O primeiro governo da
presidente Dilma foi um desastre, e mesmo assim ela se reelegeu. O segundo, mal começou e começou mal. De alguns meses para cá, só
existe formalmente, paralisado pelas crises que assolam o país, a investigação
da Lava-Jato e o processo de impeachment.
Nem por isso deve ser considerado
morto. Até uma cobra, depois de morta, inspira medo, quanto mais um
governo que ainda se mexe. O Titanic bateu no iceberg, adernou, a
orquestra parou de tocar, a maioria dos passageiros foge em botes salva-vidas,
mas ele ainda não foi a pique.
O comandante imagina que pode
evitar a tragédia anunciada. E, nesse caso, é bom lhe dar ouvidos. Dilma só tem uma forma de reparar o estrago que ameaça o navio,
apostando que em seguida conseguirá leva-lo até o primeiro porto à vista:
comprar apoios políticos no varejo. Ela está certa. E,
desde ontem, parece disposta a pagar
qualquer preço pelos 172 votos necessários de um total possível de 513 para
sepultar o impeachment na Câmara dos Deputados. A gula dos políticos é
grande, sempre foi e sempre será. E Dilma acha que tem como saciá-la.
A Fundação Nacional de Saúde, por exemplo, é um órgão do
Ministério da Saúde que tem muito
dinheiro a ser gasto ou desviado. Seu presidente, indicado pelo vice Michel
Temer, foi demitido há poucos dias. O cargo, ontem, foi oferecido ao Partido
Trabalhista Nacional (PTN). Só ouviu falar do PTN, além do seu minúsculo
eleitorado, quem lembra da eleição do presidente Jânio Quadros no remoto ano de
em 1960. Sim, Jânio, aquele político genial descabelado e demagogo, que vivia
de porre e que renunciou a governar o país depois de seis meses de empossado.
Na
eleição de 2014, o PTN elegeu apenas quatro deputados
federais e 14 estaduais. Pois seus quatro votos na Câmara estão valendo ouro
para Dilma. O governo espalha que já conta no momento com cerca de 190
votos contra o impeachment. Chute.
Certos mesmo são 100 a 110. Por isso decidiu correr
atrás de quem lhe garanta mais um, mais um, mais um. Na verdade, o dono do voto não precisará, sequer,
comparecer à sessão de votação do impeachment. Ou poderá comparecer e abster-se de votar. Caberá à
oposição arregimentar 342 votos para derrubar Dilma.
Sem
342 votos, Dilma permanecerá na presidência à espera que a Justiça Eleitoral
julgue quatro ações que pedem a impugnação da sua e da eleição de Temer. Não há data para isso. O mais provável é que a Justiça só decida no
início de 2017. O país
se arrastará até lá. Há dois partidos
nos quais o governo confia sua sorte: o PP e o PR do mensaleiro Valdemar
Costa Neto, em prisão domiciliar. Os dois, juntos, têm 90 deputados.
Ao PP está
sendo oferecido o Ministério da Saúde, ao PR, o Ministério das Minas e Energia,
ambos ainda em mãos do PMDB. Se o governo obtivesse em
troca a certeza de que os dois votariam fechados contra o impeachment, ficaria
a um passo da salvação. Aos 90 votos do PP e do PR, se somariam os 58 do PT, e
pelo menos mais alguns colhidos no PC do B, PDT, PSB, e demais partidecos.
Não será fácil, mas impossível
não é. Há muitos fatores que conspiram contra uma eventual vitória
do governo – as ruas, a rejeição
a Dilma, a Lava-Jato, a situação das grandes empreiteiras e dos seus donos, e a
expectativa de poder que Temer representa. Fora o juiz Moro, ninguém sabe
que novas revelações poderão complicar ainda mais a vida de Dilma. O que Dilma tem para dar a políticos que a
detestam, Temer tem em dobro. Não fosse a Lava-Jato, as empreiteiras nem
teriam deixado o impeachment chegar ao ponto em que chegou.
O impeachment deverá ser votado
na Câmara entre os próximos dias 14 e 21. Daqui até lá, haverá traições à farta – à Dilma e a Temer. É improvável que seja apertada a
vitória de um ou de outro. No dia marcado, a
maioria dos deputados votará com quem tenha mais chances de vencer.
Fonte: Blog do Noblat – Ricardo Noblat