Leandro Colon
Eduardo Siqueira é tão servidor público quanto o guarda municipal que cumpriu sua missão ao multá-lo
O desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo,
não foi o primeiro nem será o último magistrado que se sente
diferenciado, com permissão para ignorar regras impostas aos cidadãos.
Siqueira deu carteirada e humilhou um guarda municipal de Santos, que o
multou por estar infringindo o decreto local sobre o uso obrigatório de
máscaras para combater o coronavírus. O juiz é só mais um entre 360 (!) desembargadores do TJ-SP. É tão
servidor público quanto o guarda que cumpriu sua missão ao multá-lo.
[Matéria excelente, cabendo uma ressalva: - juiz, desembargador, ministros de Tribunais não são servidores públicos e sim membros do Poder Judiciário - não estão sujeitos ao Regime Jurídico do Servidor Público, Lei nº 8112/90, ou a qualquer outra norma que cuide de servidores públicos, civis ou militares - assim, estão vinculados à Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN.
O mesmo vale para os promotores que estão subordinados a leis específicas.
A 'escapada' do 'abrigo' da Lei nº 8112/90, além de livrar membros do Poder Judiciário e do Ministério Público de serem atingidos por medidas que muitas vezes são enfiadas goela abaixo dos servidores públicos,permite que as carreiras tenham benesses impensáveis para servidores públicos.
O patrão é o mesmo, mas os bônus são mais numerosos e vultosos, os ônus menores e os privilégios imensamente maiores.]
O episódio de Santos reforça a imagem de que o Judiciário brasileiro atua como uma classe de intocáveis. É um Poder que não vê, por exemplo, problema algum no fato de filhos
enriquecerem advogando no mesmo tribunal onde o pai ou a mãe julga, como
ocorre no STJ e em outros tribunais superiores. Enquanto o país paga um preço salgado pela pandemia, com cortes de
jornadas e salários, o Judiciário nega-se a dar da própria carne. O STF
pressiona o Congresso a preservar sua remuneração e evitar redução de
vencimentos dos funcionários. A farra é grande. O Judiciário pagou uma remuneração mensal acima de R$
100 mil a 8.226 juízes ao menos uma vez entre 2017 e abril deste ano -
num país em que o teto do serviço público é de R$ 39,3 mil. No período,
foram feitos 565 pagamentos acima de R$ 200 mil a 507 juízes. A
magistratura é brasileira, só parece viver na Escandinávia.
Como mostrou a Folha recentemente, o TJ-SP tem usado, de forma oculta,
verba reservada a situações urgentes para manter a regalia de seus
desembargadores, entre eles o infrator municipal Eduardo Siqueira. Há despesas com queijo maasdam holandês, salame da mais alta qualidade e
várias outras extravagâncias gastronômicas em pleno período de
contigenciamento em meio a pandemia. No caso do chilique do desembargador Siqueira, abriu-se uma apuração no
CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Mas é tudo um teatro, pouco se
espera dali. Punir juiz que desonra a toga nunca foi uma virtude do
colegiado.