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domingo, 6 de dezembro de 2020

Para exigir minha Bolsa Ditadura, só falta perder a vergonha - Revista Oeste

Augusto Nunes

Quatro dias de cadeia na Aeronáutica me impediram de ser ministro do Supremo

Sentado numa mesa do bar em frente da Faculdade Nacional de Direito, com vista para o Campo de Santana, eu festejava no meio da tarde de 12 de agosto de 1969 o reencontro com a namorada. Sônia saíra de circulação havia um mês, ao saber que tivera decretada a prisão preventiva. Naquela manhã, ela me avisara que a ordem de prisão fora revogada e que apareceria no lugar de sempre na hora do almoço. Nem desconfiamos que aquilo era um blefe, forjado por policiais encarregados da captura da primeira-secretária do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, o CACO Livre. Também eleito terceiro-vice-presidente no ano anterior, eu acabara virando presidente interino porque também o primeiro-vice e o segundo-vice entraram na mira dos defensores da lei e da ordem.

Passeamos algum tempo pelos corredores do prédio que alojara o Senado do Império, conversando sobre o que fazer com o centro acadêmico despovoado pelas circunstâncias. Interessado em tratar de urgências mais excitantes, sugeri que voltássemos ao bar. Eu tinha 19 anos, um copo de chope na mão e, com o fim do sumiço de Sônia, muitas ideias lascivas na cabeça. Já saboreava mentalmente outra noite de pecados quando a mão do destino tocou meu ombro esquerdo para avisar que o castigo chegara primeiro: “Polícia”, resumiu um dos quatro homens repentinamente hasteados em torno da mesa. Nem precisava dizer, pensei ao contemplar os paletós compridos demais e apertados demais. Os sherloques brasileiros sempre se acham mais altos e menos gordos do que efetivamente são. Assim, o ofício que exercem é escancarado por botões explodindo nos subúrbios da barriga e pelo sopé do paletó roçando os joelhos.

Só bem mais tarde eu saberia que eles haviam baixado na faculdade em busca da secretária do CACO. Entenderam que não seria má ideia levar-me como brinde depois de descobrirem que o moço ao lado da perigosa procurada também era um comunista infiltrado no movimento estudantil. Separados, embarcamos em fuscas disfarçados de táxis que estacionaram na sede da Polícia Militar na Rua Frei Caneca, no antigo centro do Rio. Não houve a sonhada noite de luxúria: o que houve foi um interrogatório de oito horas, ao fim das quais fomos transferidos para as dependências da Aeronáutica no Aeroporto Santos Dumont. Na traseira do camburão, Sônia sussurrou-me o lembrete: sempre que perguntassem quem era meu chefe na célula do partido, deveria recitar o nome de algum diretor já engaiolado do centro acadêmico.

Em 14 de agosto, depois de mais dois interrogatórios de oito horas, fomos instalados em pequenas salas de diferentes alas do prédio da Aeronáutica na Base Aérea do Galeão. Fui solto no começo da noite de 16 de agosto (depois de mais dois interrogatórios de oito horas cada um). Sônia ficaria presa 17 dias. “Vou cair na clandestinidade”, contou-me num encontro noturno no Outeiro da Glória. Novamente capturada meses mais tarde, integrou o grupo de militantes libertados por exigência dos sequestradores do embaixador da Alemanha, exilou-se até a decretação da anistia e hoje vive no Rio. Nunca mais voltei a vê-la.

Essa história vale ou não vale uma Bolsa Ditadura? Se muita gente que só ficou presa em congestionamento de trânsito virou bolsista, quatro dias de cadeia no inverno de 1969 merecem uma obesa reparação em dinheiro vivo e uma mesada perpétua calculada com base no que eu poderia ter sido e não fui. Sempre penso nisso ao recordar meus derradeiros minutos no cárcere. Antes de ordenar-me que desse o fora com a mesma roupa com que ali chegara, o major que conduziu o último interrogatório no Galeão releu sem pressa as anotações na minha ficha, empunhou um gordo lápis vermelho e enfeitou a primeira página com a palavra em letras graúdas: COMUNISTA. Procure esse papel, costuma soprar meu lado escuro sempre que ouve o apito do trem pagador pilotado pela Comissão de Anistia. Aquela anotação pode garantir-me a dianteira na fila dos pedintes.

Sim, não fui submetido a sessões de tortura. Mas fiquei horas a fio de cócoras, mãos algemadas sob as pernas, ouvindo perguntas tediosas e insinuações redundantes feito letra de samba-enredo. É verdade que meio mundo viveu experiências parecidas. É verdade que nove em dez integrantes do movimento estudantil conheceram involuntariamente o silêncio imposto a presos incomunicáveis, o cheiro de animal colado ao corpo por muitas horas sem banho, a sensação de impotência absoluta, a vida suspensa no ar. Que sejam todos premiados. Os contribuintes nem vão notar que mais R$ 1 bilhão saiu pelo ralo. Nenhuma despesa é desperdício se destinada a garantir aos sócios do Clube dos Heróis da Resistência o direito a indenizações milionárias, mensalidades de bom tamanho, empregos federais e outras condecorações em dinheiro. Como ensinou Millôr Fernandes, o que parecia ideologia era investimento.

Minha mãe morreu convencida de que eu teria ido longe na vida se escapasse daquele agosto aziago. O diretor da faculdade, ao saber de tudo, avisou em dezembro que me expulsaria se não tratasse já no dia seguinte da transferência para outras paragens. Só o Mackenzie me engoliu. Não engoli o Mackenzie daquele tempo e virei jornalista. Está claro, portanto, que não pendurei na parede o diploma de bacharel em Direito porque a ditadura me transformou em perseguido político. 
Só por isso não fui advogado, juiz, desembargador, ministro de tribunais superiores e dono de uma toga do Supremo Tribunal Federal. Muita pretensão? Não é: até Dias Toffoli chegou lá. Não é pedir demais querer ser aposentado com o salário de ministro do STF. O desertor Carlos Lamarca, ex-capitão, foi promovido a general depois de morto e garantiu uma velhice tranquila à mulher que abandonou.
Argumentos tenho de sobra. Só estão faltando duas coisas.
A primeira é conseguir um advogado esperto, que justifique a comissão de 20%. 
A segunda é perder a vergonha.
 

Revista Oeste - Augusto Nunes, jornalista

 


terça-feira, 20 de agosto de 2019

Os onze – poder e soberba - Almir Pazzianotto Pinto

O Estado de S.Paulo 

Não é esse o Supremo Tribunal Federal a que a Nação aspira e a Constituição prescreve

“No Supremo, não se faz justiça quando se quer, se faz justiça quando se pode”, Ministro Moreira Alves

“De todas as nossas paixões e apetites, o amor ao poder é o de natureza mais imperiosa e insociável, pois a soberba de um homem exige a submissão da multidão.” 
A frase é do historiador Edward Gibbon (1737-1794), autor da monumental obra Declínio e Queda do Império Romano (Ed. Companhia das Letras, SP, pág. 93). Na doutrina da Igreja Católica, soberba, ira, luxúria, gula, avareza, inveja e preguiça são pecados capitais, manifestações de revolta contra Deus que provocam a destruição moral do homem e a condenação ao inferno. Segundo o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis, por soberba entende-se a manifestação ridícula e arrogante de orgulho ilegítimo, que tem como sinônimos perfeitos orgulho, presunção.

Conquanto presente na vida privada, na qual se manifesta em ridículas demonstrações de vaidade combinadas com mediocridade, a soberba é encontrada mais frequentemente na vida pública, quando se projeta de forma agressiva, sem disfarces, sob a proteção do espírito de corpo, da vitaliciedade, do mandato, da toga.  A Praça dos Três Poderes é cenário ideal para manifestações de soberba. Poucos que a habitam conseguem escapar à atração do pecado. Por lá também passaram homens e mulheres despidos de vaidade. No período em que residi em Brasília, conheci exemplos de humildade e modéstia no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Não eram muitos. A fútil sensação de estar investido do exercício do poder, e de que este é infinito no tempo e no espaço, põe a perder boas vocações para a vida pública, esquecidas de que do êxito ao exílio a distância é diminuta.

O Supremo Tribunal Federal (STF) permaneceu décadas protegido pelo manto da discrição. Enquanto esteve sediado no Rio de Janeiro (1829-1960), raros eram os brasileiros, alheios ao reduzido círculo das profissões jurídicas, que o conheciam. Nomes de ministros permaneciam ignorados pela maioria da população. Exceção feita a decisões de repercussão histórica, como as encontradas na obra do ministro Edgard Costa Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal (Ed. Civilização Brasileira, RJ, 1964), debates entre ministros e intervenções dos grandes advogados ficavam confinados às páginas do Diário da Justiça e a repertórios de jurisprudência, não reverberando entre pessoas do povo.

Livros jurídicos sobre o STF proporcionavam limitadas edições, jamais alçando à categoria dos mais vendidos. O regimento interno do tribunal era assunto de pouco interesse, sendo raros os advogados interessados em consultá-lo. O ministro Celso de Mello, decano da Corte, é autor do opúsculo Notas sobre o Supremo Tribunal (Império e República), radiografia gráfica que dá a conhecer as alterações de denominação do órgão de cúpula da Justiça brasileira. O STF já se chamou Casa de Suplicação do Brasil, instalada pelo príncipe regente dom João em 15/5/1808; Supremo Tribunal de Justiça, denominação adotada pela Constituição de 1891; Corte Suprema, nome que lhe deu a Constituição de 1934; e, finalmente, Supremo Tribunal Federal a partir da Carta Constitucional de 1937.

A vida recatada do STF sofreu brusca alteração após a promulgação da Constituição de 1988, com o advento da TV Justiça e a transmissão ao vivo das sessões. Não existem armas tão perigosas quanto o microfone e a câmera de televisão. São mais letais do que o fuzil. Presidi o Tribunal Superior do Trabalho (TST) antes da TV e da mudança para o prédio projetado por Oscar Niemeyer, destinado a disputar com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em área construída e magnificência, como são as obras do célebre arquiteto. Reconheço as diferenças.

Desde as greves de São Bernardo valorizo o poder da mídia. No exercício da liberdade de que está investida, constrói e destrói reputações no espaço de minutos. Já aposentado, foi-me concedida a oportunidade de acompanhar as transmissões dos julgamentos pelo STF e de constatar como senhoras e senhores que se deveriam resguardar sob a proteção da toga aceitaram se envolver em exibições de poder e erudição e não vacilaram nas manifestações de orgulho, rivalidade e ira.

Não sou eu quem o diz. Valho-me do livro Os Onze – O STF, seus Bastidores e suas crises(Ed. Companhia das Letras), escrito pelos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber, que põe a nu as entranhas do Supremo Tribunal com impiedosa revelação da realidade camuflada por expressões do tipo “eminente ministro” e “vossa excelência”. Reveladora é a passagem em que o ministro Edson Fachin declara que, entre advogado, professor e ministro, a diferença é “aquele paninho” ele tem “em cima das costas” (pág. 129).

Mesmo para o cético observador é cruel saber que a guarda da Constituição, promulgada sob a proteção de Deus para instituir um Estado democrático destinado a assegurar a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, como diz o Preâmbulo, está nas mãos de ministras e ministros conduzidos pela soberba. “A vitaliciedade do cargo transforma os ambientes em cápsulas da personalidade de cada ministro, os quais também impõem suas normas de estilo ao gabinete” (pág. 50). Na visão dos autores de Os Onze, o STF dos nossos dias se transformou em arquipélago de 11 ilhas incomunicáveis, ou Estados autônomos e independentes, cada um deles capaz de declarar guerra ao Estado inimigo – o colega ao lado –, fazer sua própria política externa – com os outros Poderes e pautar-se por um regramento próprio (pág. 44).

Não é esse o Supremo a que o povo aspira e a Constituição prescreve. A continuar assim, acabará por dar razão ao impetuoso deputado Eduardo Bolsonaro, que ameaçou fechá-lo com um soldado e um cabo.

O Estado de S. Paulo - Almir Pazzianotto Pinto, advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST
 
 

domingo, 5 de maio de 2019

Descarados e malevolentes

Conquanto o desejo e a luxúria fossem tratados com excessivas curiosidades, havia um cenário geral para todas as faltas: os sete pecados capitais


Deonísio da Silva
O que há por trás desta vontade de homens públicos de esconder o que são, levando-os a censurar ou ao menos controlar o que deles se diz? Esta vontade só não é maior do que a de parecer o que não são em entrevistas, declarações e outras estratégias e táticas de ocultar algumas coisas para proclamar outras.  É tão importante atuar em nome dos outros que talvez fosse recomendável aos nossos homens públicos instalar confessionários onde cada qual pudesse contar os pecados contra o público, antes de alguns poucos serem revelados por jornalistas.
Diversas religiões consolidaram usos e costumes constantes de lições ministradas há muitos séculos. Atos importantes requerem purificação prévia, como de resto toma-se um bom banho, acrescido das providências de praxe antes de qualquer convívio, cerimonioso ou privado.

Mas confessar-se a quem? A um dos pares? Neste caso, não poderia ser confissão em privado, mas confissão pública. Como começou a confissão, este ato sublime, que estabelece uma rede de confiança mútua entre confessores e confitentes? Se quebra houvesse no sigilo da confissão, seria punida com excomunhão, a mais grave das penalidades, a ponto de constituir-se num dos mais irreparáveis insultos chamar alguém de excomungado.

No início, ao formalizar os ritos da confissão, a Igreja teve alguns problemas. Foi, então, providenciada uma nova tecnologia, obra de competente e imaginoso marceneiro para atender à encomenda eclesiástica. Assim, o mesmo século que descobriu o Brasil, também descobriu o confessionário. O móvel do confessionário é um recurso estratégico do barroco e da contrarreforma, contexto histórico e artístico no qual o Brasil foi descoberto e formado.

Antes, sentado numa cadeira simples, ao lado de um banco onde estavam os fiéis, o confessor atendia os confitentes um a um. Aos cochichos, para não ser ouvido pela fila dos aguardantes, muito menos por toda a igreja, cada qual desfiava os seus pecados. Alguns acabavam por confessar também os dos outros, dadas as eficientes perguntas do manual dos confessores.

A confissão, formalizada pelo Concílio de Latrão em 1215, deixou de ser optativa e passou a obrigatória. Como nem todos os padres sabiam alugar as orelhas adequadamente, surgiram os manuais. Entre os Séculos XV e XVI, na grafia do português antigo temos o Tratado de Confissom e o Breve Memorial dos pecados e cousas que pertencem ha confissam. Quanto aos manuais, inicialmente escritos em latim, ganharam depois edições em línguas vernáculas.

Tal como se faz hoje em sistemas judiciários de todo o mundo, inclusive no Brasil, as penas eram negociadas também: “vós me contais, eu vos perdoo”, restava entredito em diálogo mudo. A Igreja fazia dos confessores seus bastantes procuradores para ouvir e repassar às autoridades, não as identificações, mas as faltas, com o fim de rever seu planejamento. Esta prática de bisbilhotagem das almas foi sempre antecedida do ato de contrição. A etimologia da palavra contrição não deixa dúvidas sobre a tarefa: mais do que espremer, consiste em triturar, apertar, fazer com a pessoa o que se faz com o trigo a fim de transformá-lo em farinha.

Cada um deveria ser o moleiro de si mesmo e preparar-se para despejar a farinha dos pecados nos ouvidos do confessor, entretanto oculto atrás de uma treliça, pequeno tapume de ripas de madeira destinadas a filtrar os pecados ditos em sussurro e a impedir o reconhecimento do pecador. Resta dizer que, conquanto o desejo e a luxúria, isto é, os pecados de sexo, fossem tratados com excessivas curiosidades, vindas de perguntas feitas por homens castos em busca de usufruir pelo menos as respostas, sobretudo de mulheres, havia um cenário geral para todas as faltas: os sete pecados capitais.

Por serem tantos, eram resumidos na sigla SALIGIA: soberba, avareza, luxúria, inveja, gula, ira e acédia. Este último pecado consolidou-se com outro nome, preguiça, em virtude de acídia ou acédia designar no grego e no latim antigos o mal-estar dos funerais, o luto imobilizante sobrevindo com a morte de alguém muito querido.  Os manuais demoravam-se em alguns pecados, mais graves do que outros. Um dos mais frequentes neste campo, ontem como hoje, era a soberba, que consiste em vangloriar-se de feitos que não são seus, em parecer o que não é, pondo-se acima dos outros, inatingível, ofendendo a Deus e ao próximo.

E assim os cronistas, ontem como hoje, ao contar as coisas como as coisas são, fazem o perfil de alguns homens públicos que tentam esconder-se de qualquer modo.
*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra



Transcrito do Blog do Augusto Nunes



quarta-feira, 11 de maio de 2016

Os pecados capitais de Dilma



A preguiça de dialogar com políticos, os surtos de ira e a soberba estão entre os erros que fizeram Dilma perder a presidência da República

Gula
Dilma emagreceu 20 quilos no período de pouco mais de um ano e emagreceu o país ao fazê-lo mergulhar na pior recessão econômica de sua história desde os anos 30 do século passado. Nem por isso deixou de atentar contra o pecado da gula.

Presidente algum, nem mesmo os da ditadura de 64, se empenhou tanto em concentrar o poder como Dilma o fez. Seu apetite era insaciável. Confiou em poucos auxiliares. E mesmo desses costumava duvidar quando lhe diziam o que não queria ouvir. “Não, você não entende de nada disso”, gritava se a opinião de um a contrariasse.  Dilma jamais inspirou ternura ou respeito entre os que a cercavam. Inspirava temor. Certa vez, de tão assustada com o que ela lhe disse, uma ministra da área social fez pipi na calça. Um executivo de empresa moderna delega poderes, estabelece metas e cobra resultados. Dilma cobrou resultados sem delegar suficientes poderes. Foi uma gerente à moda antiga e, como tal, ineficiente.  Na organização de esquerda na qual militou nos anos 70, ganhou fama como tarefeira. Fazia o que lhe mandavam. E só se distinguiu por isso.

Avareza
Ganha um fim de semana com Dilma no Palácio da Alvorada quem apontar uma dezena de pessoas alvos de elogios feitos por ela. Risque a palavra elogio do vocabulário capenga de Dilma. O que move gente, o que a leva a superar limitações, é o reconhecimento. Sem ele não se consegue desempenho acima da média. A maioria dos ministros escolhidos por Dilma destacou-se por sua mediocridade ou falta de iniciativa. Mas mesmo os que não eram medíocres, acabaram se igualando aos demais por falta de incentivo.

Fernando Haddad, atual prefeito de São Paulo, largou o Ministério da Educação. Nelson Jobim, o Ministério da Defesa para não ter que brigar com Dilma. O ex-ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, resignou-se a tocar um ministério com nomes indicados por Dilma para os cargos mais estratégicos. Aproveitou o tempo disponível para fazer negócios e se dar bem. É hoje investigado pela Lava Jato.

Luxúria
O desejo egoísta por todo o prazer corporal e material está longe de marcar o desempenho de Dilma como presidente. Mas o desejo de sentir-se superior em relação aos seus semelhantes é também uma forma de luxúria, e desse mal ela padeceu.  Enquanto foi ministra de Lula, comportou-se face a ele como uma humilde cumpridora de ordens. Uma vez, acertou-se com Geddel Vieira Lima, então ministro da Integração Nacional, sobre o trecho por onde deveria começar a transposição das águas do rio São Francisco. Depois, ela o acompanhou à uma reunião com Lula. Ouviu Geddel dissertar sobre as vantagens do trecho escolhido, mas calou-se quando Lula discordou. Então passou a defender o ponto de vista de Lula.

A necessidade de afirmação de Dilma agravou-se tão logo ela foi eleita para suceder Lula. Exigiu, a partir dali, ser tratada como “presidenta”. Jamais furtou-se a humilhar os que somente tolerava. Expulsou um general do elevador privativo do Palácio do Planalto. Fez chorar José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras. E deixou em pânico o jardineiro do Alvorada ao culpá-lo pela bicada de uma ema no cachorro que ela ganhara de presente do ex-ministro José Dirceu.

Ira
Um dos ministros do governo inicial de Dilma deu-se ao prazer de anotar os frequentes surtos de ira que a acometia. Quando já colecionava 16 episódios em dois anos, abdicou do trabalho. Os surtos haviam se banalizado. Alguns se tornaram famosos em 13 anos de governos do PT.

Dilma era ministra das Minas e Energia e recebia um deputado da oposição quando Erenice Guerra e um assessor irromperam em seu gabinete. Erenice limitou-se a estender um papel para Dilma, que depois de lê-lo, explodiu: “Esses caras estão pensando o quê? Que vão botar aqui?” – e apontou para a própria bunda. “Aqui, nem a ditatura pôs”. Tão logo Erenice e o assessor saíram, Dilma começou a gargalhar. Virou-se para o deputado e disse: “Essa gente tem de ser tratada assim”. Picou o papel e retomou a conversa. Como presidente, Dilma protagonizou o que ficaria conhecido como “A guerra dos cabides”. Irritada com a arrumação do seu guarda-roupa no Alvorada, começou a jogar cabides em Jane, a camareira. Que reagiu jogando cabides nela. Jane acabou demitida, mas depois presenteada com outro emprego em troca do seu silêncio.

Inveja
Quem se acha não inveja seus semelhantes. A não ser que reconheça que pelo menos um deles possa lhe ser superior.  A inveja de Lula responde por uma série de atritos que Dilma teve com ele, prejudicando seus governos. No primeiro, logo de saída, ela quis mostrar que não seria tolerante como Lula fora com suspeitos de corrupção. Nascia, ali, a “faxineira ética”, capaz de demitir sete ministros em menos de um ano. Nos anos seguintes, aconselhada por Lula, ela readmitiu alguns e empregou representantes dos outros para garantir apoio à sua reeleição. A faxineira ética teve vida curta.

Havia um pacto não escrito firmado por ela com Lula que permitiria o retorno dele à presidência em 2014. Dona Marisa, mulher de Lula, jamais perdoou Dilma por ter passado seu marido para trás. Dilma é mulher de confronto. Lula só confronta da boca para fora. Ela ganhou a parada, mas, por pouco, não perdeu a eleição para Aécio Neves, candidato do PSDB. Ganhou, também, a mágoa de Lula para sempre. “Eu errei, não deveria ter escolhido essa mulher”, repete ele à exaustão.

Preguiça
De dar longos expedientes, certamente não. De ler relatórios e de anotá-los, também não. De meter-se em tudo, inclusive no que não deveria, tampouco. A preguiça de Dilma, talvez a forma mais perversa de preguiça, foi de ouvir, de conversar, de trocar ideias, de conviver com pessoas.  Dilma é uma mulher solitária e atormentada por seus demônios. Amava o pai. Não se dava bem com a mãe, e ainda não se dá. Considera a filha “insuportável”, como uma vez confessou. A mãe mora com ela no Alvorada. Mas antes morava com o ex-marido de Dilma em Porto Alegre.

Quando a Câmara aprovou o impeachment, o ministro Jaques Wagner sugeriu a Dilma que telefonasse para cada um dos 137 deputados que haviam votado contra. Seria um gesto simpático. Wagner entregou a Dilma a lista dos 137 com pelo menos dois ou três números de telefone de cada um. Destacou quatro telefonistas para fazerem as ligações. Dilma não quis.

O vice Michel Temer telefonou para quase todos os 367 deputados que votaram a favor do impeachment. Muitas razões explicam a queda de Dilma, mas talvez a principal seja o fato de ela não gostar de ninguém e de ninguém gostar dela.

Soberba
A vaidade é o pecado preferido do carismático personagem vivido por Al Pacino no filme “Advogado do Diabo”. A soberba talvez tenha sido o pecado preferido de Dilma. Por soberba, ela desprezou os políticos em geral, e a maioria deles em particular. Evitou aproximar-se deles. Evitou recebê-los. Tratou-os como cargas que era obrigada a carregar.  Ao então deputado Paulo Rocha (PT-PA), referindo-se à sua atividade na Câmara, uma vez ela observou: “Não sei como você suporta isso”. Há mais de três anos que o ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pede para ser recebido por ela – sem sucesso.

Diante do risco de a Lava Jato bater à sua porta antes da reeleição, Dilma divulgou uma nota que afastava qualquer culpa dela, mas que deixava Lula exposto à suspeita de que a roubalheira na Petrobras fora obra dele, sim. Pode ter sido. Mas pode ter sido de Dilma também.  Por mais que a soberba a impeça de reconhecer, ela e Lula estarão ligados para sempre pela história do país. Para o bem ou para o mal. Hoje, são as conveniências, apenas elas, que os fazem encenar uma parceria que já se desfez. 

Fonte: Blog do Noblat – O Globo