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sexta-feira, 9 de junho de 2023

O triunfo da indecência - Revista Oeste

Silvio Navarro

A imagem de José Dirceu ao lado do advogado 'antilavajatista' Kakay em Paris é um retrato fiel da política brasileira de hoje


Deltan Dallagnol (Podemos-PR), na sessão da Câmara que confirmou a cassação de seu mandato de deputado federal | Foto: Wallace Martins/Futura Press

Nesta semana, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, compartilhou uma foto que ilustra perfeitamente o que está acontecendo no Brasil. 
Ele aparece sorridente ao lado do ex-deputado José Dirceu fazendo um “L” com a mão esquerda, numa referência ao gesto que marcou a campanha de Lula.
A imagem foi enviada por Kakay numa lista de contatos do WhatsApp logo depois da confirmação da cassação do mandato de Deltan Dallagnol — um dos símbolos de um tempo em que o país tentou acabar com a corrupção. Kakay e Dirceu estavam em Paris, onde o advogado tem uma casa próxima à Avenida ​​Champs Élysées.

Além do deboche, a cena é repleta de simbolismos. O principal deles é que, não fosse um indulto natalino concedido em 2015 por Dilma Rousseff e referendado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, José Dirceu estaria preso, e não na França.
O também ex-deputado Daniel Silveira não teve a mesma sorte. 
Dirceu, aliás, detém um passaporte novo e hoje pode viajar pelo mundo. Recuperou suas contas bancárias e pode escrever o que bem quiser nas redes sociais, ao contrário de 1.045 pessoas no Brasil que respondem a ações penais no Supremo por causa dos protestos do dia 8 de janeiro em Brasília.
 
Para o Supremo Tribunal Federal, essas centenas de pessoas atentaram contra a democracia. Aqui é importante frisar: é claro que havia entre eles um grupo de estúpidos que depredou a Praça dos Três Poderes. 
Mas a maioria não entendeu até hoje por que caiu nessa emboscada. Muito menos aquilo era um golpe de Estado em curso sem homens fardados nem fuzis — as imagens anteriores ao vandalismo mostram avós, crianças, alguns cachorros e até um vendedor de algodão-doce na rampa de acesso ao Congresso.

Já o petista José Dirceu condenado várias vezes pelo mesmo tribunal por corrupção, lavagem de dinheiro, por arquitetar um esquema de compra de votos no Congresso Nacional com dinheiro surrupiado dos cofres públicos e por tráfico de influência na Petrobras não deve mais nada à Justiça.

Kakay foi um dos responsáveis pela vingança contra a Lava Jato nas Cortes superiores. Há uma série de perfis sobre ele publicados nos mais diversos veículos de imprensa. Em todos, aparece como o primeiro nome que um político busca quando vai parar nas páginas policiais dos jornais. Nas últimas três décadas, defendeu ex-presidentes, mais de 50 governadores, as empreiteiras bilionárias do Petrolão, banqueiros como Daniel Dantas e Salvatore Cacciola e uma centena de parlamentares e ministros. Foi advogado de 17 réus da Lava Jato. É o único advogado até hoje fotografado usando bermuda no Supremo Tribunal Federal.  

Kakay vestindo bermuda nos corredores do STF | Foto: Arquivo Pessoal/Kakay

Durante anos, ele foi sócio do restaurante Piantella, em Brasília, famoso ponto de encontro de autoridades depois do expediente. O restaurante fechou as portas no dia do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Kakay afirmou: “O Piantella era a alma de Brasília. A história política passou por ali, vou sentir saudades”. Ele conta que, certo dia, faltou quórum na Câmara e o secretário-geral da Mesa disse: “Vou ligar para o Piantella e pedir para o pessoal voltar para votar”.

Kakay só deixa a política de lado quando surge um caso com grande impacto midiático: em 2018, advogou para o médium João de Deus, preso por abuso sexualhá dez anos, quis defender a atriz Carolina Dieckmann, chantageada por um hacker que ameaçava divulgar fotos dela nua.

A fachada com mármore do artista plástico Athos Bulcão continua lá — diz-se que a placa com as inscrições “Aqui Luís Eduardo Magalhães [ex-presidente da Câmara, morto em 1998] pensava o Brasil” também segue pregada na então disputada mesa do primeiro piso. 
O que aconteceu com todos esses encontros de autoridades em Brasília? Migraram para a mansão de Kakay no Lago Sul — só a adega de vinhos tem dois andares
Foi lá que Lula comemorou sua diplomação depois de eleito com ministros do Supremo, como Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Quem organizou o cerimonial da festa na casa do advogado foi Janja, a primeira-dama. 
O ditador venezuelano Nicolás Maduro também seria recebido em sua casa num coquetel com Lula, mas o evento acabou desmarcado por causa de uma gripe.

Em 2011, muito antes de o “bolsonarismo” existir, Kakay foi questionado pela jornalista Daniela Pinheiro, num perfil publicado na revista Piauí, sobre sua relação com o PT. “Voto no PT, mas não sou partidário”, disse. “Os mal-intencionados insistem que ‘bombei’ no governo Lula por causa das minhas relações pessoais”. Alguns anos antes, numa entrevista a Jô Soares, na TV Globo, comentou sobre a relação com José Dirceu. “Ninguém aqui vai falar mal do Zé Dirceu (…) Meus clientes viram meus amigos.”

A esfinge Arthur Lira
Enquanto a foto da dupla Dirceu e Kakay rodava na internet, outra imagem também ajudou a explicar o que está acontecendo no Brasil. A Mesa Diretora da Câmara confirmou a cassação do mandato de Deltan Dallagnol. O paranaense foi fotografado sozinho no plenário da Casa na noite de terça-feira, 6. Assim como fez com Daniel Silveira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), lavou as mãos.

O real papel de Lira no atual cenário político brasileiro é uma incógnita. Ele foi eleito com 464 votos, o placar mais elástico da história — maior que o de Ibsen Pinheiro (MDB), em 1991, e o de João Paulo Cunha (PT), em 2003: ambos alcançaram 434 votos
Já mostrou os dentes para Lula algumas vezes: quase implodiu o Ministério ao não ajudar, na semana passada, na votação da medida provisória que reorganizava a Esplanada, barrou o decreto sobre o Marco do Saneamento, atuou pelo Marco Temporal e não deu seguimento ao PL 2630, que tentava amordaçar as redes sociais no país. 
Mas sofreu as consequências.No dia da votação da medida provisória ministerial, Dias Toffoli ressuscitou uma ação contra ele esquecida há três anos na Corte acabou arquivada logo depois que a MP foi aprovada. Na manhã seguinte, a Polícia Federal prendeu um ex-assessor dele em Alagoas e tomou-lhe o telefone celular. Segundo colunistas da imprensa com acesso ao ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), o aparelho contém informações que podem ser usadas contra Lira. Antes de referendar a cassação de Dallagnol, aliás, Lira foi chamado para um café com Lula.

Paralelamente, ele tem dado sinais de que não vai ser o fiador de um governo trôpego em conversas com empresários e bancos privados. Dois congressistas próximos de Lira ouvidos por Oeste indicaram possibilidades: o primeiro disse que a condenação do conterrâneo Fernando Collor de Mello, que apoiou Jair Bolsonaro, pelo Supremo o assustou no mês passado; o segundo afirmou que Lira se vangloriou durante um almoço com a bancada que teve quase cem votos a mais do que a aprovação do impeachment de Dilma, que teve 367. 

Sempre teremos Paris
No dia 1º de fevereiro, Kakay escreveu um artigo sobre Arthur Lira no site Poder 360. O texto narra conversas entre os dois em jantares regados a vinho e boa comida. “Uma noite, já tarde, depois de muita discussão entre os participantes, resolvi ligar para o deputado Arthur Lira, que não fazia parte do grupo. Pedi a ele para ir à minha casa. Com o espírito sempre colaborativo ele foi, mesmo sem saber qual seria a demanda”, disse. Kakay queria apoio para aprovar um projeto sobre a figura do “juiz de garantias” no país. Conseguiu. “Pode colocar para votar que nós aprovaremos”, teria respondido Lira, segundo o advogado. A proposta, contudo, foi barrada pelo ministro Luiz Fux. Kakay reclamou: “Um despacho monocrático e autoritário. Uma decisão de um ministro que cassou a vontade das duas Casas, Câmara e Senado. Um escândalo”.

O artigo termina com pelo menos dois recados. O primeiro é um mea culpa diante da força de Lira na Casa: “Eu, que tantas vezes critiquei os poderes imperiais usados sem parcimônia pelo presidente Arthur Lira, nos inúmeros pedidos de impeachment não levados a julgamento, que me insurgi até de maneira indelicada contra o apoio do Lira ao fascista genocida [referindo-se a Bolsonaro], devo reconhecer que ele é o deputado que pode levar a Câmara a atravessar esses tumultuosos próximos anos. Ele tem força e descortino para ser um presidente que ajudará a fazer a travessia democrática”. O segundo já é uma ameaça: “Ter um presidente da Câmara como ele pode exigir de todos nós mais dedicação no acompanhamento do dia a dia. Como disse Pablo Neruda, ‘o homem é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências'”. De consequências, todos eles entendem.

Hoje se confirmou a cassação do @deltanmd .

Um dos episódios mais tristes da nossa democracia atual, que foi referendado de forma unânime pelo judiciário e pelo legislativo.

A sede de vingança do sistema pode ser árdua, mas não devemos largar o legado que a Lava-Jato deixou… pic.twitter.com/wuI1t4F5rg— Amanda Vettorazzo (@Amandavettorazz) June 7, 2023


Leia também “Bancada da toga”

 

Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste