Vozes - Paulo Uebel
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Plenário do STF: ministros decidiram “quebrar” decisões judiciais definitivas a favor de contribuintes e liberaram cobrança retroativa de impostos. Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Como país, precisamos mudar muito e o Poder Judiciário poderia dar o grande exemplo de moralidade, previsibilidade e integridade.
O STF discutiu especificamente sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Um exemplo de empresa que provavelmente será atingida com a decisão é a Braskem: na década de 1990, empresas como a Braskem conseguiram na Justiça a autorização para deixar de recolher o CSLL. Em 2007, o STF decidiu que a cobrança do CSLL era constitucional. Assim, o Fisco agora pode cobrar esse imposto retroativamente, mesmo de quem tinha uma decisão favorável transitada em julgado. Ou seja, a decisão anterior não valeu para nada. Aliás, valeu apenas para enganar os gestores de que poderiam usar aquelas recursos para outras finalidades.
O mercado e, principalmente, a sociedade, precisam de regras simples, claras, previsíveis e sérias para funcionar.
O próprio ministro Luiz Fux reconhece que o STF atacou a segurança jurídica do país com a decisão, que ele também reconhece causar um “risco sistêmico absurdo”. Em uma palestra no Sindicato das Empresas de Contabilidade e Assessoramento de São Paulo (Sescon), dois dias após a decisão do STF, o ministro demonstrou preocupação com o pagador de impostos: “Trocando em miúdos, a decisão é a seguinte: se o contribuinte tem uma coisa julgada de dez anos atrás, ele não pode dormir com tranquilidade, porque pode surgir um precedente que venha a desconstituir algo que foi julgado dez, 15, 16 anos atrás”.
Preocupado com as consequências seríssimas da decisão, o ministro Fux também declarou: “Se a gente relativiza a coisa julgada, vale a segunda e não a primeira [decisão], porque não a terceira, a quarta, a quinta? Quando vamos ter segurança jurídica? Essa tal de previsibilidade?”. Mais uma vez, a instituição que deveria ser guardiã da Constituição, da lei, da ordem e da segurança jurídica falha em sua missão, fazendo o inverso, que é instituir mais insegurança jurídica e, por conseguinte, gerando uma desconfiança brutal em uma instituição que deveria ser admirada e respeitada por todos, como ocorre na Alemanha, Austrália, Canadá e Estados Unidos.
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No caso do Pão de Açúcar, as consequências são avassaladoras. A rede de supermercados que atende a tantos brasileiros tinha em seu favor uma decisão para não recolher a CSLL há 31 anos. Agora, o grupo GPA (PCAR3), dono do Pão de Açúcar, prevê um prejuízo de R$ 290 milhões, ainda não auditado, em razão do eventual recolhimento retroativo da CSLL. Imagine o absurdo. Por mais de três décadas, os responsáveis pelo Pão de Açúcar dormiram tranquilos sobre a decisão de não precisar recolher a CSLL. Agora, em vez de pagarem o tributo daqui para a frente (o que já seria um caso de insegurança jurídica), precisam se preocupar em como cobrir o rombo da cobrança retroativa de impressionantes 31 anos. É uma bizarrice que reafirma o Brasil como o país dos absurdos e a grande república das bananas. “Parece que o STF quer mudar até o passado, trazendo incerteza à economia e fazendo com que os projetos das empresas sejam engavetados, pois não há como calcular o custo tributário de um novo produto, por exemplo, se tudo pode mudar a qualquer tempo. Se a insegurança jurídica permanecer assim, a economia nacional vai frear, com graves prejuízos sociais”, alerta o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Porcello Petry.
Mais uma vez, a instituição que deveria ser guardiã da Constituição, da lei, da ordem e da segurança jurídica falha em sua missão.
Já a Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul), além de apontar a consequência do endividamento das empresas, declarou que
“quando se quebra a segurança jurídica se rompe com a confiança no futuro, com nossa capacidade de resolver problemas sociais pela geração de renda, com a esperança de criar oportunidades para todos pela ampliação de investimentos. Quem empreende age de boa fé, porque acredita no estado e nas Instituições. Não deveria ser punido a cada mudança de interpretação do STF. Triste penalização da honestidade, da boa fé, da disposição de empreender, da confiança no estado, do resgate de um país próspero e humano” . Não poderia ter melhor declaração sobre o assunto. O STF está punindo os empreendedores que agiram de boa fé, mas compromete não só o futuro das empresas afetadas, como também o futuro da economia como um todo, desestimulando qualquer pessoa que decidir empreender no Brasil.
Para Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multilaser e criador do Ranking dos Políticos, essa decisão do STF é a mais perigosa do ano até agora, e “vai quebrar, vai destruir, a maior parte das empresas brasileiras.” Ele também se preocupa com o efeito sobre os investimentos estrangeiros no Brasil. “Se isso for levado ao pé da letra, acabou a economia brasileira. Não tem uma empresa estrangeira que vai investir nesse país, porque ela sabe que ela não pode contar com as regras tributárias, nada é certo. Ninguém vai querer investir no Brasil”, disso o empresário.
A parte pior é que o STF não está mudando só uma decisão de hoje em diante, eles querem que o contribuinte pague o passado.
O editorial do Estadão também reconheceu o absurdo do caso. “Aquilo que parecia definitivo – que a própria Justiça tinha dito que era definitivo – já não é tão definitivo assim. Sempre estará sujeito a uma nova avaliação do Supremo. A sensação é de perplexidade. Há ainda alguma segurança jurídica?”, afirmou o jornal.
Provavelmente, os grandes beneficiários dessa decisão absurda serão apenas os advogados, e, provavelmente, muitos parentes e amigos ligados aos ministros das Cortes Superiores que possuem influentes escritórios em Brasília para fazer lobby e atuar na defesa de grandes causas tributárias. No Brasil, isso não é considerado ilegal, embora possa ser considerado imoral e eticamente questionável. Infelizmente, as regras de conflito de interesses no Poder Judiciário são muito antigas, ultrapassadas e deixam margem para interpretações pouco republicanas.
Paulo Uebel, colunista - Gazeta do Povo - VOZES