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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

“Bolsonazismo” e a banalização do mal - Revista Oeste

Jornalista Ruy Castro | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Estado
Jornalista Ruy Castro | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Estado 
 
No laboratório da tragédia humana que foi o século 20, o nazismo garantiu para si o protagonismo como a mais abjeta ideologia da história, aglutinando elementos fascistas e racistas que mergulharam o mundo em guerra e genocídio. Em 1962, a filósofa alemã de ascendência judaica Hannah Arendt foi designada pela revista The New Yorker para acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, nazista de alto escalão capturado pela Inteligência israelense na América do Sul. Acusado de crimes contra a humanidade por seu papel no Holocausto, Eichmann foi condenado por todas as acusações e enforcado.

As observações de Arendt sobre esse julgamento constam da obra Eichmann em Jerusalém, cujo subtítulo é “Um relato sobre a banalidade do mal”. Contrariando expectativas, a filósofa descreve que o criminoso de guerra não se portava como um monstro, mas como um burocrata mediano, diligente em seguir ordens, avesso a juízos pessoais sobre a correção de suas ações e alheio às implicações éticas dos atos que executava um autômato moral resignado à mediocridade da não escolha, por vezes voluntária e por vezes compulsória. Era assim que, segundo Arendt, o mal se banalizava na sociedade: não pela maldade inerente às pessoas, mas a partir da ausência de reflexão do indivíduo ao imitar, reproduzir, ecoar ou não se opor a comportamentos nocivos.

Sem entrar no mérito das suas manifestações, há evidências abundantes de que nenhum deles defende ideias supremacistas

Saindo um pouco da filosofia e da sociologia, do ponto de vista semântico, banalizar o mal é torná-lo frequente, normalizá-lo, fazer da sua presença algo comum e trivial. Exemplos não faltam: diante da exposição constante à violência, a opinião pública já não se impressiona com cenas de crimes; o mesmo vale para a retórica hostil e a agressividade verbal, falada ou escrita, que pouco se destaca, tamanha a concorrência pelo mau gosto. É nesse contexto que o uso de nazista como ofensa pessoal se insere no debate público: uma expressão imprópria, que banaliza seu significado, ignora a história e desrespeita a memória de milhões. Salvo raríssimas exceções, chamar alguém de nazista é um insulto tanto ao ofendido quanto às vítimas da Segunda Grande Guerra e, principalmente, do Holocausto.

Recentemente, um podcaster, um parlamentar e um comentarista político se envolveram em polêmicas relacionadas ao nazismo. Sem entrar no mérito das suas manifestações (absurdas, infelizes, ingênuas…), há evidências abundantes de que nenhum deles defende ideias supremacistas. Ainda assim, foram chamados de nazistas por muitos — e tratados de acordo, como se de fato pregassem, em plena democracia liberal, a doutrina totalitária diretamente responsável por dezenas de milhões de mortes. Não são nazistas, assim como não é nazista o presidente da República, alvo preferencial desse tipo de campanha de difamação. Seguem alguns exemplos, literalmente, ilustrativos:

Tuíte de Ricardo Noblat, ex-Globo, ex-Veja e ex-jornalista, reproduzindo uma suástica com a legenda “Crime continuado”, em 14 de junho de 2020:

Capa da revista IstoÉ (15 de outubro de 2021) que chamou Bolsonaro de “mercador da morte” e “genocida”, manipulando sua imagem à semelhança de Adolf Hitler. A publicação alegou que “Bolsonaro patrocinou experiências desumanas inspiradas no horror nazista durante a pandemia” e “reproduziu na medicina métodos comparáveis aos do Terceiro Reich, que levaram a milhares de mortes por meio de ações cruéis”.

Exemplos de analogias com o nazismo e ofensas ao presidente da República não faltam, incluindo artigos de colunistas da comunidade judaica, como Ricardo Kertzman (Ao equiparar Bolsonaro a Hitler, revista chama as coisas pelo nome que têm) e Hélio Schwartsman (Bolsonaro e os judeus). Espanta que o engajamento político desses articulistas prevaleça sobre sua ética profissional e sua responsabilidade moral de não permitir que o Holocausto seja relativizado por comparações absolutamente infundadas.

A essa banalização do nazismo no debate público estabelecida por falsas equivalências repetidas à exaustão pela imprensa militante —, soma-se outra falácia: o reductio ad hitlerum, a desqualificação do adversário pela simples comparação com Hitler e os nazistas, algo que causa repulsa imediata no público e desvia o foco da discussão. Esse tipo de expediente foi levado ao estado da arte na recente generalização de Ruy Castro para a Folha de S.Paulo, que insulta não apenas o presidente da República, mas todos os seus eventuais milhões de eleitores: Como não há mais possibilidade de um apoiador de Bolsonaro ser um democrata, as eleições dirão exatamente quantos brasileiros ergueram o braço dentro da urna— uma  referência ao gesto nazista do Sieg Heil.

Realmente, vivemos tempos de banalização do mal; e também de banalização do mau… do mau jornalismo. 

Leia também “Ódio do bem: uma constatação póstuma”

Caio Coppolla é comentarista político e apresentador do Boletim Coppolla, na Jovem Pan