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sábado, 25 de março de 2023

A ‘bandidolatria’ nos tribunais - Revista Oeste

Loriane Comeli

Superior Tribunal de Justiça segue a cartilha de Edson Fachin, do STF, e reverte condenações de criminosos pelo país 

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

 Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock 

Em julho do ano passado, a Polícia Militar prendeu um traficante com 10 quilos de maconha na cidade de São José do Rio Preto, uma das principais cidades do noroeste de São Paulo. Durante a ronda diária, a patrulha desconfiou de um homem, que, ao avistar a viatura, acelerou o passo e entrou em sua casa. 
Os policiais fizeram a abordagem-padrão e, na casa do traficante, encontraram não só o pacote de drogas, como dinheiro em espécie sem procedência. Um detalhe chamou a atenção da PM na hora: o homem estava cumprindo pena no regime aberto por tráfico. Mais tarde, ele admitiu que havia retomado a atividade criminosa.

A tentativa de fugir da polícia, os antecedentes criminais e tampouco a quantidade de droga não foram suficientes para ele permanecer na prisão. Menos de seis meses depois, em janeiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não apenas colocou o traficante em liberdade, como anulou todo o processo e as provas. Para o tribunal, houve invasão de domicílio. Até aquele momento, tanto o juiz de primeiro grau quanto os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo tinham entendido que a prisão fora legal e que o traficante deveria permanecer preso.

Ao analisar o pedido de habeas corpus, o TJ paulista citou a reincidência, a gravidade do crime e manteve a prisão, rechaçando os argumentos da defesa, especialmente de prisão ilegal. Como o tráfico é um crime permanente, a entrada na residência dele, que fugiu de busca policial, estaria “abarcada pela legalidade no rol restritivo de possibilidades de entrar na casa de alguém” — isso se chama flagrante delito.

Porém, no STJ, citando entendimento consolidado na Corte, o relator do habeas corpus, Reynaldo Soares da Fonseca, afirmou que a fuga do investigado ao avistar patrulhamento não autoriza presumir armazenamento de drogas na residência, nem o ingresso nela sem mandado pelos policiais. “O objetivo de combate ao crime não justifica a violação ‘virtuosa’ da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio”, sentenciou o STJ.

O episódio no interior de São Paulo não é isolado. Os casos se tornaram frequentes. Em Balneário Camboriú, no litoral de Santa Catarina, vizinhos denunciaram um traficante, já conhecido no meio policial. O Ministério Público afirma se tratar de alguém “conhecido pela traficância”. Ao chegar ao local, os policiais sentiram cheiro de maconha no apartamento. 
 Ao efetuar a busca, autorizada pelo morador, os policiais encontraram cocaína, comprimidos de ecstasy, 400 gramas de maconha, material para embalar a droga e R$ 15 mil.

O juiz de primeira instância condenou o traficante a cinco anos de prisão. O magistrado refutou a alegação do réu de busca ilegal, explicando que a Constituição Federal dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência se há configuração de flagrante delito. “No caso em exame, havia fundada suspeita do armazenamento de droga no local.”

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve o entendimento. Mas, outra vez, o STJ anulou por completo a busca policial e todas as provas dela decorrentes. O traficante foi absolvido.

A cartilha de Fachin
Essas decisões do STJ seguem a linha adotada em 2020 pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). A controversa decisão ficou famosa, porque impediu a realização de “operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia de covid-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente”. Fachin atendeu a um pedido do PSB.
Helicóptero da polícia civil sobrevoa favela no Rio de Janeiro
-  Foto: Reprodução/Twitter

Fachin invadiu a esfera do Poder Executivo, eleito e com competência para decidir como e quando combater a criminalidade, desde que dentro dos limites legais.

Já as decisões do STJ que anulam as buscas policiais se multiplicam na Corte. O desfecho é sempre o mesmo: os traficantes são colocados em liberdade; e as provas e o processo, anulados. Na maioria das vezes, o tribunal de segunda instância tinha mantido a decisão de primeiro grau.

Foi o que aconteceu em Tatuí, no interior de São Paulo. Um homem saiu de um terreno baldio local utilizado pelos traficantes para esconder drogas — e, ao perceber a presença de uma viatura da polícia, tentou fugir. Os policiais o revistaram — carregava um pacote com maconha. Era reincidente: foi condenado a sete anos de prisão por tráfico, em 2019. O TJ manteve a condenação, embora tenha diminuído a pena para cinco anos. O STJ reformou a sentença e disse que a busca pelo homem foi ilegal.

O STJ anulou uma busca pessoal e no carro de um traficante em Tupã, também no interior paulista. Na revista pessoal, nada foi encontrado, mas dentro do veículo havia 26 pinos de cocaína. O homem admitiu que carregava a droga para a venda. “O denunciado admitiu a propriedade da droga, afirmando que havia desenterrado a sacola com a droga e que iria vender nas proximidades da residência de sua genitora”, escreveu o juiz de Tupã.

“A intervenção policial foi devidamente justificada e a abordagem policial e as buscas pessoais e no veículo se deram dentro dos limites legais de atuação”, reconheceu o TJ, ao manter a condenação, “sem reconhecer qualquer ilegalidade na busca no veículo”. Não deu em nada.

Crime permanente
Assim também aconteceu em Uberaba (MG), com três traficantes, presos em março do ano passado. 
Com auxílio de cães farejadores, os policiais apreenderam 38 gramas de crack e 400 gramas de maconha, além de uma balança digital e plástico utilizado para a embalagem de drogas na residência. “Ao que verifico, a ação policial e, por conseguinte, a prisão do paciente se deram de forma absolutamente regular, sobretudo por se tratar de crime permanente”, decidiu o juiz de primeira instância.
Em Curitiba, três homens foram presos em 2020, mas, em maio de 2021, o STJ anulou as provas e soltou os traficantes. De acordo com a denúncia do Ministério Público, o primeiro confessou ser sócio do irmão no comércio ilegal.  
O segundo admitiu ter um terceiro sócio. 
A busca na residência foi feita com autorização da mãe dos irmãos, depois que os policiais entraram no quintal da casa. 
A concordância da mulher foi gravada em vídeo. Na operação, foram apreendidos tabletes de maconha e materiais para embalá-la. 
Além disso, uma estufa para plantar a droga e 15 pés da planta foram encontrados.


Racismo estrutural
Em 2011, um traficante foi preso em flagrante, dentro de sua residência, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, depois de ter sido perseguido por policiais. Ficou comprovado — e o próprio réu admitiu — que tinha 18 pedras de crack para vender.
 A droga estava escondida no ralo do banheiro e no suporte da televisão. Mesmo assim, o traficante foi inocentado. Neste caso, primeiro pelo TJ gaúcho, e, ante o recurso do Ministério Público, o STJ manteve a absolvição e anulou todo o processo e as provas, afirmando que houve invasão de domicílio.

Nessa decisão, o relator, Rogerio Schietti Cruz, reconheceu que o Judiciário toma decisões do “conforto de nossos gabinetes”, enquanto os policiais se sujeitam “a situações de risco e à necessidade de tomada urgente de decisões”. Mas não passou de uma declaração pro forma, porque o ministro, ao anular todo o processo e colocar o traficante em liberdade, disse que “ocasionalmente a ação policial submete pessoas que vivem em condições sociais desfavoráveis a situações abusivas e arbitrárias”. Contudo, ele não menciona as pessoas que são obrigadas a conviver com traficantes e que são muitas vezes as que fazem as denúncias, na esperança de que o Estado — forças policiais e Judiciário — possa fazer cessarem as atividades criminosas com as quais são obrigadas a conviver.

Em Vitória da Conquista, Bahia, um homem foi preso, em setembro de 2020, carregando 50 porções de maconha e 72 de cocaína, já embaladas para vender, além de uma balança digital. Tudo foi encontrado durante a abordagem dos policiais na mochila que o traficante levava junto ao corpo, enquanto andava de moto. O TJBA manteve a prisão, partindo do pressuposto que os agentes de segurança pública agem imbuídos de boa-fé, e que seus depoimentos se revestem de credibilidade”. Em abril de 2022, um habeas corpus do ministro Rogerio Schietti Cruz, em um voto no qual discorreu longamente sobre “racismo estrutural”, trancou o processo penal e anulou todas as provas.

“O STJ passou a entender imotivadas diversas abordagens em situações suspeitas, desconsiderando a atividade de policiamento repressivo”, afirma o advogado Fabricio Rebelo, responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes). “Se a abordagem é considerada ilegal, a consequência é a anulação de tudo que tenha sido com ela obtido, todas as provas, no que se chama de ‘frutos da árvore envenenada’”, diz

Ao analisar a legalidade da entrada da polícia no domicílio de suspeitos, em 2016, o ministro Gilmar Mendes, do STF, escreveu que “os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida”.

O problema, portanto, é definir o que são “fundada razão” ou “justa causa”, exigidas para o procedimento. O STJ não admite nada diferente de uma pronta constatação visual do crime, ou seja, só se valida a busca se o policial provar que viu o crime sendo praticado. “O problema é que isso não é mais suspeita alguma, e sim certeza do crime, o que subverte a própria lei”, afirma o jurista Fabricio Rebelo.

Erro primário da Justiça
Para o procurador da República Cleber de Oliveira Tavares Neto, coautor do livro Inquérito do Fim do Mundo (EDA/2020), isso é, no mínimo, um erro primário da Corte. “Uma forma de julgar que coloca a ação policial como, a princípio, ilegítima, abusiva, embora já inverta desde logo uma regra básica do Direito, que é a presunção da legitimidade dos atos de seus funcionários, pode parecer apenas um erro primário, se não estivesse fundada em premissas muito mais subversivas”, declarou.

Nessa lista de premissas está o chamado “racismo estrutural”, citado no caso de Vitória da Conquista por Cruz. O ministro defendeu a necessidade “de evitar a repetição — ainda que nem sempre consciente — de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”.

Para chegar a essa conclusão, o ministro citou reportagens de jornal e pesquisas, afirmando em linhas gerais que os policiais revistam mais os negros do que os brancos, mas não revelou as estatísticas de abordagens daquela localidade baiana e muito menos demonstrou que, no caso concreto, o suspeito foi abordado por ser negro — nem mesmo a cor dele é informada no acórdão.

“A ‘teoria’ do ‘racismo estrutural’ é apenas um dos componentes da verdadeira subversão do Direito, baseada em uma ideologia que vê o crime como uma invenção para a dominação de certas classes sociais”, afirmou Tavares Neto. E essa é a essência do garantismo penal exacerbado, cuja faceta é o desencarceramento em massa, como afirmou Rebelo, ou uma antessala do abolicionismo penal, como definiu o procurador.

O resultado disso — desse “erro primário” da Justiça, fundamentado em teorias subversivas — é a falência do sistema de segurança pública. Uma das principais funções da pena, que é a prevenção geral de crimes, ou seja, demover os criminosos, obviamente não existe, porque os criminosos veem seus comparsas entrando e saindo do sistema criminal rapidamente, explicou didaticamente Tavares Neto. E a prevenção específica, que é o criminoso preso, menos ainda.

“O criminoso pode continuar cometendo seus crimes e sempre contar com uma nova benesse, seja de leis cada vez mais ‘garantistas’, seja de tribunais que conseguem criar ainda mais requisitos com base num ‘garantismo’ inexistente em nossa Constituição”, diz Fabricio Rebelo.

No final das contas, o criminoso sabe que a polícia prende. Mas o Tribunal Superior vai soltar.

Constituição da República Federativa do Brasil | Foto: Shutterstock

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Loriane Comeli, colunista - Revista Oeste

 


quinta-feira, 23 de julho de 2020

Se um senador quiser esconder um cadáver em seu gabinete, é só pedir uma liminar para o Toffoli - J.R. Guzzo

O Estado de S. Paulo

A Justiça brasileira virou uma alucinação: se é legalmente proibido investigar o que um parlamentar fez, como é que vai se descobrir alguma coisa?




O jurista Walter Maierovitch, um dos mais competentes comentaristas da atual cena jurídica brasileira, propõe uma hipótese interessantíssima para a possível consideração dos nossos senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal. Digamos que um senador da República mate a própria mãe (Maierovitch não entra nesses detalhes; refere-se apenas a um possível homicídio por parte do senador) e esconda a ossada, ou os chamados restos mortais, num armário no seu gabinete de trabalho. A polícia passa a investigar o crime. Se quiser, como manda o manual de instruções mais elementar de qualquer trabalho policial, entrar no gabinete do senador à procura de provas, vai ficar sabendo que não pode – o Supremo não deixa.

É precisamente o que acaba de acontecer com o senador José Serra, acusado de corrupção passiva em São Paulo na época em que mandava no governo. A Polícia Federal, cumprindo sua obrigação de investigar um crime previsto no artigo 317 do Código Penal Brasileiro, precisava examinar o seu gabinete em busca de provas. O presidente do SenadoDavi Alcolumbre, pediu imediatamente que o Supremo proibisse a entrada dos policiais na sala de Serra. Foi atendido na hora por Antônio Toffoli. Isso aqui é o Brasil, estão dizendo os dois para a PF e para os 200 milhões de brasileiros – a polícia não pode investigar os crimes que a gente não deixa. Moral da história: se você for senador e quiser esconder um cadáver em seu gabinete, é só pedir uma liminar para o Toffoli.




A Justiça brasileira virou uma alucinação. Entre outros delírios, ela torna impossível saber se Serra é culpado ou não – se é legalmente proibido investigar o que ele fez, como é que vai se descobrir alguma coisa? A traficância exposta acima não é um surto passageiro de insânia safada – é descrita pelos gigantes do nosso atual pensamento “civilizado” como uma demonstração admirável da “democracia no Brasil”, e uma prova superior que “as nossas instituições estão funcionando”. Não é nada disso, é claro. Uma criança de 10 anos de idade seria capaz de perceber que esse arranjo é uma óbvia evidência de “troca de chumbo”, como se dizia na Bolsa de Valores – você compra de mim, eu compro de você e as ações disparam para cima. No caso, uns julgam os outros. Só o Senado pode julgar os crimes dos ministros do STF. Só os ministros do STF podem julgar os crimes dos senadores. Vai ser mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que senadores e magistrados se incomodarem algum dia.

É curioso. Quando a PF invade as casas de deputados de direita às 6 horas da manhã, apreende celulares e intima os parlamentares para prestar depoimento, o presidente da CâmaraRodrigo Maia, e seus companheiros de resistência democrática não dão um pio
Mas basta falar em roubalheira para o senador Alcolumbre se ligar em menos de três segundos. É o modelo 2020 da democracia brasileira.

J.R. Guzzo, jornalista  - O Estado de S. Paulo