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segunda-feira, 8 de abril de 2019

Os sete tiros de fuzil do presidente


A guerra das armas e das ideologias de um caçador de conflitos 


O presidente Jair Messias Bolsonaro quis fazer uma exibição de tiro de fuzil durante sua recente e polêmica visita a Israel. Segundo o ministro da Segurança daquele país, o hóspede de honra brasileiro “acertou no alvo sete tiros de longo alcance”. Não sei por que quis destacar que os disparos de Bolsonaro, que deram no alvo, foram sete. É um número, de fato, mágico desde tempos antigos, mas nunca foi um número de destruição e morte. Para Pitágoras, era o número perfeito. Roma foi edificada sobre sete colinas. Sete são as fases da lua, e sete os dias da semana.

Das sete maravilhas do mundo aos sete pecados capitais, dir-se-ia que esse número entranha um poder oculto. Também na Bíblia, o número sete domina os acontecimentos mais importantes da história de Israel. Deus descansa no sétimo dia depois de ter criado o mundo. O candelabro do templo tinha sete braços, e Salomão construiu o templo em sete anos. E sete são os selos do Apocalipse. Os sete tiros de fuzil de Bolsonaro em Israel, que atingiram o alvo a longa distância com precisão, podem ser vistos como símbolo da polêmica presidência do mandatário brasileiro. Se o presidente tivesse querido fazer honra ao bíblico número sete, poderia ter escolhido outros campos para prestigiá-lo, em vez do gesto bélico de disparar um fuzil sete vezes.
Sete poderiam ser outros tantos projetos do presidente para transformar o Brasil, para devolver-lhe vitalidade econômica e a ilusão de uma convivência pacífica que supere ódios e discórdias. Poderiam ter sido sete anúncios de outras tantas decisões capazes de entusiasmar um país encolhido e dilacerado após tantas frustrações com seus governantes. Poderia ter pedido em Israel, terra bíblica, um projeto para reunificar judeus e palestinos em um novo horizonte de diálogo e de paz, algo que desejam sobretudo as novas gerações de ambos os lados. Poderia naquele pedacinho de terra carregado de historia milenar ter soltado sete pombas da paz, em vez de disparar uma arma que evoca guerra e destruição.
O mundo dos símbolos é antigo como o Homo Sapiens. A Humanidade se comunica de muitas formas, das palavras e da escrita aos gestos da linguagem não-verbal. Bolsonaro, desde a época da campanha eleitoral, nos revelou a evidência de sua predileção pela linguagem explícita das armas. Já fazem parte da mitologia seus gestos com as mãos imitando os tiros de um revólver. Gesto que quis ensinar a uma menina de cinco anos, profanando sua mão ainda inocente.
Em sua emblemática visita a Israel, talvez não tenha sido apenas coincidência que o presidente brasileiro, nostálgico de ditaduras e torturas, quisesse, em vez de gestos de paz e de distensão mundial, em um pedaço do mundo que é um barril de pólvora sempre pronto a explodir, fazer uma exibição simbólica de sua grande pontaria militar. Esses disparos servirão para abrir um grande diálogo com todos os brasileiros que preferem a paz à batalha, ou o impedirão de ser presidente de todos para se limitar àqueles que, como ele, têm sonhos cheios de violência e vingança?
A significativa e polêmica viagem de Bolsonaro a Israel continuará tendo consequências em seu destino como presidente da República no Brasil. Enquanto os brasileiros condenavam [alguns brasileiros, felizmente uma minoria cuja tendencia é minguar cada vez mais.]  aqui a ditadura em seu 55º aniversário, o presidente se divertia em Israel em uma exibição de tiros de fuzil, sem que ninguém visse uma fugidia pomba de paz voar sobre sua cabeça.
A guerra, a das armas e das ideologias, é a grama que melhor parece crescer nesse jardim sombrio do capitão reformado caçador de conflitos. Em Jerusalém, antes de deixar Israel, o mandatário brasileiro quis deixar plantada uma nova espécie maligna. Afirmou, sem tremer a voz, que “o nazismo era de esquerda”. O Holocausto também? Bolsonaro e suas milícias do Governo, sempre em pé de guerra contra a evidência da História, passarão, e a realidade brasileira ressuscitará. Se o presidente alardeia ter adotado como lema as palavras do Evangelho de João: “A verdade vos libertará” (Jo 8,31ss), o que estamos vendo, ao contrário, é que a sua verdade, vendada e negada pela ideologia, o está deixando cego.

Demetrio Magnoli - O Globo
 

domingo, 17 de abril de 2016

Os pecados que levaram Dilma ao inferno político

Veja os 'sete pecados na capital' que levaram Dilma ao inferno político 

Dilma Rousseff (PT) chegou às portas de um inferno político que o Brasil acreditava terem sido cerradas com o impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992.  A presidente, que segundo as contas do mundo político poderá ter a abertura do pedido de impedimento aceita neste domingo (17) pela Câmara, costuma colecionar culpados pela debacle de seu governo.

Ora ela culpa a imprensa, ora a oposição. Mais recentemente, seu alvo é o vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), a quem acusa abertamente de ser golpista, já que vem articulando a formação de um eventual governo caso Dilma seja impedida. Se adversários se aproveitaram de suas falhas, isso é da dinâmica da política, mas Dilma e o PT de Lula construíram aos poucos os erros que levaram à ruína política sobre a qual se debatem agora.

A tradição católica estabeleceu, quando o papa Gregório 1º organizou em 590 uma lista do monge grego Evágrio do Ponto (345-399), sete pecados capitais que levam a humanidade à danação. Santo Tomás de Aquino e o escritor Dante Alighieri popularizaram o conceito.

A Folha elencou sete aspectos que levaram o governo petista à lona, correlacionados com os pecados mortais dos quais mais se aproximam (veja abaixo a lista).

Acima de todos eles está a soberba, que permeia os demais. O temperamento difícil e a falta de urbanidade política de Dilma cobraram um preço alto ao fim.  Enquanto ela era a "faxineira" da corrupção e a "gerentona" no seu primeiro mandato, imagem que bem ou mal durou até a eleição de 2014, ela colecionou desafetos. Sua inapetência para a política congressual é notória. O troco veio agora.

O fator estrutural mais importante, contudo, é a ruína econômica. Dificilmente estaria sendo discutido o impeachment se o país estivesse bem das pernas. Não está muito por causa do pecado da preguiça do governo em não aceitar a realidade.  Em vez de ouvir alertas, o Planalto acelerou uma política iniciada por Lula em 2010 de populismo econômico.

Erros se sucederam. A "Nova Matriz Econômica" com suas desonerações, juros artificiais e irresponsabilidade fiscal, as pedaladas que geraram o fato frio do impeachment, a política de preços do setor elétrico e a gestão ruinosa da Petrobras – mais que a corrupção, foram ordens erradas que ajudaram a quase quebrar a petroleira e sua enorme cadeia econômica.
O ano de 2015 foi perdido com a tentativa malfadada de ajuste fiscal capitaneada por Joaquim Levy. Acabou com o pagamento do "papagaio" das pedaladas, quase uma admissão de culpa. O aumento do desemprego coroou a queda final junto aos poderosos da economia.

Outros pecados são identificáveis: a gula da corrupção identificada pela Operação Lava Jato, a avareza ao se apegar a conceitos antigos em vez de tentar entender o recado das ruas nos protestos de 2013, a luxuriante propaganda eleitoral de 2014. Por fim, o ex-aliado PMDB está em dois erros mortais. Primeiro, estabelecer uma relação de ira com Eduardo Cunha, o colérico e enrolado presidente da Câmara.

Segundo, a inveja final de ver Michel Temer emergir da condição de "vice decorativo" para a de potencial herdeiro do reino petista.

SOBERBA

A Presidente
A falta de tato político e o temperamento irascível de Dilma fazem parte do folclore de Brasília. Mas o que era quase anedótico virou centro de quase todas as reclamações de aliados, agora tornado inimigos. Além disso, práticas de governo acabaram contaminadas pelo mau humor da chefe, com subordinados agindo de forma burocrática por medo de broncas. A soberba nas relações com aqueles que deviam apoiá-la levou Dilma a um isolamento fatal, tendo de ser socorrida no último momento e sem eficácia certa por Lula

PREGUIÇA
Economia
A falta de vontade de ler a realidade levou o governo a cometer erros fatais na condução da economia. Populismo, gestão falha na Petrobras e outros fatores levaram o país à maior recessão de sua história e a um cenário no qual inflação alta para os padrões pós-real e queda da atividade conviveram. Tudo encabeçado pelo desemprego em alta, enterrando o último ponto de venda do governo junto à população, em especial os estratos menos favorecidos. Com tudo isso, o apoio entre os poderosos do PIB esfarelou-se

LUXÚRIA
Estelionato
A volúpia com a qual o Planalto se lançou à mentira pura e simples na campanha eleitoral de 2014 cobrou o preço. Como no caso da corrupção, não se trata de algo inédito na forma, mas sim na intensidade e sofisticação. Ao demonizar adversários ao extremo, a campanha de Dilma ajudou a lançar as bases para o radicalismo que se vê em manifestações contra o governo. O exemplo mais simples é o da economia: enquanto acusava tucanos de planejar um arrocho, o Planalto teve de adotá-lo – ainda que só nominalmente

AVAREZA
Cegueira em 2013

Os protestos de junho de 2013 nunca foram lidos corretamente pelo poder estabelecido. A avareza, não só mas principalmente pela União, de se apegar às respostas tradicionais, como o lançamento de pacotes e a sugestão de reforma política nunca plenamente abraçada pelo governo, falhou em compreender o recado das ruas. Se o movimento refluiu depois que elementos radicais como os adeptos do black bloc provocaram distúrbios, a ojeriza da antipolítica estabeleceu-se como parte central das manifestações após 2014

INVEJA
                                                                                                                                           Temer e PMDB                                                                                                                         Enquanto tinha poder quase imperial, até junho de 2013, Dilma tratou o PMDB a pão e água. Seu vice acumulou rancores, explicitados na famosa carta de rompimento do fim de 2015, quando assumiu a alcunha de "decorativo". Líderes do partido foram maltratados, e depois da reeleição novos aliados foram adulados, como o PSD. Isso formou um caldo de vingança contra a presidente, de difícil deglutição neste momento. O resultado está aí, com Michel Temer articulando abertamente a sucessão da presidente

IRA
Eduardo Cunha
Dilma apostou tudo contra o peemedebista, com quem já vivia brigando. Lançou um candidato contra Cunha e perdeu a eleição na Câmara, estabelecendo as premissas para o período em que a Casa ditou o ritmo da aprovação de leis no Brasil pela primeira vez em décadas. Após ter sido alvejado pela Lava Jato, Cunha tornou-se ainda mais perigoso para o Planalto, já que comandou com obstinação movimentos para atrapalhar o governo e, agora, para guiar o processo de impeachment da presidente com a oposição a tiracolo

GULA
Corrupção

Se a corrupção é um fenômeno usual da história política brasileira, a magnitude relevada pela Operação Lava Jato a partir de 2014 supera qualquer registro até aqui. A gula foi insaciável. Isso manchou de vez a imagem já conspurcada do PT e do governo –ainda que aliados e até oposicionistas estejam na mira da ação, é o PT que tinha a chave do cofre durante os malfeitos desvendados. Para complicar a vida de Dilma, além de sua campanha estar sob investigação, a Lava Jato chegou também à figura de seu mentor, Lula

Fonte: Folha de São Paulo