Silvio Navarro
A imagem de José Dirceu ao lado do advogado 'antilavajatista' Kakay em Paris é um retrato fiel da política brasileira de hoje
Deltan Dallagnol (Podemos-PR), na sessão da Câmara que confirmou a cassação de seu mandato de deputado federal | Foto: Wallace Martins/Futura Press
Já o petista José Dirceu — condenado várias vezes pelo mesmo tribunal por corrupção, lavagem de dinheiro, por arquitetar um esquema de compra de votos no Congresso Nacional com dinheiro surrupiado dos cofres públicos e por tráfico de influência na Petrobras — não deve mais nada à Justiça.
Kakay foi um dos responsáveis pela vingança contra a Lava Jato nas Cortes superiores. Há uma série de perfis sobre ele publicados nos mais diversos veículos de imprensa. Em todos, aparece como o primeiro nome que um político busca quando vai parar nas páginas policiais dos jornais. Nas últimas três décadas, defendeu ex-presidentes, mais de 50 governadores, as empreiteiras bilionárias do Petrolão, banqueiros — como Daniel Dantas e Salvatore Cacciola — e uma centena de parlamentares e ministros. Foi advogado de 17 réus da Lava Jato. É o único advogado até hoje fotografado usando bermuda no Supremo Tribunal Federal.
Kakay vestindo bermuda nos corredores do STF | Foto: Arquivo Pessoal/Kakay
Durante anos, ele foi sócio do restaurante Piantella, em Brasília, famoso ponto de encontro de autoridades depois do expediente. O restaurante fechou as portas no dia do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Kakay afirmou: “O Piantella era a alma de Brasília. A história política passou por ali, vou sentir saudades”. Ele conta que, certo dia, faltou quórum na Câmara e o secretário-geral da Mesa disse: “Vou ligar para o Piantella e pedir para o pessoal voltar para votar”.
Kakay só deixa a política de lado quando surge um caso com grande impacto midiático: em 2018, advogou para o médium João de Deus, preso por abuso sexual; há dez anos, quis defender a atriz Carolina Dieckmann, chantageada por um hacker que ameaçava divulgar fotos dela nua.
Em 2011, muito antes de o “bolsonarismo” existir, Kakay foi questionado pela jornalista Daniela Pinheiro, num perfil publicado na revista Piauí, sobre sua relação com o PT. “Voto no PT, mas não sou partidário”, disse. “Os mal-intencionados insistem que ‘bombei’ no governo Lula por causa das minhas relações pessoais”. Alguns anos antes, numa entrevista a Jô Soares, na TV Globo, comentou sobre a relação com José Dirceu. “Ninguém aqui vai falar mal do Zé Dirceu (…) Meus clientes viram meus amigos.”
A esfinge Arthur Lira
Enquanto a foto da dupla Dirceu e Kakay rodava na internet, outra imagem também ajudou a explicar o que está acontecendo no Brasil. A Mesa Diretora da Câmara confirmou a cassação do mandato de Deltan Dallagnol. O paranaense foi fotografado sozinho no plenário da Casa na noite de terça-feira, 6. Assim como fez com Daniel Silveira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), lavou as mãos.
Paralelamente, ele tem dado sinais de que não vai ser o fiador de um governo trôpego em conversas com empresários e bancos privados. Dois congressistas próximos de Lira ouvidos por Oeste indicaram possibilidades: o primeiro disse que a condenação do conterrâneo Fernando Collor de Mello, que apoiou Jair Bolsonaro, pelo Supremo o assustou no mês passado; o segundo afirmou que Lira se vangloriou durante um almoço com a bancada que teve quase cem votos a mais do que a aprovação do impeachment de Dilma, que teve 367.
Sempre teremos Paris
No dia 1º de fevereiro, Kakay escreveu um artigo sobre Arthur Lira no site Poder 360. O texto narra conversas entre os dois em jantares regados a vinho e boa comida. “Uma noite, já tarde, depois de muita discussão entre os participantes, resolvi ligar para o deputado Arthur Lira, que não fazia parte do grupo. Pedi a ele para ir à minha casa. Com o espírito sempre colaborativo ele foi, mesmo sem saber qual seria a demanda”, disse. Kakay queria apoio para aprovar um projeto sobre a figura do “juiz de garantias” no país. Conseguiu. “Pode colocar para votar que nós aprovaremos”, teria respondido Lira, segundo o advogado. A proposta, contudo, foi barrada pelo ministro Luiz Fux. Kakay reclamou: “Um despacho monocrático e autoritário. Uma decisão de um ministro que cassou a vontade das duas Casas, Câmara e Senado. Um escândalo”.
O artigo termina com pelo menos dois recados. O primeiro é um mea culpa diante da força de Lira na Casa: “Eu, que tantas vezes critiquei os poderes imperiais usados sem parcimônia pelo presidente Arthur Lira, nos inúmeros pedidos de impeachment não levados a julgamento, que me insurgi até de maneira indelicada contra o apoio do Lira ao fascista genocida [referindo-se a Bolsonaro], devo reconhecer que ele é o deputado que pode levar a Câmara a atravessar esses tumultuosos próximos anos. Ele tem força e descortino para ser um presidente que ajudará a fazer a travessia democrática”. O segundo já é uma ameaça: “Ter um presidente da Câmara como ele pode exigir de todos nós mais dedicação no acompanhamento do dia a dia. Como disse Pablo Neruda, ‘o homem é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências'”. De consequências, todos eles entendem.
Hoje se confirmou a cassação do @deltanmd .
Um dos episódios mais tristes da nossa democracia atual, que foi referendado de forma unânime pelo judiciário e pelo legislativo.
A sede de vingança do sistema pode ser árdua, mas não devemos largar o legado que a Lava-Jato deixou… pic.twitter.com/wuI1t4F5rg— Amanda Vettorazzo (@Amandavettorazz) June 7, 2023
Leia também “Bancada da toga”
Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário