Oscar Vilhena Vieira
O tribunal não pode se omitir diante de tentativas de intimidação
Tribunais e cortes supremas, quando cumprem devidamente seu papel de
guardar as respectivas constituições, têm o dom de enfurecer autocratas
das mais variadas afiliações ideológicas. De Chávez a Orbán, a
emasculação de tribunais tornou-se uma cena corriqueira no enredo das
escaladas autoritárias. Vargas aposentou compulsoriamente sete ministros do tribunal e
restringiu as prerrogativas da corte para controlar seu governo. Nesse
período foi escrita uma das páginas mais constrangedoras da história do
Supremo, que permitiu, vencidos os ministros Carlos Maximiliano,
Carvalho Mourão e Eduardo Espínola, a entrega de Olga Benário aos
nazistas. [FATO: Olga Benário era uma terrorista desde a Alemanha, já atuando em 1928, como terrorista em solo alemão, tendo participado de resgate de presos, bem antes da vinda para o Brasil.
No Brasil também teve envolvimento com o comunismo e o terrorismo - não é a 'santinha' pintada por muitos.]
Em 1969, o general Costa e Silva aposentou compulsoriamente os ministros
Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva após a edição do
AI-5, que suspendeu as garantias da magistratura e excluiu da apreciação
do Judiciário as ações praticadas com fundamento em atos
institucionais. A porta se abria para o período mais obscuro da
ditadura.
Mais recentemente o Supremo vem sofrendo formas inusitadas de
intimidação. Em 2018, o comandante do Exército tomou a liberdade de
advertir, por Twitter, como deveria o Supremo decidir um habeas corpus.
Nesta última quinta-feira (8), o Brasil testemunhou uma ocupação
relâmpago do STF. Sob a batuta presidencial e do ministro da Economia,
os ocupantes reivindicaram a flexibilização de medidas de saúde pública,
por entenderem que essas ameaçam a vida de muitos CNPJs.
Nada foi dito ou solicitado para prevenir a morte de milhares de pessoas
ou sobre a necessidade de prover meios e condições básicas para que os
mais pobres possam sobreviver durante a pandemia. Desde a campanha eleitoral têm aumentado as ameaças ao Supremo. Os
vícios e idiossincrasias do tribunal o deixaram mais vulnerável nos
últimos anos. A recente escalada de ataques, no entanto, decorre
sobretudo de suas virtudes.
Se o Supremo vinha sendo deferente - omisso para alguns -
[omissão que optou por substituir pelo ativismo judicial, especialmente com uma postura contrária ao governo Bolsonaro, que tem se destacado por decisões monocráticas sempre contrárias ao atual governo.
A situação se tornou tão abusiva que o ministro Marco Aurélio - que não pode ser considerado bolsonarista - percebendo o quanto a corda estava esticando, decidiu propor que sejam evitadas decisões monocráticas contra chefes dos outros Poderes,devendo sempre ser referendadas pelo plenário da Corte Suprema.]
em relação a
diversas ações controvertidas aprovadas pelo atual governo, com o início
da pandemia passou a adotar uma postura muito mais responsiva, no
sentido de não negar resposta àqueles que buscam sua jurisdição, como
demonstrou Eloisa Machado em arguto artigo nesta Folha. Em um curto espaço de tempo os ministros do Supremo foram capazes de
assegurar a integridade da Lei de Acesso a Informação, impediram o
lançamento de uma campanha genocida de volta ao trabalho, asseguraram a
competência das autoridades estaduais e municipais no campo da saúde
pública, autorizaram a abertura de investigação sobre eventual conduta
ilícita do presidente e suspenderam a tramitação de ações judiciais que
questionam a demarcação de terras indígenas, em face das ameaças da
Covid-19, para ficar apenas em alguns exemplos.
Grande parte dessas decisões foram tomadas monocraticamente, o que é um
problema antigo do tribunal, que deveria ser corrigido por uma mudança
no regimento, como proposto pelo ministro Marco Aurélio. Não procede, no
entanto, a acusação de ativismo. Esse é um adjetivo simplista, usado
sobretudo por aqueles que querem atacar uma decisão judicial da qual
discordam.
Como salientou o ex-ministro Sepúlveda Pertence, "o Supremo tem
competência para uma série de intromissões em atos de outros Poderes.
Não para substituir-se a eles, mas para conter ilegalidades e abusos. Se
se resguardasse, numa visão extremamente contida dos poderes judiciais,
o Supremo estaria se demitindo desse papel fundamental que a
Constituição lhe atribui". E não é isso que precisamos neste momento.
Oscar Vilhena Vieira, professor, mestre em direito, Universidade Columbia, e doutor
em ciência política - Folha de S. Paulo