Profissionais ameaçam desobediência se projeto passar no Senado
BUENOS
AIRES - Faltando pouco mais de um mês para que o Senado da Argentina debata e
vote a legalização do aborto, já aprovada na Câmara dos Deputados, médicos e
clínicas que se opõem à iniciativa em todo o país intensificam a campanha que
definem como “a favor das duas vidas” e ameaçam até mesmo uma onda de
desobediência civil caso o projeto vire lei. A tensão é cada vez maior e elevou-se
ainda mais nos últimos dias após a vice-presidente, Gabriela Michetti, que é,
também, presidente do Senado, ter reafirmado sua oposição ao aborto legal, até
mesmo em casos de estupro de menores de idade. [o absurdo, o ridículo, é que para condenar um perigoso bandido a morte é necessários mudanças no texto constitucional, realização de plebiscitos e o cumprimento de todo um ritual;
mas, para autorizar que uma vagabunda, uma criminosa (uma aborteira jamais pode ser chamada de mãe, título muitonobre para quem assassina seu próprio filho) decida matar um ser humano inocente e indefeso, basta uma lei comum.]
Profissionais
de saúde de todas as regiões se uniram em grupos, entre eles o “Médicos pela
Vida Argentina”, para reforçar sua posição por meio das redes sociais e
manifestações públicas. O projeto aprovado na Câmara permite a chamada “objeção
de consciência” aos trabalhadores de hospitais públicos e privados. Isso
significa que os médicos poderão, num determinado prazo, registrar seus nomes
numa lista de profissionais do sistema de saúde que se negam a realizar
abortos. Mas não existe a objeção de consciência para instituições. Se o
projeto se tornar lei, quem não avisar antecipadamente que não está disposto a
praticar abortos poderá ser condenado pela Justiça a até três anos de prisão. — A
maioria dos médicos tem como objetivo curar pacientes e salvar vidas. Eliminar
uma vida humana é algo difícil de aceitar — disse ao GLOBO o cirurgião Luis
Durán, que trabalha no Hospital de Clínicas de Buenos Aires e pertence ao grupo
“Médicos pela Vida”. — O aborto é uma situação violenta, expulsar do ventre um
bebê vivo é uma loucura. Se fosse para salvar a vida da mãe, seria mais seguro,
também para ela, concluir a gravidez.
Os
médicos argentinos que são contra a legalização do aborto já realizaram
passeatas e protestos em várias províncias, como Córdoba, Mendoza e Chaco.
Nesta última, trabalhadores de clínicas que também se recusam a realizar
abortos asseguraram que 90% dos médicos estão decididos a não aceitar uma
eventual legalização dos procedimentos. Não ajudam mulheres em estado de vulnerabilidade. Aqui, 90% dos médicos não vão
aceitar (realizar abortos) e aviso que isso é desobediência civil — disse a
médica Silvana Fernández Lugo, que liderou a manifestação no Chaco.
Na
opinião do jornalista Mariano Obarrio, que virou uma espécie de líder do debate
público contra a legalização do aborto, “cerca de 95% dos médicos argentinos
são contra a iniciativa”:
— A
Academia Nacional de Medicina é contra. Cresce o lema “não conte comigo”.
Saia
justa na Casa Rosada
Fernando
Secin, cirurgião especialista em urologia que também uniu-se ao “Médicos pela
Vida”, descreve o cenário de desobediência dos médicos como provável em caso de
aprovação da lei.
— Quando
nos formamos como médicos juramos várias coisas, entre elas respeitar a vida
humana desde sua concepção. Um dos pontos de nosso juramento diz que nem mesmo
sob ameaça podemos utilizar nossos conhecimentos médicos contra as leis da
Humanidade, e uma delas é matar — afirma Secin. — As mortes por aborto em
mulheres entre 14 e 49 anos representam 0,5% do total. Não se trata de uma
emergência sanitária, temos muitas outras prioridades antes.
O
movimento dos médicos esquentou o debate sobre a legalização do aborto na
Argentina. Médicos a favor da lei também têm se manifestado e o ministro da
Saúde, Adolfo Rubinstein, já defendeu a lei. Ativistas que defendem direitos
das mulheres mantêm a pressão sobre o Congresso.[as mulheres deveriam se envergonhar e não aceitar que individuos que incluem entre os direitos das mulheres o de assassinar quem não pode se defender, as defendam.] o A votação no Senado está
prevista para o início de agosto.
O governo
do presidente Mauricio Macri, que propôs o debate sobre a legalização do
aborto, entrou numa saia justa. Segundo admitiu publicamente a deputada Elisa
Carrió, uma das principais aliadas políticas de Macri, o chefe de Estado
defendeu o debate porque “lhe disseram que ganharia o não (ao aborto legal)”.
Mas a discussão pública sobre o assunto superou amplamente qualquer projeção
realizada pela Casa Rosada e, finalmente, o projeto foi aprovado na Câmara,
para surpresa até mesmo de seus defensores dentro do governo.
Carrió
optou por não votar “pela unidade da aliança (governista) Mudemos” e agora o
governo enfrenta pressões para que Macri vete uma eventual lei aprovada pelo
Senado. E as pressões são intensas. Um dos que pediu publicamente o veto
presidencial foi Ignacio Peña, irmão do chefe de gabinete e número dois da Casa
Rosada, Marcos Peña. O presidente evitou fazer declarações. Com o país — e seu
governo — dividido, a grande incógnita no momento é saber o que fará Macri, que
está em baixa nas pesquisas e convive com diversas frentes de conflito abertas
simultaneamente.