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terça-feira, 1 de maio de 2018

1968 - Mão de ferro - O dia que quase mudou a história


Frente a frente, o regime militar e os estudantes tiveram a chance de evitar o AI-5

As ruas do centro do Rio ainda exibiam vestígios da Passeata dos Cem Mil, o mais contundente protesto lançado contra o regime militar, uma semana antes, quando as portas do Palácio do Planalto foram abertas em 2 de julho de 1968 para receber uma comissão de professores e líderes estudantis. O país estava em pé de guerra, mas aquele improvável gesto de diálogo, que juntava na mesma sala o  presidente Costa e Silva e representantes das ruas incendiárias, era a chance de se evitar o pior. Se as partes tivessem chegado a um consenso, ainda que nenhum dos lados acreditasse nisso, o ano poderia ter terminado sem a mão de ferro da ditadura [da chamada ditadura, visto que ditadura, dura mesmo, produzindo milhares de mortos e prisioneiros, é aquela que segue orientação comunista - que produziu mais de 100.000.000 de mortos nos países por onde passou ou permanece. Se o Movimento Revolucionário de 31 de março, mereceu ser chamado de A REDENTORA o Ato Institucional nº 5 foi o SALVADOR do Brasil, evitando a morte de milhões de brasileiros sob o tacão comunista]  baixando o Ato Institucional nº 5, o AI-5.

O encontro de Costa e Silva com a comissão popular dos Cem Mil, como ficou conhecido o grupo recebido em Brasília pelo presidente, tinha tudo para não acontecer. No mesmo dia da passeata histórica, 26 de junho, um comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo de luta armada de esquerda, [que tinha entre seus membros a ex-presidente 'escarrada', Dilma Rousseff, e como especialista em explosivos o famigerado assassino Diógenes de Oliveira, pluriomicida conhecido como Diógenes do PT,  atualmente anistiado e pensionado]  havia lançado um caminhão com explosivos contra o quartel-general do 2º Exército, no Ibirapuera (SP), matando o sentinela Mário Kozel Filho. Pouco antes, no dia 21 de junho, uma batalha campal no Rio, opondo estudantes e policiais militares, terminou com 21 mortes no episódio que ficaria conhecido como “Sexta-Feira Sangrenta”.
 Trecho de um  filme - com adaptações convenientes aos seus produtores
A má vontade de ambos os lados era evidente. Militar da “linha dura’’, o general Jayme Portella, chefe do Gabinete Militar da Presidência, convencera-se de que as agitações eram a vanguarda de uma conspiração maior, com apoio externo, para enfraquecer “o governo e a oposição, levando o país rumo ao imprevisível”, como contou em suas memórias. Por outro lado, as lideranças estudantis suspeitavam que o regime não queria diálogo algum, mas apenas dividir o movimento e, assim, enfraquecê-lo.

A resistência mútua acabou dobrada pela persistência de uma batina. Coube ao esforço do bispo-auxiliar do Rio, dom Castro Pinto, fechar a trégua para a audiência. Recebido dias antes pelo presidente, ele teve de aguentar calado Costa e Silva reclamando da presença de freiras nas passeatas. Os estudantes também o viam com desconfiança. O objetivo do bispo, sustentou o então líder estudantil José Dirceu no livro “Abaixo a ditadura’’, era “organizar os ‘verdadeiros estudantes’ e abrir então um diálogo, ajudando assim a ditadura a legitimar uma representação fora do nosso movimento”. 

Ao governo, dom Castro Pinto prometeu frear a escalada de protestos. “A nova passeata, que fora anunciada com um comparecimento de grandes proporções, com a interferência de Don Castro Pinto, foi de fato muito reduzida”, recordou-se o general Portella em “A Revolução e o governo Costa e Silva”. O governo convencera-se, mas faltavam os estudantes. Havia pelo menos três correntes distintas, uma a favor do diálogo irrestrito, outra contrária e uma terceira, defendida pelo então estudante Vladimir Palmeira, que queria um diálogo crítico, para afastar a ideia de intransigência e desmascarar o que suspeitava ser um blefe oficial.

Para a surpresa de todos, Costa e Silva marcou a audiência para 2 de julho. Eleita por aclamação, a comissão dos Cem Mil era formada pelo escritor Hélio Pelegrino, pelo professor José Américo Pessanha, pelo padre João Batista e pelos estudantes Marcos Medeiros e Franklin Martins. “Eles seguiram para Brasília um tanto incrédulos”, disse José Dirceu em “Abaixo a ditadura”. A pauta de reivindicações tinha três eixos: a imediata libertação dos estudantes presos nos protestos de rua, mais verbas para a educação e a reabertura do restaurante do Calabouço, quartel-general do movimento estudantil no Rio, fechado desde 28 de março, quando a PM matou no local o secundarista Edson Luís. 

Há versões desencontradas sobre o encontro, que variam de acordo com o posicionamento ideológico dos cronistas. Jayme Portella disse que os dois representantes do movimento estudantil chegaram ao Palácio do Planalto em mangas de camisa, sendo imediatamente repreendidos. Para uma audiência presidencial, só terno e gravata, mas Marcos e Franklin, afirmou o militar, teriam se recusado a vestir os trajes oferecidos. (O presidente) porém, decidiu recebê-los assim mesmo, mas lhes daria uma lição de compostura que serviria para a vida toda”, relatou o general.

A ONÇA E A VARA CURTA
A primeira “lição de compostura’’, segundo o então secundarista e futuro guerrilheiro Alfredo Sirkis em “Os carbonários — memórias da guerrilha perdida’’, foi dada pelo próprio general Portella, que teria dito à comissão que ela estava “cutucando a onça de vara curta’’. ‘‘Finalmente, apareceu o seu Arthur (Costa e Silva). Segundo eles, correspondia fielmente à imagem popular. Não entendia direito as coisas. Parecia desinformado’’, disse Sirkis.

Chefe de Gabinete Pessoal do presidente, o coronel Hernani D'Aguiar garantiu no livro “Estórias de um presidente’’ que, inicialmente, Costa e Silva procurou ser afável, apontando os lugares marcados dos ministros e dizendo que poderiam “escolher o ministério que quisessem”. O coronel disse que o presidente aceitava algumas das reivindicações “dentro de certos termos”: soltaria os presos que não tivessem crimes graves, mandaria fornecer refeições boas e baratas aos estudantes e conseguiria mais verbas para a educação.

Na visão dos estudantes, contudo, não foi bem assim. “A conversa foi sumária. O marechal-presidente negava-se a abrir o Calabouço, dizia ser do STM (Superior Tribunal Militar) o caso dos presos e, quanto ao problema das verbas e outras reivindicações, não prometia nada”, rememora Sirkis. “Pavio curtíssimo, irritou-se com a primeira objeção apresentada e saiu do gabinete batendo a porta: os senhores não sabem dialogar”, conta o autor de “Carbonários”.

No dia seguinte, as machetes informavam que o diálogo do presidente com os estudantes não havia chegado ao fim. A onça, cutucada pela escalada crescente de protestos nas ruas e de ações armadas, mostraria as garras cinco meses depois. O AI-5, que poderia ter sido evitado se a audiência tivesse terminado de outra forma, levaria o país a um longo e sangrento período de terror.

O Globo

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

As Raízes do AI-5



“A geração que chegou ao poder com o presidente Lula deve muito a Cuba. Nos anos do regime militar a esquerda teve a solidariedade de Cuba com sua mão amiga e seu braço forte. A geração que chegou ao poder com Lula é devedora de Cuba. E me considero um brasileiro cubano e um cubano brasileiro”. (José Dirceu, abril de 2003)


Em 1998 a editora Garamond editou o livro “Abaixo a Ditadura – O Movimento de 1968 contado por seus líderes”, escrito por José Dirceu de Oliveira e Silva (o “capitão do time”, segundo o kamarada Lula) e Wladimir Palmeira.

É altamente instrutivo recordar algumas passagens desse livro, uma vez que o Movimento de 1968, como foram denominados os distúrbios de rua que o então governador do então Estado da Guanabara, Negrão de Lima, declarou em rede de TV, que o Estado não possuía condições de conter, foram uma das origens do Ato Institucional nº 5 de 13 de dezembro de 1968, instrumento idealizado pelo governo para impor a Lei e a Ordem.

Também é interessante assinalar o ambiente carregado em toda a América Latina, uma vez que no ano anterior, em Havana, havia sido constituída a Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), em uma reunião à qual esteve presente Carlos Marighela. Mas, solidariedade a quem?  A Che Guevara, que já se encontrava na Bolívia, com o objetivo de criar vários Vietnã na América Latina.

Vamos ao livro.
Escreveu Wladimir, liderança dos distúrbios no Rio de Janeiro “Nós sempre tínhamos uns mensageiros ou batedores, em geral secundaristas, observando constantemente onde estava a polícia. De repente eles chegavam e diziam: ‘Wladimir, carro da polícia entre a Alfândega e tal. Queima?’ Eu respondia: ‘Queima!’, e os meninos queimavam. A gente estava preparado para isso (...) Quando fui preso, o Franklin (observação: Franklin Martins, que foi militante do MR-8, comentarista político da TV Globo e membro do governo do PT) e o Carlos Alberto Muniz (observação: Carlos Alberto Vieira Muniz, posteriormente um dos dirigentes do MR-8) assumiram a liderança sem problemas (...) No enterro do Edson Luiz, por exemplo, a Light cortou as luzes da rua quando estávamos passando pela praia de Botafogo. Logo em seguida, o Luiz Antonio, da Dissidência Secundarista, chegou correndo: ‘Como é Vladimir? Vamos fazer alguma coisa? Podemos quebrar as lâmpadas?’ ‘Quebra essa porra toda!’, respondi. E ele foi e quebrou. Quando o pessoal do PCB começou a denunciar que havia policiais infiltrados fazendo provocações, imediatamente vinha a réplica: Não, foi o Vladimir que mandou”.

Escreveu José Dirceu: “Na manifestação de 1º de Maio (1968), o Movimento Estudantil e o Agrupamento Revolucionário de São Paulo destruíram o palanque do Abreu Sodré na Praça da Sé e botaram o governador para correr. Ali ocorria o primeiro laço mais forte entre o Movimento Estudantil, a classe operária e os revolucionários; esse Agrupamento era o grupo que saiu do PCB com o Marighela e depois se transformou na ALN; já possuíam um esquema militar e estavam iniciando as ações armadas. Mais tarde eles também nos deram cobertura em outros momentos, principalmente durante a ocupação da Maria Antonia. Nesse dia o governador levou uma pedrada (...). Fomos para a praça dispostos a denunciar aquela palhaçada e dissolver o ato público. Avançamos, destruímos e queimamos o palanque, e depois saímos em passeata pela cidade. A polícia ainda tentou reprimir, mas se não tivessem se escondido na igreja nós teríamos ido atrás deles (...). Não podíamos aceitar passivamente que aqueles agentes da ditadura viessem posar de políticos ligados às causas populares (...). Mais tarde também apoiamos integralmente a greve de Osasco. Fizemos panfletagens e comícios em todo o Estado (...). Nossa concepção era de que o Movimento Estudantil tinha um papel bem delimitado, ao contrário da Ação Popular, que o considerava como vanguarda da sociedade para derrubar a ditadura (...). No PT, no fundo, ainda sou muito do que fui no Movimento Estudantil (...)”. [Zé Dirceu afirma que no movimento estudantil era ladrão, já que no PT foi e quando tiver oportunidade voltará a ser.]

Prossegue José Dirceu: Fizemos um Congresso da UEE (União Estadual de Estudantes) no conjunto residencial da USP (CRUSP) em agosto (1968), que foi manchete em todos os jornais (...). O Congresso do CRUSP reuniu cinco mil pessoas; a repressão havia anunciado que iria impedir o encontro, mas nós fizemos na marra e conquistamos uma grande vitória política (...). e aqueles milhares de delegados me consagraram como presidente da UEE. No dia seguinte, a Última Hora publicou uma manchete em duas páginas: ‘José Dirceu venceu’, com uma grande foto minha e uma longa matéria sobre o Congresso”.

Wladimir Palmeira: “Não havia diferença entre o estudante do (restaurante) Calabouço e o estudante universitário. O pessoal do ‘Calaba’ não era apenas mais pobre, era também mais radicalizado. Quando ia para as ruas, gostava de depredar carros na av Rio Branco; muitas vezes queriam quebrar o fusca de um sujeito de classe média que eventualmente estava até simpatizando com a nossa luta: para eles, era ‘tudo rico’ (...) Eles eram muito combativos e levavam para as passeatas uns cacetes enormes com uma minúscula bandeirinha do Brasil na ponta, só para dar o visual. Eram os que mais brigavam com a polícia (...). O problema é que já não controlávamos mais a maioria do DCE da Federal; a maior parte dos diretores havia ido para o PCBR no racha de 1967.

Era necessário ganhar politicamente, e fomos para a Praia Vermelha dialogar com os estudantes. Fizemos uma aliança com o Jean Marc (observação: Jean Marc Van der Weiss, dirigente da Ação Popular, posteriormente um dos trocados pela liberdade de um embaixador seqüestrado), nosso tradicional adversário; o PCBR, uma força que tentava se colocar mais à esquerda, também terminou aceitando nossa proposta. A partir daí, começamos a organizar uma manifestação que ficou conhecida como ‘a quarta-freira sangrenta’. Nossa preparação, entre o fim de maio e começo de junho (1968), incluiu coquetéis molotov, cacetes, pedras, principalmente, e um forte trabalho político em todas as universidades. Seria uma passeata para inverter tudo o que se fizera até então”.

Prossegue Vladimir: “No dia 19 de junho todos estavam a postos. Tínhamos organizado três colunas para entrar ao mesmo tempo no pátio do MEC, chegando de três direções diferentes. Uma burrice, mas também não éramos nenhum Von Klausevitz para saber que se devem concentrar as forças. Ao meu lado, na mesma coluna, creio que marchava o Brito e, com certeza, o Cid Benjamim (observação: respectivamente, Elinor Mendes Brito e Cid Queiroz Benjamim, dirigentes do PCBR e do MR8, posteriormente banidos do país, trocados pela liberdade de um embaixador seqüestrado). Quando eles se aproximam, começamos a jogar pedras e a porrada começou; uma verdadeira batalha campal (...) Os estudantes caíam, esfarrapados, machucados, sangrando, era uma loucura. E afinal não conseguimos ocupar o MEC (...) Nos deslocamos individualmente ou em pequenos grupos para a Av Rio Branco.

Dessa vez montamos uma barricada na avenida, uma alteração radical na nossa tática de luta. Desde 1966, costumávamos avançar pela contramão no meio do trânsito. Assim o deslocamento da polícia ficava impedido pelo engarrafamento total do centro do Rio. Essa tática tornou-se uma marca registrada em todo o Brasil (...) Naquela quarta-feira nos plantamos ali, no meio da avenida mais importante do centro do Rio de Janeiro, defendendo com paus e pedras nossas posições atrás das barricadas. A certa altura aconteceu uma cena inesquecível. De repente estacionou por perto um caminhão cheio de PMs, pelo menos uns vinte, armados até os dentes (...) Fui lá, fiz um discurso, fui embora e os PMs não levantaram um dedo. Depois, uma turma cercou o caminhão, mas os soldados continuaram na deles, impassíveis. Uma coisa impressionante (...) Fiz mais um comício por ali mesmo e fomos encontrar o Marquinhos (observação: Marcos Medeiros, do PCBR) e o pessoal que estava com ele em frente ao antigo Jornal do Brasil, perto da Presidente Vargas. Montamos outra barricada e, como dessa vez não havia trânsito, a polícia chegou logo, disposta a dar porrada. Era aquela polícia terrível, que marchava em passo de ganso exibindo bombas, cassetetes e uns escudos enormes.

Quando chegaram a uns 50 metros, o Marquinhos se levantou e disse: ‘E agora, Vladimir, o que é que a gente faz?’ Eu respondi: ‘Pau neles!’ E pela primeira vez partimos para cima da polícia. Os soldados saíram correndo com os estudantes atrás. Quando tomamos conta da Uruguaiana eles decidiram mandar os cavalos. Continuamos com as pedras e conseguimos derrubar muitos animais com as nossas rolhas e bolas de gude espalhadas pelo chão. Há uma foto muito significativa desse momento: um menino – secundarista, imagino – sorrindo em cima de um cavalo, com um capacete da PM na cabeça. Logo depois tocaram fogo em um caminhão do Exército. Ninguém sabe quem foi, mas o acusado foi o Jean Marc (...) Quando vimos a PE chegando, achamos prudente bater em retirada (...) O Jean Marc pegou um ônibus e foi preso. Um cabo o reconheceu e disse que ele tinha incendiado o tal caminhão (...). Entrei formalmente na clandestinidade nessa noite; ao voltar para casa, vi que a polícia já estava lá. Em geral só ficavam atrás de mim, observando, mas naquela quarta-feira queriam mesmo me prender (...).A partir de 2 de agosto eu já estava preso”.

José Dirceu: “Nessa época eu já estava começando a ter problemas. Já era semi-clandestino, andava armado, com segurança, e dormia em vários locais, isso porque estava sendo processado com uma acusação ridícula, tipo ‘organizar entidade ilegal’ (a UEE), e desde 1967 já havia ordem de prisão contra mim; obviamente não tinha me apresentado para prestar depoimento, eu não sou ingênuo. Passei a ser um elemento procurado. Mas a clandestinidade não me assustava (...) A tragédia da esquerda nas faculdades foi que as organizações político-militares estimulavam os dirigentes estudantis a entrarem para a clandestinidade (...) Muita gente foi trabalhar em outros lugares, mudou de cidade, de faculdade e, às vezes, de nome (...)Quando os integrantes da Dissidência de São Paulo acabaram aderindo à ALN, outros à VPR, decidi não entrar para nenhuma das duas organizações porque nunca fui foquista. Participei da luta armada, apoiei, achava que era necessária, mas na verdade nunca acreditei nela como forma de luta; eu me inclinava mais para uma resistência armada. Porém nunca questionei isso, nunca debati; quer dizer, me acovardei nessa discussão”.

Prossegue José Dirceu“No dia 24 de junho fizemos uma grande manifestação no centro. Saíamos da Praça da República e seguimos para o Largo do Arouche. Lá, usando coquetéis molotov, pedras e paus, o pessoal quebrou a porta de vidro e várias janelas da Secretaria de Educação e da Academia Paulista de Letras. Na esquina da Av. Ipiranga com S. João, arrancaram um poste para, com ele, tentar arrombar as portas do First National City Bank of New York (...). Um grupo começou a gritar ‘Estadão, Estadão’, e imediatamente nos dirigimos pela Av. S. Luiz rumo ao jornal, onde fomos recebidos a tiros por franco-atiradores postados dentro do prédio (...). Gritando e correndo, vários manifestantes responderam com tiros e coquetéis molotov contra a fachada do jornal, quebraram vários vidros e puseram fogo no andaime que estava na portaria. Eu dei início à passeata fazendo um discurso pelo megafone (...). Na esquina seguinte vimos um Aero-Willys chapa branca preso no engarrafamento. Aos gritos de ‘quebra, põe fogo’, o carro foi cercado por um grupo e seu motorista expulso. Os estudantes quebraram os vidros e depois viraram o carro e o incendiaram, enquanto a polícia ficava observando de longe (...). Não foi por acaso que, mais tarde, a ditadura destruiu e pôs fogo na Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia, fechou o prédio da FAU e transformou a Faculdade de Economia numa dependência da justiça militar.

Aqueles lugares representavam o espírito libertário e criativo (...). O que era o CRUSP? Era a zona livre, a guerrilha, a luta armada. Por isso foi ocupado por nós e se tornou um bastião (...). As escolas tinham virado repúblicas livres, onde se fazia política, arte e cultura – e até se estudava. Lá comíamos e bebíamos, fazíamos reuniões, eventos, conferências; lá dormíamos e namorávamos. Milhares de estudantes circulavam pelos pátios e corredores, era uma verdadeira feira, em ebulição permanente. Festivais, aulas paralelas, seminários, exposições, música, cineclube... Imagine o que era a universidade ocupada em 1968. Parecia que estávamos diante do embrião de uma sociedade diferente. Aquilo era uma festa (...). Tive uma grande paixão no Movimento Estudantil: a Iara Iavelberg, que mais tarde foi companheira do Lamarca (...) Iara era presidente de um Diretório Acadêmico e militante da POLOP (observação: Política Operária, uma das organizações que deu origem à VPR), que nessa época estava em pé de guerra com a Dissidência”.

Vladimir: “O confronto da sexta-feira no Rio foi o primeiro em que morreu um policial: alguém jogou do alto de um edifício uma máquina de escrever em cima dele (observação: sargento da PM Nelson de Barros, em 21 de junho de 1968). Os jornais da época disseram que 55 PMs foram hospitalizados (...). Entre os civis morreu muita gente; não sei precisar quantos, mas na época dizíamos que tinham sido no mínimo dez. Depois calcularam 17, enquanto a polícia só reconhecia um (...). Dizem que a ditadura comprou o silêncio das famílias, pagou os enterros e ainda deu algum dinheiro a eles (...). Quem restabeleceu a ordem, já de noite, foi a Polícia do Exército (...). No intervalo entre a sexta-feira e a quarta seguinte, dia da passeata dos Cem Mil, entrei numa clandestinidade rigorosa e não pus o nariz na rua durante vários dias (...). Não sou a pessoa mais indicada para descrever o ambiente da cidade do Rio de Janeiro naqueles dias que antecederam a passeata, mas sei que reinava uma tensão enorme. De repente, na segunda-feira à noite o Negrão de Lima surpreendeu todo mundo anunciando na televisão que iria permitir a passeata e disse mais ou menos o seguinte: ‘Por favor, pelo amor de Deus, não toquem fogo no Rio de Janeiro. Eu decidi permitir a passeata para evitar o confronto, mas não depredem nossa cidade’ (...). A passeata reuniu muitos padres e freiras (...).

Desta vez muito mais artistas e intelectuais, não faltava ninguém das figuras mais conhecidas (...). A passeata virou um passeio (...). Não houve a menor confusão. Mais tarde a Polícia do Exército se gabou de ter feito a minha segurança; quando eu estava na cadeia os caras passaram um vídeo mostrando quantos deles havia em torno de mim. Cansei de ver o tal vídeo (...). Durante a passeata eu já sabia que ali estava cheio de policiais; aliás, quase todos naquela minha segurança eram desconhecidos...eu ia fazer o que? (...). Na hora de ir embora, pegamos o fusca do Luiz Tenório, que hoje é presidente do Sindicato dos Médicos, e seguimos direto para Botafogo e o Tenório me deixou ali, numa esquina qualquer – para não saber onde eu iria dormir – e continuou a viagem. Duas horas depois ele estava em cana”.

José Dirceu: “Resolvemos desocupar a Maria Antonia e ir para o CRUSP. Não podíamos travar uma guerra ali, pois isso seria o pretexto que precisavam para invadir todas as outras faculdades e liquidar o Movimento Estudantil. Os tempos já eram outros. Assim que saímos, a polícia ocupou as duas escolas, prendeu vários estudantes e logo depois o prédio da Filosofia foi incendiado pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Anos depois, a “filósofa” Marilena Chauí, professora universitária (!) recorda esse dia, em texto publicado na Folha de São Paulo:

3 de outubro de 1968. Ruído de carros pesados, cães a latir, estrépito de botas pelo calçamento, sirenes, gritos, palavras de ordem, comandos.

- Estão vindo! O Exército e a polícia estão chegando!

- Atenção! Cada qual procure um lugar para defender a Faculdade. Rápido, rápido.

- Olhem, olhem! Estão subindo na torre e nos telhados do Mackenzie! O CCC os chamou para lá! Vão metralhar, gente, vão metralhar!

- Estão jogando bombas. Depressa, coquetel molotov aqui, depressa!

- Mas temos poucos. Ninguém pensou que iriam ser necessários.

- Pedras, pessoal, jogar pedras.

- Estão metralhando! Tem um morto! Tem um morto!

- Mataram um estudante!

- Mataram...Fogo! A Maria Antonia está pegando fogo. Água, pessoal, água, pelo amor de Deus!

- Fogo, fogo! A Faculdade pegou fogo! Todo mundo tem que sair . Não pode haver mais mortos.

Sob gritos furiosos e fogo cerradoincêndio de um lado, metralhadoras e bombas, de outro – a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras é esvaziada. Seus ocupantes, submetidos ao corredor polonês, são lançados em camburões rumo ao DOI-CODI ao DOPS e à OBAN’”.

Nesse texto, a dona Marilena, que mais tarde iria se converter na musa do PT, mentiu: o DOI-CODI foi constituído somente em 1971! Hoje, depois do mar de lama que envolve o seu partido e o seu governo, ela não escreve e não fala. Prefere manter-se em silêncio.... “O silêncio dos intelectuais”.

A bomba no Aeroporto dos Guararapes, em 15 de julho de 1966, que causou a morte de duas pessoas e ferimentos em outras; o atentado ao Quartel-General do II Exército, em 26 de junho de 1968, em São Paulo, que causou a morte do soldado Mario Kosel Filho; e o assassinato do capitão do Exército dos EUA Charles Rodney Chandler, em São Paulo, em 12 de outubro de 1968, na frente de seus filhos sob a acusação de ser um agente da CIA, bem como os fatos acima narrados por duas lideranças estudantis da época, podem ser considerados as sementes do Ato Institucional nº 5 de 13 de dezembro de 1968.

Embora todos esses fatos possam ser encontrados em livros, jornais e revistas da época – os próprios autores consultaram O Estado de São Paulo, O Globo, Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Jornal dos Sports, Jornal da Tarde, Folha de São Paulo, revista Realidade, Revistas da Civilização BrasileiralivrosO Poder Jovem, de Artur José Poerner, A Paixão de uma Utopia,de Daniel Aarão Reis Filho e Pedro Moraes, O Ano que não Terminou, de Zuenir Ventura ainda hoje, 50 anos depois, aparecem aqueles que insistem em reescrever a História do Brasil, como o jornalista Hélio Contreras.

Segundo a coluna do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos - O Globo de 27 de agosto de 2005 -, seria lançado, proximamente, o livro “AI-5-Repressão no Brasil”, no qual o jornalista Hélio Contreras atribui ao brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, um ilustre militar, já falecido, “a culpa do AI-5”. Uma irresponsabilidade sem tamanho desse jornalista, uma vez que todos sabem que o AI-5 foi discutido e aprovado, por unanimidade, em uma reunião do presidente Costa e Silva com todos os seus ministros.

Dessa reunião, como é óbvio, o brigadeiro Burnier não participou e nem poderia ter participado e, tampouco, exercia influência sobre qualquer ministro de então. Daí, a se considerar que essa publicação não passou de mais uma excrescência oportunista, como tantas outras que vêm sendo impingidas ao povo brasileiro e, principalmente, às pessoas que não vivenciaram aqueles anos de chumbo.

Por: Carlos I. S. Azambuja é Historiador – publicado no Blog Alerta Total