,
que, das supernas auréolas morais em que se julga estar, pretende salvar
florestas amazônicas.
Por que não se manifesta sobre os atuais
incêndios florestais que ocorrem em solo europeu? Simples: porque é
soberbo e vaidoso.
Seu comportamento espelha a empáfia napoleônica que
transformou grotescamente, como exemplo, a basílica de S. Francisco, em
Assis, em estábulo equino.
Os mesmos
vetores demoníacos que levaram Napoleão a ser grande, porém, também o
engasgaram pelo inverno russo e pela derrota em Waterloo. O consolo é
que demônios também caem e apodrecem.
Os habitantes da ilha de Santa
Helena que o digam, pois viram com seus olhos o soberbo Bonaparte
amargar, velho e doente, sua falsa e grotesca grandeza.
Na França,
aliás, nem tudo é bom exemplo. Seu território e sua história registram
um escabroso fato de ingratidão e soberba. Refiro-me ao modo como o rei
Carlos VII tratou a humilde súdita Joana D'Arc. Nascida a 6 de janeiro
de 1412 na região leste da França, Joana era filha de camponeses.
Infante, trabalhava na terra e vivia na simplicidade rude e desprotegida
da época medieval enquanto seu país envolvia-se num conflito sem fim
com a Inglaterra. A 'guerra dos cem anos' havia destronado o rei franco e
submetido parte do território ao domínio britânico.
Ao completar
13 anos Joana começou a ouvir vozes que lhe pediam fosse libertar a
França do jugo inglês e restaurasse a monarquia. Contrariando o próprio
pai, Joana seguiu o chamado daquelas vozes: expôs seu plano ao Delfim,
vestiu-se com roupas masculinas, arregimentou soldados, endossou
armadura e liderou expedições que libertariam Orleans e outras cidades
sitiadas. No curto espaço de tempo em que exerceu a missão, coisa
inesperada, derrotou e afugentou o exército inimigo. Em 1429, numa
cerimônia realizada na catedral de Reims, restabeleceu a monarquia
francesa reconduzindo Carlos VII ao trono.
Apesar do
heroísmo e da devoção dedicados à França e ao rei, em 1430, Joana d'Arc
foi presa, literalmente vendida e trocada por moeda irrisória, aos
ingleses. Estes, entregaram-na a inquisidores (boa parte deles,
franceses), mesquinhos, invejosos e perversos. Acusaram-na de heresia e
bruxaria e algozes juízes a condenaram ao rogo em 30 de maio de 1431.
Suas cinzas martirizadas foram jogadas no rio Sena e desapareceram sem
deixar rastro. Não há túmulo dedicado a Joana D'Arc na França.
A
injustiça praticada, porém, gritou aos céus e, não muito depois, em
1456, revendo os fatos, o papa Calixto III a proclamou inocente de todas
as acusações. Mais tarde, a Igreja a beatificou e a canonizou.
Santa Joanna
d'Arc, talvez a maior heroína da história política francesa, jamais
suficientemente reconhecida por aquela sociedade, é retrato da
ingratidão dos poderosos. Durante seu martírio e prisão, foi abandonada à
própria sorte, despojada e desamparada em tudo, como Jesus na cruz. O
rei Carlos VII, libertado e reconduzido ao poder por sua intercessão,
não a protegeu, não a agradeceu, não a recompensou. Foi rei soberbo e
ingrato. Arrogância e vaidade não dobraram sua vontade à verdade
simples, heroica e santa de uma humilde e simples súdita camponesa.
Pouco
além-mar, semelhante e clamorosa ingratidão se manifestou na mesquinha e
desprezível conduta do rei Henrique VIII, soberbamente elevado ao trono
da Inglaterra. O orgulho e a soberba desse rei sufocaram seu mais
honrado e fiel servidor: Thomas Morus. Em tudo leal e submisso, Morus só
discordou da pretensa e arrogante vontade do monarca de se tornar
imperador e soberano em tudo, inclusive da Igreja.
Tomás Morus, coração
nobre, temente a Deus, incorrupto, chanceler único na história da
monarquia inglesa, mesmo sem ter cometido crime, nem ofensa ao rei, foi
decapitado no dia 6 de julho 1535. A soberba do monarca Henrique VIII
vergou o corpo, mas não a alma de Morus. Rei sem piedade, sem remorso,
nem agradecimento, nem reconhecimento, aproveitou-se do serviço, da
fidelidade e do bem prestados por Morus, sem pestanejar. A soberba não
desbloqueou a empáfia e a mesquinhez que macularam para sempre a vida e a
obra do fundador do anglicanismo.
Soberba e
ingratidão, infelizmente, não estão costuradas apenas nas vestes e na
alma desses homens mencionados. Reverberam também em muitíssimos outros
personagens e lugares da história. De Stálin, um biógrafo seu puxa-saco,
escreveu a mentira: "Stálin nunca permitiu que seu trabalho fosse
prejudicado pelo menor sinal de vaidade, presunção ou auto-adulação"
(Leonov). Ora, não fosse presunçoso nem vaidoso, não teria praticado a
crueldade demoníaca contra os seus contemporâneos. Vale o mesmo para
todos os psicopatas que enchem as galerias criminosas: Hitler, Stalin,
Lênin, Fidel Castro, o títere casal romeno Ceausescu, o revolucionário
iugoslavo Tito, o chinês desalmado, Mao Tse Tung, o sanguinário
cambojano, aluno de Sartre, Pol Pot, o lunático ugandês, Idi Amin Dada, o
assassino Simón Bolívar, o comunista chileno Salvador Allende, o
guerrilheiro argentino Che Guevara, o fanático líbio Kadafi e tantos
outros. Arrogância e ingratidão germinam em todo lugar: basta esquecer
que não se é Deus.
Também
sabemos que o autor mais renomado das loucuras comunistas foi uma
amostra de ingratidão e soberba. K. Marx, segundo biógrafos, era
arrogante e 'seguro de si' na sua fala e nas suas ideias. Não revisava a
própria filosofia nem suas atitudes. Sempre 'tinha razão'. Como Hegel,
seu inspirador, quis dobrar a própria realidade a si ao invés de
dobrar-se a ela.
Praticou ingratidão com o próprio pai, com o sogro, com
a esposa Jennifer, com a empregada doméstica, com o filho bastardo, com
seu maior benfeitor, F. Engels, com os proprietários dos imóveis onde
morou sem pagar, e assim por diante.
Os veios
civilizacionais arrefecidos de arrogância e presunção adquirem contornos
segundo os tempos e modas. Nos séculos recentes, mulheres e homens
irreverentes e ressentidos ensinam novas gerações amaldiçoar mais que a
bendizer, reivindicar mais que a agradecer, exigir mais que a retribuir,
receber mais do que a dar, reclamar mais que a louvar e reconhecer. A
existência e o mundo não mais são vistos e acolhidos como invenções da
caridade divina, numa expressão de Blondel, mas como patrimônio
agrilhoado à forma de usucapião.
Clamoroso
exemplo do século XX foi o que ocorreu com membros da influente Escola
de Frankfurt, na Alemanha. Todos eles, inglórios marxistas, teriam sido
inteiramente mortos pelos nazistas não tivessem deixado aquele país para
buscar refúgio em outro lugar.
Buscaram-no, porém, não na Rússia
comunista pela qual nutriam simpatia, mas contraditoriamente na nação à
qual dirigiam sua mais contundente crítica cultural.
Salvos da morte
pela sociedade norte americana, receberam dela também trabalho, abrigo e
riqueza. No final, retribuíram com bulimia e ingratidão.
Como se vê,
muitos casos de fartura, abundância e generosidade fazem indivíduos
beneficiados esquecerem suas miserabilidades originais para, inchados de
soberba e dinheiro, imitarem demônios. Os intelectuais da Escola de
Frankfurt eram tarimbados na 'dialética negativa' que os tornou
irreconhecíveis no que diz respeito a gratidão e reconhecimento.
Verifica-se,
paradoxalmente, que não só abundâncias, mas também assistencialismos
produzem quase sempre efeito reverso. Os benefícios recebidos mesclam-se
a novas exigências e reivindicações. Os destinatários de muitas
generosidades se tornam em boa medida mais arrogantes, mais soberbos,
mais 'bigornados' de ingratidão.
Nos tempos
bíblicos era triste e maldita a condição da mulher incapaz de gerar
filhos. Invertendo lógicas e valores surrupiados, feministas
contemporâneas desprezam úteros que as geraram e amaldiçoam
maternidades.
Quanta distância, Santo Deus, dos sentimentos de gratidão
dos lábios de Sara, mãe de Isaac, de Rebeca, mãe de Esaú e Jacó, de Ana,
mãe de Samuel, de Maria, mãe de Jesus, mulheres que agradeciam a Deus
pelos filhos e pela graça da maternidade!!
Hoje muitas amaldiçoam úteros
e filhos: o que foi graça e bênção virou fardo e maldição, o que foi
fardo e maldição virou graça e bênção. Demônios atuais, valha-me Nossa
Senhora, não são mais os mesmos: qualificaram-se em perversidade e
loucura!! Assistimos, com assiduidade, faroestes de ingratidão e soberba
nunca, antes vistos.
Raros
acadêmicos de universidades públicas expressam gratidão pelo que recebem
sem pagar dos que pagam sem receber.
Juízes soberbos da nossa Suprema
Corte, esquecem os pescadores de suas lagostas, os vinicultores de seus
vinhos, os agricultores de seus alimentos, os padeiros de seus pães, os
transportadores de suas benesses e, principalmente, os pagadores de seus
salários.
Empáfias demoníacas move-os mesmo ante a realidade dissonante
de um povo pobre e sofrido, sem regalias como eles têm.
Tamanha soberba
se viu, por exemplo, no convite recente que alguns daqueles juízes
receberam de ir a uma audiência no Senado. Para este último, declinaram,
mas, para um outro, o de palestrar em Portugal, Inglaterra ou Estados
Unidos, aceitaram. [alguns deles foram rejeitados em cidades gaúchas, desconvidados para não comparecerem.] Tais togados, de empáfia duplicada, não promovem a
justiça, mas a enterram.
Funcionários
públicos, empresários e, sobremaneira, políticos sorrateiros
enriquecidos pelas vias de dinheiro público roubado e corroído se postam
do lado oposto ao da gratidão. 'Vivem, como diz Shakespeare, um paraíso
que os levará ao inferno'. De fato, o rico epulão acabou na Geena não
pela riqueza que possuía, mas pela forma desdenhosa e sem misericórdia
com que tratou Lázaro.
A ingratidão,
sabemos, se encontra incrustada também nas relações entre filhos e
pais, empregadores e empregados, professores e alunos, políticos e seus
eleitores, doentes e enfermeiros, médicos e pacientes, produtores de
lixo e garis, clientes e garçons, passageiros e motoristas, homens e
mulheres, gerações presentes e passadas.
Onde moramos, houve antes quem
construiu, onde plantamos, houve antes quem arou, onde colhemos, houve
antes quem semeou.
Dolorosamente,
porém, há doutrinas que nos ensinam a desprezar o passado, as
tradições, o que nossos antepassados edificaram. Entre essas doutrinas, a
maior de todas: o marxismo e suas derivadas. Por essa razão e por
muitas outras devemos rejeitá-la e combatê-la. Candidatos a cargos
públicos, artistas e intelectuais atrelados a ela não merecem nosso
respeito, nem nossa consideração, muito menos nosso voto. Soberbos,
dizia Dante Alighieri, não reconhecem seus erros, não se arrependem de
seus pecados. Cuidemo-nos deles porque seu perfil é o dos demônios.
Empáfias e
soberbas agem como ácidos corrosivos da vida moral e espiritual.
Devemos, segundo Rubem Braga, cuidar particularmente daquela parcela de
ouro que habita o coração. Numa crônica de 1951, o autor lembra o sino
de ouro da igreja de Porangatu, no sertão de Goiás. O povoado é pequeno,
diz Braga, de gente parada, indolente, pobre, semelhante à pobreza de
suas casas.
Mas aqueles
habitantes têm um orgulho sem igual: receber, todos os dias, doses de
alegria vindas do som daquele sino como se 'cada homem, o mais pobre, o
mais doente e humilde, o mais mesquinho e triste, tivesse dentro da alma
um pequeno sino de ouro... A povoação é pequena, humilde e mansa, mas
louva a Deus com o sino de ouro.
Ouro que não serve para perverter, nem o
homem nem a mulher, mas para louvar a Deus... Cada um de nós quando
criança tem dentro da alma seu sino de ouro que depois, por nossa culpa e
miséria e pecado e corrupção, vai virando ferro e chumbo, vai virando
pedra e terra, e lama e podridão".
O autor é professor de Filosofia