Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador mea culpa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mea culpa. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 9 de junho de 2023

O triunfo da indecência - Revista Oeste

Silvio Navarro

A imagem de José Dirceu ao lado do advogado 'antilavajatista' Kakay em Paris é um retrato fiel da política brasileira de hoje


Deltan Dallagnol (Podemos-PR), na sessão da Câmara que confirmou a cassação de seu mandato de deputado federal | Foto: Wallace Martins/Futura Press

Nesta semana, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, compartilhou uma foto que ilustra perfeitamente o que está acontecendo no Brasil. 
Ele aparece sorridente ao lado do ex-deputado José Dirceu fazendo um “L” com a mão esquerda, numa referência ao gesto que marcou a campanha de Lula.
A imagem foi enviada por Kakay numa lista de contatos do WhatsApp logo depois da confirmação da cassação do mandato de Deltan Dallagnol — um dos símbolos de um tempo em que o país tentou acabar com a corrupção. Kakay e Dirceu estavam em Paris, onde o advogado tem uma casa próxima à Avenida ​​Champs Élysées.

Além do deboche, a cena é repleta de simbolismos. O principal deles é que, não fosse um indulto natalino concedido em 2015 por Dilma Rousseff e referendado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, José Dirceu estaria preso, e não na França.
O também ex-deputado Daniel Silveira não teve a mesma sorte. 
Dirceu, aliás, detém um passaporte novo e hoje pode viajar pelo mundo. Recuperou suas contas bancárias e pode escrever o que bem quiser nas redes sociais, ao contrário de 1.045 pessoas no Brasil que respondem a ações penais no Supremo por causa dos protestos do dia 8 de janeiro em Brasília.
 
Para o Supremo Tribunal Federal, essas centenas de pessoas atentaram contra a democracia. Aqui é importante frisar: é claro que havia entre eles um grupo de estúpidos que depredou a Praça dos Três Poderes. 
Mas a maioria não entendeu até hoje por que caiu nessa emboscada. Muito menos aquilo era um golpe de Estado em curso sem homens fardados nem fuzis — as imagens anteriores ao vandalismo mostram avós, crianças, alguns cachorros e até um vendedor de algodão-doce na rampa de acesso ao Congresso.

Já o petista José Dirceu condenado várias vezes pelo mesmo tribunal por corrupção, lavagem de dinheiro, por arquitetar um esquema de compra de votos no Congresso Nacional com dinheiro surrupiado dos cofres públicos e por tráfico de influência na Petrobras não deve mais nada à Justiça.

Kakay foi um dos responsáveis pela vingança contra a Lava Jato nas Cortes superiores. Há uma série de perfis sobre ele publicados nos mais diversos veículos de imprensa. Em todos, aparece como o primeiro nome que um político busca quando vai parar nas páginas policiais dos jornais. Nas últimas três décadas, defendeu ex-presidentes, mais de 50 governadores, as empreiteiras bilionárias do Petrolão, banqueiros como Daniel Dantas e Salvatore Cacciola e uma centena de parlamentares e ministros. Foi advogado de 17 réus da Lava Jato. É o único advogado até hoje fotografado usando bermuda no Supremo Tribunal Federal.  

Kakay vestindo bermuda nos corredores do STF | Foto: Arquivo Pessoal/Kakay

Durante anos, ele foi sócio do restaurante Piantella, em Brasília, famoso ponto de encontro de autoridades depois do expediente. O restaurante fechou as portas no dia do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Kakay afirmou: “O Piantella era a alma de Brasília. A história política passou por ali, vou sentir saudades”. Ele conta que, certo dia, faltou quórum na Câmara e o secretário-geral da Mesa disse: “Vou ligar para o Piantella e pedir para o pessoal voltar para votar”.

Kakay só deixa a política de lado quando surge um caso com grande impacto midiático: em 2018, advogou para o médium João de Deus, preso por abuso sexualhá dez anos, quis defender a atriz Carolina Dieckmann, chantageada por um hacker que ameaçava divulgar fotos dela nua.

A fachada com mármore do artista plástico Athos Bulcão continua lá — diz-se que a placa com as inscrições “Aqui Luís Eduardo Magalhães [ex-presidente da Câmara, morto em 1998] pensava o Brasil” também segue pregada na então disputada mesa do primeiro piso. 
O que aconteceu com todos esses encontros de autoridades em Brasília? Migraram para a mansão de Kakay no Lago Sul — só a adega de vinhos tem dois andares
Foi lá que Lula comemorou sua diplomação depois de eleito com ministros do Supremo, como Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Quem organizou o cerimonial da festa na casa do advogado foi Janja, a primeira-dama. 
O ditador venezuelano Nicolás Maduro também seria recebido em sua casa num coquetel com Lula, mas o evento acabou desmarcado por causa de uma gripe.

Em 2011, muito antes de o “bolsonarismo” existir, Kakay foi questionado pela jornalista Daniela Pinheiro, num perfil publicado na revista Piauí, sobre sua relação com o PT. “Voto no PT, mas não sou partidário”, disse. “Os mal-intencionados insistem que ‘bombei’ no governo Lula por causa das minhas relações pessoais”. Alguns anos antes, numa entrevista a Jô Soares, na TV Globo, comentou sobre a relação com José Dirceu. “Ninguém aqui vai falar mal do Zé Dirceu (…) Meus clientes viram meus amigos.”

A esfinge Arthur Lira
Enquanto a foto da dupla Dirceu e Kakay rodava na internet, outra imagem também ajudou a explicar o que está acontecendo no Brasil. A Mesa Diretora da Câmara confirmou a cassação do mandato de Deltan Dallagnol. O paranaense foi fotografado sozinho no plenário da Casa na noite de terça-feira, 6. Assim como fez com Daniel Silveira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), lavou as mãos.

O real papel de Lira no atual cenário político brasileiro é uma incógnita. Ele foi eleito com 464 votos, o placar mais elástico da história — maior que o de Ibsen Pinheiro (MDB), em 1991, e o de João Paulo Cunha (PT), em 2003: ambos alcançaram 434 votos
Já mostrou os dentes para Lula algumas vezes: quase implodiu o Ministério ao não ajudar, na semana passada, na votação da medida provisória que reorganizava a Esplanada, barrou o decreto sobre o Marco do Saneamento, atuou pelo Marco Temporal e não deu seguimento ao PL 2630, que tentava amordaçar as redes sociais no país. 
Mas sofreu as consequências.No dia da votação da medida provisória ministerial, Dias Toffoli ressuscitou uma ação contra ele esquecida há três anos na Corte acabou arquivada logo depois que a MP foi aprovada. Na manhã seguinte, a Polícia Federal prendeu um ex-assessor dele em Alagoas e tomou-lhe o telefone celular. Segundo colunistas da imprensa com acesso ao ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), o aparelho contém informações que podem ser usadas contra Lira. Antes de referendar a cassação de Dallagnol, aliás, Lira foi chamado para um café com Lula.

Paralelamente, ele tem dado sinais de que não vai ser o fiador de um governo trôpego em conversas com empresários e bancos privados. Dois congressistas próximos de Lira ouvidos por Oeste indicaram possibilidades: o primeiro disse que a condenação do conterrâneo Fernando Collor de Mello, que apoiou Jair Bolsonaro, pelo Supremo o assustou no mês passado; o segundo afirmou que Lira se vangloriou durante um almoço com a bancada que teve quase cem votos a mais do que a aprovação do impeachment de Dilma, que teve 367. 

Sempre teremos Paris
No dia 1º de fevereiro, Kakay escreveu um artigo sobre Arthur Lira no site Poder 360. O texto narra conversas entre os dois em jantares regados a vinho e boa comida. “Uma noite, já tarde, depois de muita discussão entre os participantes, resolvi ligar para o deputado Arthur Lira, que não fazia parte do grupo. Pedi a ele para ir à minha casa. Com o espírito sempre colaborativo ele foi, mesmo sem saber qual seria a demanda”, disse. Kakay queria apoio para aprovar um projeto sobre a figura do “juiz de garantias” no país. Conseguiu. “Pode colocar para votar que nós aprovaremos”, teria respondido Lira, segundo o advogado. A proposta, contudo, foi barrada pelo ministro Luiz Fux. Kakay reclamou: “Um despacho monocrático e autoritário. Uma decisão de um ministro que cassou a vontade das duas Casas, Câmara e Senado. Um escândalo”.

O artigo termina com pelo menos dois recados. O primeiro é um mea culpa diante da força de Lira na Casa: “Eu, que tantas vezes critiquei os poderes imperiais usados sem parcimônia pelo presidente Arthur Lira, nos inúmeros pedidos de impeachment não levados a julgamento, que me insurgi até de maneira indelicada contra o apoio do Lira ao fascista genocida [referindo-se a Bolsonaro], devo reconhecer que ele é o deputado que pode levar a Câmara a atravessar esses tumultuosos próximos anos. Ele tem força e descortino para ser um presidente que ajudará a fazer a travessia democrática”. O segundo já é uma ameaça: “Ter um presidente da Câmara como ele pode exigir de todos nós mais dedicação no acompanhamento do dia a dia. Como disse Pablo Neruda, ‘o homem é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências'”. De consequências, todos eles entendem.

Hoje se confirmou a cassação do @deltanmd .

Um dos episódios mais tristes da nossa democracia atual, que foi referendado de forma unânime pelo judiciário e pelo legislativo.

A sede de vingança do sistema pode ser árdua, mas não devemos largar o legado que a Lava-Jato deixou… pic.twitter.com/wuI1t4F5rg— Amanda Vettorazzo (@Amandavettorazz) June 7, 2023


Leia também “Bancada da toga”

 

Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste 


domingo, 28 de agosto de 2022

STF deve desculpas por deportação de Olga Benário, diz Cármen Lúcia - O Globo

Militante comunista foi morta há 80 anos na câmara de gás; tribunal concordou que ela fosse entregue à Alemanha nazista pelo governo Vargas

[será que a douta magistrada leu o livro OLGA, Fernando Moraes, Círculo do Livro?  
Narra com riquezas de detalhes que a criminosa foi resgatada durante um dos seus julgamentos na Alemanha - Hitler ainda não havia assumido o poder;  seus muitos crimes daquela época juntados aos cometidos no Brasil,ao lado de Prestes, mostram que sua extradição foi justa.]

STF deve desculpas por deportação de Olga Benário, diz Cármen Lúcia

Ficha policial da militante comunista Olga Benário, expulsa do país em 1936 Reprodução

A ministra Cármen Lúcia propôs que o Supremo Tribunal Federal peça perdão pela deportação de Olga Benário. A militante comunista estava grávida quando o tribunal autorizou o governo de Getúlio Vargas a entregá-la à Alemanha nazista. Sua morte na câmara de gás completou 80 anos em abril.

O processo de Olga reúne algumas das páginas mais sombrias da história do Supremo. Em março de 1936, a revolucionária alemã foi presa no Rio com o marido, Luís Carlos Prestes.  
Os dois eram procurados desde o levante frustrado na Praia Vermelha, no ano anterior. Para atingir Prestes, o governo resolveu expulsar Olga. Nas palavras do então ministro da Justiça, Vicente Rao, ela seria “perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do país”. 
 
Na tentativa de salvá-la da Gestapo, o advogado Heitor Lima apostou numa estratégia incomum. Em vez de alegar sua inocência, apenas reivindicou que ela continuasse presa no país. [prova incontestável de que Olga não seria jamais inocentada - no Brasil ou na Alemanha.
Aqui ela não seria executada e logo seria anistiada e voltaria a cometer novos crimes.] Argumentou que a alemã estava grávida de um brasileiro, e que o bebê também seria punido com a deportação. Ele ainda sustentou que a cliente teria desistido da revolução para se dedicar à maternidade. Assim, seria a única pessoa capaz de “regenerar” o lendário Cavaleiro da Esperança.

“Só uma mulher poderá operar esse milagre”, afirmou o advogado, em texto sintonizado com os costumes da época. A companheira de Prestes teria três tarefas: “curá-lo da psicose bolchevista”, “atraí-lo ao âmbito da família” e “estimulá-lo para o serviço da pátria”. O Supremo não se sensibilizou e entregou Olga aos carrascos. Ela estava grávida de sete meses quando foi embarcada no cargueiro para Hamburgo. [a criança apesar de filha de dois criminosos (Prestes também traidor da Pátria) nasceu saudável e sobreviveu.]

Os ministros sabiam que a expulsão da comunista de origem judaica equivaleria a uma sentença de morte. Mesmo assim, o relator do caso, Bento de Faria, limitou-se a anotar que o instituto do habeas corpus estava suspenso por decreto presidencial. Getúlio ainda não tinha dado o golpe do Estado Novo, mas já governava com poderes semiditatoriais. O Supremo poderia enfrentá-lo, mas escolheu lavar as mãos.

Sete ministros não conheceram o pedido de habeas corpus. Três o admitiram, mas negaram manter a ré no país. “É muito chocante para mim, como juíza, o fato de que a decisão foi dada em apenas três parágrafos, sem fundamentação. Não houve nenhum voto favorável à permanência de Olga, e assim ela foi expulsa do Brasil”, resumiu a desembargadora Simone Schreiber no último dia 19, no Centro Cultural da Justiça Federal.

O caso foi debatido no mesmo salão em que os ministros selaram o destino da alemã. “Olga não pôde nem assistir ao julgamento”, lamentou a historiadora Anita Leocádia Prestes, que fez a viagem de navio na barriga da mãe. 
Ela nasceu num campo de concentração e foi entregue à avó paterna com um ano e dois meses de idade. Sobre a deportação, a professora sentenciou: “O principal responsável foi Getúlio Vargas. O Supremo foi conivente”.

No CCJF, Cármen Lúcia definiu o processo como uma “página trágica” na história do tribunal. “Ainda que seja ineficaz do ponto de vista humano ou jurídico, o Supremo precisa pedir perdão”, afirmou. A ministra disse que ditaduras são “pródigas em promover desumanidades”. “É bom que se lembre sempre disso”, frisou.

A ideia do perdão a Olga poderia ser encampada pela ministra Rosa Weber, que assume a presidência da Corte em setembro. “O Supremo nunca fez um mea culpa sobre o caso. Isso seria muito interessante”, avalia o escritor Fernando Morais, biógrafo da militante assassinada em 1942.

Bernardo Mello Franco, colunista - O Globo


quarta-feira, 13 de abril de 2022

Mamãe, me lasquei! - Gazeta do Povo

Rodrigo Constantino


O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou por unanimidade o relatório do deputado Delegado Olim (SP) que recomenda a cassação do também deputado Arthur Moledo do Val (União Brasil), conhecido como Mamãe Falei. Foram dez votos a zero. Agora o processo segue para o plenário da casa, que votará pela cassação do mandato ou pela absolvição do parlamentar.

Mamãe Falei é julgado pela Assembleia por conta de áudios machistas que fez sobre mulheres da Ucrânia. Ele viajou em março ao país que passa por guerra contra a Rússia e disse, em uma gravação direcionada a amigos, que as ucranianas “são fáceis porque são pobres”. Por conta do episódio, deixou o Podemos e abandonou a pré-candidatura ao governo estadual.

Durante a votação, uma pequena claque de jovens desocupados apoiava o deputado. Garotos imberbes são tudo o que restou ao MBL, um movimento que teve o seu protagonismo durante as manifestações pelo impeachment de Dilma, e que por isso acabou enganando muita gente - eu mesmo inclusive, mea culpa.

Tão logo ficou claro para mim que os "garotos" só tinham mesmo um projeto particular de poder, e nada mais, e que essa fama havia subido às suas cabeças, passei a critica-los em público. O líder do grupo, Renan Santos, tentou me intimidar com mensagens agressivas de áudio, achando que "mandava" em mim. Fiquei ainda mais desconfiado com a postura e subi o tom das críticas. Um exército de militantes e robôs passou, então, a me atacar nas redes sociais de uma forma que petistas e bolsonaristas jamais fizeram. Tive a certeza de que estava lidando com um movimento sujo, sob uma liderança podre.

Para piorar o que já era ruim, os integrantes do MBL, Arthur principalmente, passaram a afirmar que eu era um "vendido", que recebia grana de empresário bolsonarista para "defender" o governo. Não era nem insinuação, mas afirmação leviana, falsa, irresponsável. Arthur do Val fez isso no programa Pânico, com palavras e gestos, e também em seu canal do YouTube.

Confesso, portanto, que essa merecida cassação tem um sabor de vingança pessoal, além da necessária limpeza na política paulista. Foi feita a justiça no Conselho de Ética, e espero que o plenário chancele. O áudio não é apenas machista, como muitos dizem; é abjeto, asqueroso e demonstra total falta de empatia para com o próximo.  
 Arthur estava num cenário de guerra, vendo mulheres refugiadas, desesperadas, que têm feito de tudo para tentar se salvar ou salvar seus filhos. E foi nesse contexto que o "rapaz" pensou apenas em se dar bem sexualmente, para explorar essas moças. Isso beira à psicopatia!

O gado do MBL alerta que isso abre perigoso precedente. São os mesmos que aplaudiram a perseguição absurda ao deputado federal Daniel Silveira. São os mesmos que se uniram ao PT e ao PSOL para pedir impeachment sem embasamento do Bolsonaro. Ou seja, são hipócritas, nada mais. E no caso dessa provável cassação, o precedente parece fazer sentido: é quebra inaceitável de decoro demonstrar esse tipo de mentalidade.

Pode não haver crime no áudio, mas do ponto de vista político é mortal sim, e deveria ser. O deputado quis cair "atirando" e denunciou - agora - podres de cada um dos seus colegas. Pode ser que na Alesp tenha gente ainda pior do que ele, criminosa mesmo, e não apenas indecente. Mas mesmo assim sua atitude demonstra, uma vez mais, falta de humildade e dignidade. Ele repete que "errou", mas age assim porque, no fundo, considera um deslize pequeno o que fez. Não entende sequer a gravidade. Não foi um "erro", mas sim uma exposição em público de seu verdadeiro caráter - ou melhor, da completa falta dele.

O MBL derrete, e é bom que seja assim. Os PsolKids, como passaram a ser chamados, não passam de tucaninhos sedentos pelo poder, ambiciosos demais, e desprovidos de valores e princípios nobres. E pensar que foi com essa "garotada" que Sergio Moro resolveu se juntar para demonizar e derrotar Bolsonaro. Não por acaso Moro caminha para seu próprio fim melancólico na política, antes mesmo de começar...

 

Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Miopia orçamentária - Antonio Delfim Netto

Folha de S. Paulo


A pandemia era previsível, mas foi ignorada pelos Estados



A nova pandemia que estamos vivendo era previsível, mas foi ignorada pelos Estados, justamente quem deveria ter a ela se antecipado, construindo um seguro saúde adequado. Trata-se de mais uma zoonose, doenças que os homens importam dos animais selvagens que domesticaram e de que se alimentaram ao longo da história. São acidentes aleatórios: a experiência diz que vão ocorrer, só não diz quando. Registros históricos mostram que entre o ano de 429 a.C.(quando houve a chamada Praga de Atenas e o mundo tinha em torno de 70 milhões de habitantes) e 2019, quando temos a Covid-19 e população de 7,6 bilhões, eles nos atingiram ao menos 62 vezes.

Temos um dos melhores seguros saúde do mundo - o SUS, universal e pago por todos. Espalhado pelo território nacional, é responsabilidade de todos os níveis de governo. Infelizmente, falhamos na tarefa mais urgente: a de equipá-lo adequadamente, importando, enquanto havia disponibilidade, o que fosse necessário.


E não foi por falta de recurso financeiro, mas pela falta de coordenação entre aqueles níveis de governo e dentro deles. Cabe um "mea culpa" dos administradores do Orçamento (Executivo e Legislativo), que, com enorme miopia, não entenderam a necessidade de deixá-lo permanentemente equipado para atender à dinâmica das pandemias. Durante N anos (aleatório), a taxa de retorno é zero, mas em N+1, quando a pandemia nos assombra, ela será infinita, porque salva vidas.

No verão de 2005, o presidente G. W. Bush leu um livro sobre a terrível pandemia de 1918 (a gripe espanhola), que matou entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas no mundo —no Brasil, ao menos 30 mil. Ao voltar a Washington, reuniu os conselheiros de Segurança Nacional e disse: "Isso ocorre a cada cem anos (otimista!)". E ordenou que preparassem um programa sério para enfrentá-las.

Com o passar do tempo, as dificuldades orçamentárias para financiar um programa de retorno de curto prazo zero promoveram o seu esquecimento, e os recursos foram usados em despesas politicamente mais convenientes. Hoje os EUA colhem os resultados de tal cegueira orçamentária.

Antonio Delfim Netto, economista - Folha de S. Paulo  


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Após divulgar mensagem de Bolsonaro, jornalista é alvo de ataques nas redes sociais - O Globo

Vera Magalhães, do 'Estado de S.Paulo', foi a primeira a publicar que o presidente enviou vídeos convocando manifestações

Desde que publicou a mensagem de WhatsApp do presidente Jair Bolsonaro com um vídeo convocando para uma manifestação, a jornalista Vera Magalhães tem sido hostilizada por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais. Vera revelou, nesta terça-feira, o envio do vídeo por Bolsonaro no site do "Estado de S.Paulo" e vem sofrendo ataques nas redes sociais inclusive com dados de sua vida particular sendo expostos. 

[Por mais que se leia e releia as transcrições das mensagens do presidente Bolsonaro, se assista e desassista o vídeo, NADA SE ENCONTRA citando o Congresso ou o Poder Judiciário.

A mensagem presidencial apenas divulga uma manifestação - se manifestar é um direito legítimo de qualquer cidadão (que não é cassado quando o cidadão se torna Presidente da República) que é permitido pela Constituição Federal, ou a LIBERDADE DE EXPRESSÃO só é permitida quando exercida contra o Presidente da República Federativa do Brasil, JAIR BOLSONARO?

Os dois trechos da convocação destacados no quinto parágrafo deste não fazem menção a nenhum dos Poderes.

De tudo se conclui que os que interpretam ser o ato contra o Congresso Nacional e o STF - seja Imprensa, presidente da Câmara, do Senado, do STF - cometem um ato falho, já que ao ver o que não existe se traem e expressam seu entendimento que a atuação do  Congresso e do STF, merece ser alvo de uma manifestação popular contra aqueles Poderes.
Quanto as alegadas ofensas assacadas contra a jornalista, existem mecanismos legais que podem ser utilizados para provar a prática das mesmas e punir os autores - por óbvio, são exigidas provas das ofensas e da autoria.]

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

STF confuso, Lula solto e suspeição de Moro: como pensa o presidente do TRF4, Victor Laus - Gazeta do Povo

Fernanda Trisotto

No final de novembro, a 8ª Turma do Tribunal Regional da 4.ª Região (TRF4) não apenas confirmou, como também aumentou a pena imposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do sítio de Atibaia, a segunda condenação dele no âmbito da operação Lava Jato.  A decisão ocorreu pouco tempo após o Supremo Tribunal Federal (STF) revisar seu entendimento sobre a sequência da apresentação de alegações finais pelos acusados. Há quem diga que foi uma afronta em relação ao órgão superior. Mas não é o que pensa o presidente do TRF-4, o desembargador Victor Luiz dos Santos Laus.
 “Como o Supremo Tribunal Federal não havia delimitado a forma como seriam feitos esses julgamentos, os desembargadores agiram com absoluta autonomia e liberdade. Eu não vejo no que isso possa ser considerado como uma afronta, uma provocação ao Supremo Tribunal Federal”, declarou Victor Laus em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. E mais: para Laus, essa “indecisão” do STF atrapalha o andamento do poder Judiciário como um todo, em que pese ser normal revisitar posições de tempos em tempos, na visão do juiz.

É óbvio que quando o Supremo Tribunal Federal decide, a expectativa é que a decisão dele sinalize, oriente, todas as outras instâncias. Mas o que nós temos visto, e você há de convir comigo, é que as últimas decisões do Supremo decidem, mas não decidem. A Corte chega a uma conclusão, mas na hora de enunciar essa conclusão, na hora de proclamar, fica para um segundo momento”, analisa.

O desembargador Victor Laus esteve na redação do jornal nesta segunda-feira (9), e conversou sobre a atuação do TRF4 como revisor dos processos da Lava Jato, o “modus operandi” da operação, o caso de plágio na sentença da juíza Gabriela Hardt, a suspeição de Sergio Moro, o papel do STF e outros temas. O TRF4 é o órgão revisor da Lava Jato. 

Como o senhor avaliou o resultado do último julgamento do caso do sítio de Atibaia, em que o ex-presidente Lula é réu. 
A 8ª turma não só confirmou a sentença, como aumentou a pena. Qual sua avaliação?
Na realidade o nosso tribunal já tem uma longa experiência na matéria criminal. Nós temos duas turmas do âmbito do tribunal que julgam a matéria penal e desde pelo menos 2009 essas turmas julgam exclusivamente processos criminais. Portanto, os desembargadores e juízes que integram essas turmas são profissionais altamente experientes, na matéria criminal e esse julgamento do dia 27, do sítio de Atibaia, na realidade vai nessa linha.

Era um caso, que de certa forma tinha a sua complexidade, mas que teve pela frente três juízes acostumados a decidirem causas complexas, causas de repercussão. Pelo que eu acompanhei, e eu só conheço pela imprensa detalhes desse caso, na realidade o julgamento foi estritamente baseado naquilo que o processo continha, e não pode ser diferente. O juiz quando forma sua convicção, ele analisa os argumentos do Ministério Público, que em princípio formula a acusação, ouve os argumentos que os advogados e a defesa apresentam, no sentido de defender quem está sendo acusado, e nesse entrechoque de posições o juiz analisa o conjunto de provas que existem nos autos e forma sua convicção, no sentido de reconhecer a razão a um outro lado. Nesse caso em particular, formou-se o juízo condenatório em função das pessoas que estavam sendo acusadas, em razão de todas as provas que existiam nos autos.

Como o senhor vê a decisão da 8ª turma, de confirmação dessa sentença, mesmo após o STF ter mudado o entendimento sobre a sequência da apresentação de alegações finais pelos acusados? 
Considera que houve um tipo de enfrentamento por parte do TRF4 em relação ao órgão superior?
 Na realidade, o Supremo Tribunal Federal havia tomado uma decisão próximo a data desse julgamento, enfrentando um processo envolvendo uma terceira pessoa. E nessa oportunidade, a maioria dos ministros entendeu que deveria ser observado um outro procedimento, uma nova ordem de apresentação dessas alegações finais. Mas, no final desse julgamento do Supremo Tribunal Federal, o ministro presidente [Dias Toffoli] anunciou que seria feita uma determinada modulação dos efeitos dessa decisão.

Acontece que essa modulação até o determinado momento não ocorreu. Enquanto não houver essa modulação, todos os tribunais do país podem decidir como entender de direito e foi o que aconteceu no dia 27 [de novembro, no TRF4]. Os desembargadores, a respeito dessa específica questão jurídica, entenderam que não estava demonstrado o prejuízo para um dos acusados. Como Supremo Tribunal Federal não havia delimitado a forma como seriam feitos esses julgamentos, os desembargadores no dia 27 agiram com absoluta autonomia e liberdade. Eu não vejo no que isso possa ser considerado como uma afronta, uma provocação ao Supremo Tribunal Federal.

Antes de assumir a presidência do TRF4, o senhor atuou em diversos julgamentos envolvendo processos da operação Lava Jato. 
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o senhor declarou que em cinco anos nunca ouviu um advogado envolvido em casos da operação defendendo a inocência do cliente no mérito. 
Por que? 
O que isso diz sobre o nosso sistema?
Ao longo desses anos na operação Lava Jato, o tribunal, no caso a 8.ª turma, se debruçou com recursos chamados habeas corpus. Tiveram outros recursos, mas na grande generalidade dos casos foram habeas corpus. E habeas corpus é um instrumento jurídico que não permite uma defesa mais aprofundada. Sem embargo disso, o habeas corpus permite uma defesa, por exemplo, específica relativamente a você dizer que o seu cliente não tem responsabilidade sobre aquilo de que ele está sendo acusado. Mas ao longo desses quatro, cinco anos, esses habeas corpus nunca giraram em torno disso especificamente. Sempre se detiveram em aspectos de forma das ações, nulidades, arguições de impedimentos, ou seja, questões periféricas. O cerne da questão, o âmago da questão, da responsabilidade de quem é acusado, nunca foi objeto de contestação ao longo desses anos. Mais recentemente, sim, o tribunal está julgando agora as apelações criminais.

Então, naturalmente apelação é um recurso em que a controvérsia é examinada profundamente. Agora sim os advogados se viram, digamos assim, obrigados a enfrentar também esses aspectos. Mas já poderia tê-lo feito antes. Talvez tenha sido uma estratégia, eu não sei, eu não entro nesse debate. Mas o fato é que, a grosso modo, nunca se disse que alguém teria sido inocentemente, injustamente, acusado. Poderiam tê-lo feito então. Na realidade, a operação Lava Jato se muniu de um conjunto de elementos, reuniu um conjunto de evidências que provavelmente dissuadiu os advogados de usarem essa tese.

Ou seja, isso demonstra que o trabalho de todos aqueles profissionais que se envolveram na denominada força-tarefa Receita Federal, Controladoria-Geral da União, Advocacia da União, Ministério Público Federal, Polícia Federal – foi um trabalho compartilhado de todas aquelas pessoas que compõem o que eu chamo, e muita gente chama, de sistema de integridade. Isso põe por terra a afirmação de que a operação Lava Jato queria prejudicar A ou B. Não houve isso, nunca houve isso. Sempre foi um trabalho bem feito, sólido, tanto sólido que nunca foi objeto de contestação mais aprofundada.

O senhor considera a Lava Jato um marco para o Judiciário brasileiro?
Eu considero que a operação Lava Jato foi uma ruptura de paradigma. Se nós consideramos que, até 2013, as outras operações policiais que foram realizadas, e tiveram várias, sempre esbarraram em problemas que nos tribunais superiores foram reconhecidos de modo a anulá-las – a Castelo de Areia, Hidra e várias operações –, o que há de novo na operação Lava Jato? Esses profissionais que falei há pouco, lá em 2013, conheciam essas decisões. Em conhecendo o que se decidir, eles se prepararam. Eles olharam: ‘Olha mas não podemos agir dessa forma porque isso os tribunais dizem que está errado. Nós não podemos fazer isso, porque isso tribunais dizem que é insuficiente. Nós não podemos fazer assim, porque isso os tribunais dizem que está errado. Vamos consertar isso.’

E fizeram isso: foram afastando essas lacunas, essas falhas, que eram reconhecidas, de modo que criaram uma forma de trabalho, um método de trabalho. Eu não gosto de usar o juridiquês, mas em Direito nós chamamos modus operandi: encontrar um método de trabalho que afastava todas essas deficiências, que até então vitimavam e anulavam mais investigações. Essa é a receita do sucesso da operação Lava Jato. Eles foram previdentes: se deram conta de tudo o que havia de errado até então, procuraram evitar esses mesmos erros e fizeram um trabalho consequente. Tanto é que nós estamos esses anos todos aí investigando fatos que não são do dia a dia. São fatos de certa forma complexos, porque envolvem a maior empresa petrolífera do país.

Qual sua avaliação sobre a questão do suposto plágio na sentença de primeira instância do sítio de Atibaia?
Essa expressão “copia e cola” está descontextualizada. O público que estiver nos ouvindo, se eventualmente tiver feito mestrado, doutorado ou algum trabalho acadêmico, sabe do que nós vamos falar. Na realidade, é uma estratégia para todo profissional que trabalha com texto fazer o que chamamos de fichamento. A medida em que você vai estudando, você vai separando matérias, você vai fazer um fichamento para num dado momento reunir todo esse material e elaborar seu texto.

No caso concreto, me parece que foi exatamente do que se trata. Ou seja: a juíza Gabriela Hardt tinha uma estrutura de uma sentença, de certa forma delineada no caso paradigma, e essa sentença havia sido feita pelo então juiz Sergio Moro. Ela muito provavelmente tomando como paradigma essa estrutura da sentença procurou adaptar a essa estrutura questões relativas àquele caso que ela estava tratando. E por uma desatenção, creio eu, constou uma locução se referindo ao apartamento, que seria o processo do tríplex, no processo em julgamento, que era do sítio de Atibaia. Agora, daí se dizer por esse fato absolutamente involuntário que houve uma cópia de uma sentença do doutor Moro vai uma longa distância. Quem é professor sabe qual é a técnica de um bom estudante. Ninguém larga do zero: a gente vai reunir elementos, num dado momento a gente reúne e chega ao trabalho final.

Exatamente por isso, que você mencionou agora há pouco, doutor Moro foi questionado por isso. Eu me lembro, uma vez, um advogado entrou com um recurso questionando a rapidez com que o doutor Moro decidia, como se houvesse um Direito a demorar para decidir. Mas o advogado se insurgia: “mas como é que esse juiz julga tão rápido? Não é ele que julga, alguém faz a sentença para ele”. Mas doutor Moro é doutor em Direito, ou seja, ele sabe como se trabalha. Ele vinha pouco a pouco preparando sentença, ia tomando anotações e num dado momento, esgotável a instrução criminal, ele tinha a sentença pronta. Não demorava, diferente de outros juízes que não fazem isso, e quando acaba a instrução largam do zero. Consequentemente vão demorar mais. É uma técnica de trabalho, um método de trabalho, então não vejo nada de extraordinário nisso.

Qual a sua opinião sobre o pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, feito pela defesa do ex-presidente Lula, com base nos diálogos divulgados pelo site The Intercept?
 Eu já tive oportunidade de falar sobre isso. O Supremo Tribunal Federal, no episódio de Joesley Batista, em que ele gravou o presidente Michel Temer, no dia em que foi anunciado aquela gravação veio a público dizer: “isso é irregular, isso é ilegal. Bota aquela fita no lixo porque aquilo não vale nada”. Discutiu-se meses a fio a respeito daquela gravação realizada por Joesley Batista.

O que é diferente entre o episódio Joesley Batista e o episódio envolvendo esse site que vem divulgando essas notícias? Joesley Batista estava conversando com o presidente Michel Temer, era um dos interlocutores da conversa. Se eu e você estamos conversando e eu ligo meu celular na função gravação, eu posso amanhã divulgar o áudio porque sou eu que estou conversando com você. E você pode fazer o mesmo, porque nós dois estamos conversando. Ou seja, os participantes da conversação podem mutualmente se gravar e não há nada de ilegal nisso – é até uma defesa sua ou minha. No episódio do Intercept, diferentemente, um terceiro grampeou as conversações que se estabeleciam no aplicativo em questão. Nós sabemos que foi um terceiro que fez isso aí. Isso se chama grampo e grampo, para nós, é ilegal – quem disse isso foi o Supremo Tribunal Federal.

Então, na realidade, o Supremo tem um problema para resolver:
como é que ele vai considerar essas mensagens obtidas pelo site Intercept se elas partem de um grampo? 
Em Direito, nós dissemos que prova nula não gera prova válida. O que é nulo é nulo, tem que ser tornado sem efeito. Eu diria a você que nós estamos diante de uma ilicitude e é bom que o Supremo pense a respeito quando vier a decidir, porque caso ele opte por alterar a sua jurisprudência, ele terá que resolver um grande problema. Amanhã, eu posso gravar o seu celular sem a sua autorização e espalhar para quem quer que seja. Mas, temos que respeitar a privacidade dos outros. Quando eu quero invadir a sua privacidade, eu tenho que pedir ao juiz para dar uma autorização. Nesse caso, o que houve foi um grampo e grampo, para mim, é ilegal.

Como o senhor avalia a recente decisão do STF que proíbe a prisão depois do julgamento de segunda instância?
 O Supremo Tribunal Federal havia decidido essa questão pela primeira vez em 2009. Em 2009, os ministros que compunham o Supremo na época entenderam que a prisão só poderia se dar após o último dos recursos possíveis. Em 2016, ele voltou a examinar o tema e nessa oportunidade, por sete votos a quatro, passou a entender que a prisão poderia se dar já a partir do julgamento de segunda instância. A questão estava superada, no intervalo de sete anos entre uma decisão e outra, estava superada. Em decorrência da decisão de 2016, o nosso tribunal, o TRF4, aprovou a denominada súmula 122. E, doravante, sempre que houvesse uma decisão em segundo grau, não sujeita a qualquer recurso com efeito suspensivo, se dava o cumprimento da pena. E vários tribunais agiram da mesma forma.

Agora no último julgamento, ou seja, dois anos e alguma coisa depois, quase três anos, o Supremo resolveu reabrir essa discussão. Perceba: não há nenhum problema que um juiz revise o seu ponto de vista. As pessoas evoluem, as pessoas alteram as suas compreensões. Mas, eu acredito que esse último julgamento, ele não estava maduro para acontecer. E a prova disso: o tribunal é composto por 11 ministros – cinco se mantiveram fiéis a decisão de 2009 e cinco fiéis a decisão de 2016. Como o tribunal é composto por 11 ministros, o presidente tinha que dar o voto de desempate. Teoricamente, quando você tem cinco para um lado, cinco para o outro, o desempate ou adere a uma posição ou outra, mas o presidente saiu por uma terceira via. O presidente disse assim: ‘não, essa questão não é de natureza constitucional. Isso é um problema do Congresso’. E daí começou a confusão.

Hoje, nós temos alguns deputados e senadores entendendo que tem que ser feito um projeto de lei para alterar o Código de Processo Penal, no artigo 283. E outros deputados e senadores entendendo que tem que ser feita uma proposta de emenda à Constituição para alterar o artigo 5.°. Durma-se com um barulho desse, não é? Essa questão está entregue pelo voto do ministro presidente do Supremo Tribunal Federal ao Congresso Nacional. Nós já recebemos habeas corpus da ministra Cármen Lúcia, por exemplo, mandando colocar em liberdade todos os presos que desde a aprovação da nossa súmula 122 estão cumprindo pena. Nós já demos cumprimento a essa decisão e isso está acontecendo em vários tribunais do país. O Congresso Nacional tem que tomar uma decisão: ou bem ele altera o Código de Processo Penal ou bem ele altera a Constituição. É esse o estado da arte, digamos assim.

O senhor acha que é esse o caminho mais correto ou definitivo, a via legislativa?
Na realidade, quem pode garantir que se o Congresso Nacional vier alterar o Código de Processo Penal não haverá um novo questionamento no Supremo e o tribunal novamente se divida como se dividiu? Porque o grande debate está, a meu juízo parece, no artigo 5º da Constituição, a devida interpretação a ser dada ao artigo quinto. E essa interpretação não pode ser feita isoladamente ao que prevê os artigos 102 e 105 da Constituição – são três artigos da Constituição. “Ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória”. O artigo não diz ninguém poderá ser preso, diz ninguém será culpado. O artigo 102 e o artigo 105, cada um respectivamente, estabelecem recurso extraordinário, é dirigido ao Supremo, recurso especial, é dirigido ao STJ, não se presta reexame de prova. Esse é o debate.

Se os tribunais superiores, ordinariamente, não reexaminam provas, a prova se esgota com a decisão de segundo grau. Se a prova se esgota com a decisão de segundo grau, é no segundo grau que se reconhece se alguém é culpado ou não. Então, esse é o grande debate. Ou seja: por que aguardar o último recurso se esses recursos não examinam prova? Me parece que pode o Congresso Nacional alterar o Código Processo Penal, mas, amanhã ou depois, nós poderíamos ter um quarto julgamento para novamente enfrentar essa questão. O bom seria que pacificasse.

Decisões da Justiça vêm sendo mais questionadas pela população e há um debate sobre a insegurança jurídica gerada por algumas delas. Qual sua opinião?
 É natural que, de tempo em tempo, as questões sejam reexaminadas. Não há nada de errado nisso. O que me parece importante é tentar entender o porquê isso acontece. Tem várias razões: razões sociológicas, antropológicas, filosóficas, tem várias questões. Mas, talvez, uma delas esteja em certa parte na nossa Constituição. A nossa Constituição é um diploma muito extenso. Em 1988, o ano da Assembleia Nacional Constituinte, os deputados e senadores que participaram daquela Assembleia chegaram à conclusão de que algumas questões deveriam ficar abertas, não poderiam ser fechadas. É por isso que se diz que a nossa Constituição é uma Constituição aberta.

Toda Constituição aberta, que não é clara em sua redação, abre uma grande margem de interpretação. E a interpretação da Constituição no nosso modelo é assegurada a todo e qualquer juiz desse país – desde o juiz mais novo, com um minuto de carreira, até o ministro do Supremo mais antigo. Todo e qualquer juiz nesse país pode decidir sobre a interpretação da Constituição.

É óbvio que quando o Supremo Tribunal Federal decide, a expectativa é que a decisão dele sinalize, oriente, todas as outras instâncias. Mas o que nós temos visto, e você há de convir comigo, é que as últimas decisões do Supremo decidem, mas não decidem. A Corte chega a uma conclusão, mas na hora de enunciar essa conclusão, na hora de proclamar, fica para um segundo momento. Ou seja, está havendo um debate muito grande dentro da própria Suprema Corte. Eu acredito que a hora que esse debate na Suprema Corte se pacificar, todo o poder Judiciário por tabela, vamos dizer assim, vai alcançar uma maior pacificação.

Na sua opinião, a pressão popular influencia o comportamento do Judiciário brasileiro?
Eu acredito que em função desse conteúdo acentuadamente vago da nossa Constituição, no Brasil se tornou corriqueiro se debater. Alguns chamam isso de polarização. Na realidade, existe um grande esgarçamento na sociedade, alguns chamam de discurso de ódio. As pessoas entram numa rede social, estabelecem discussões sem fim, que ninguém sabe como começou e nem como vai terminar de debater.

As pessoas debaterem faz parte, é do dia a dia. As pessoas irem para rua reivindicar é uma expressão da cidadania. É bom, isso é bom. Mas seria melhor se as pessoas fossem para rua com um objetivo. Porque, senão, fica uma manifestação sem rumo e com o tempo isso enfraquece essa manifestação. As pessoas cansam.

O brasileiro é um cidadão que com o tempo ele se desinteressa por algumas coisas, ele tem fases: hoje eu vou focar nisso, amanhã eu vou focar naquilo. E de galho em galho, as pessoas vão mudando e a vida segue. Mas, quando se envolve uma manifestação, uma expressão da cidadania, isso é uma coisa importante. Eu penso que essas reivindicações têm que ter foco, objetivo. E para isso, você tem que ter um debate prévio.

Na realidade, nós temos que aprimorar o funcionamento das instituições de modo que as pessoas tenham essa oportunidade do debate prévio, porque senão fica debater por debater. Ou seja: colégio, universidades, família, sociedade, empresas, política... A política não precisa ser necessariamente execrada, a política é boa, por isso que faz parte da sociedade, constrói a sociedade. Temos que apostar em bons políticos. O sistema está passando por um processo de reoxigenação, então quando se fala também no Judiciário é porque o Judiciário também tem a sua mea culpa.

O discurso jurídico, o nosso jargão jurídico é muito fechado, é muito hermético. É um juridiquês. Nós, juízes, temos que aprender a nos comunicar para a sociedade. Nós temos que falar de uma forma que as pessoas entendam sobre o que nós estamos falando. A partir do momento em que o Judiciário fizer isso, que a política fizer isso, que a empresa fizer isso, que na academia, na universidade, os professores fizerem isso as pessoas vão entender melhor as coisas e daí o diálogo vai fluir. Discordar do outro nunca foi um problema. Mas você tem que saber do que você está discordando e porque você está discordando.

Gazeta do Povo, República - Vídeo da entrevista



quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Instintos primitivos - O Globo

Bernardo Mello Franco 

RETÓRICA DE AMEAÇA

Crise no Chile mexe com instintos primitivos do bolsonarismo

O presidente Jair Bolsonaro ao chegar a Riade, na Arábia Saudita
O presidente Jair Bolsonaro ao chegar a Riad, na Arábia Saudita | José Dias/PR
As manifestações no Chile mexeram com os instintos mais primitivos do bolsonarismo. Em visita à China, o presidente Jair definiu os protestos como “atos terroristas”. Dias antes, no Japão, chamou de “bárbaros” os chilenos que tomaram as ruas contra o aumento do custo de vida e a piora dos serviços públicos.

O governo de Sebastián Piñera respondeu ao início da crise com uma repressão brutal. Pôs o Exército nas ruas e ressuscitou o toque de recolher da ditadura Pinochet. Depois de 20 mortos e mais de uma centenas de feridos, o presidente decidiu recuar. Pediu desculpas à população, recolheu a tropa e anunciou reformas sociais. Em pronunciamento na TV, o conservador Piñera admitiu que os chilenos têm motivos para reclamar. Disse que as últimas gestões, incluindo as dele, não foram capazes de perceber a insatisfação popular. “Reconheço e peço perdão por essa falta de visão”, penitenciou-se.

O mea culpa não parece ter convencido o governo brasileiro. Segundo Bolsonaro, os protestos no Chile fariam parte de um complô de partidos de esquerda da América Latina. “A intenção deles é atacar os EUA e se autoajudarem”, acusou. A tese conspiratória foi endossada pelo ministro Augusto Heleno, que falou num conluio da “esquerda radical” para “conturbar a vida”, “tentar retornar ao poder de qualquer maneira e nos jogar no abismo”.

Nos últimos dias, Bolsonaro levantou ao menos três vezes a hipótese de convocar as Forças Armadas para reprimir protestos até agora inexistentes no Brasil. Ele tem falado repetidamente em acionar o artigo 142 da Constituição, que permite convocar as tropas para a garantia “da lei e da ordem”. Nas redes sociais, militantes bolsonaristas evocam o mesmo artigo em defesa de uma “intervenção militar” no país. [o objetivo de parte da imprensa é realmente atacar o presidente Bolsonaro.
Este parágrafo é um exemplo bem esclarecedor:
- se o presidente Bolsonaro, no calor de uma entrevista, fala em adotar alguma medida que possa ser considerada inconstitucional, em um exame superficial, logo começam a pensar em seu impeachment, prisão, etc;
- se o presidente Bolsonaro em pleno exercício de seu mandato - conferido por quase 60.000.000 de votos, considera a hipótese, legítima e constitucional e, se necessário,  do uso de tropas das FF AA para manutenção da lei e da ordem, imediatamente é acusado.
Assim, fica dificil governar e manter um clima de ordem e de respeito às leis.].
Ontem o deputado Eduardo Bolsonaro escancarou o tom de ameaça. Na Câmara, ele disse que os oposicionistas “vão querer repetir no Brasil o que tá acontecendo no Chile”. “Não vamos deixar isso aí vir pra cá. Se vier pra cá, vai ter que se ver com a polícia. E se eles começarem a radicalizar do lado de lá, a gente vai ver a História se repetir. Aí é que eu quero ver como é que a banda vai tocar”, desafiou. Deixou a tribuna sob vaias e gritos de “golpista”.

Bernardo Mello Franco, colunista - O Globo