Geopolítica do vírus
China consegue bloquear a circulação de 54 milhões de várias províncias, e ter a certeza de que ordens serão cumpridas
Começando pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os escancarados elogios à China feitos pela entidade na quinta-feira, ao finalmente decretar o vírus 2019n-CoV uma emergência de saúde pública em escala planetária, foram recebidos com impaciência pela comunidade científica. O sentimento majoritário de “foi muito tarde e muito pouco” lembra a reação mundial às proclamações anticorrupção feitas em anos recentes por entidades como o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Fifa, quando seus casos de roubalheira sistemática já haviam viralizado.
É da muralha da China, mais especificamente do controle absoluto exercido pelo regime de Pequim sobre seus 1,38 bilhão de habitantes, que o mundo depende para evitar a mutação da epidemia em pandemia. Até a tarde de sexta-feira, a China diagnosticara perto de dez mil casos em suas províncias (1.527 em estado crítico), enquanto a centena de outros confirmados se dividia entre 22 nações. Também o mapa de mortandade seguia padrão geográfico semelhante — 99% do total de 234 vítimas fatais ocorreram em território chinês. Portanto, para a OMS, e para governantes do resto do mundo de forma mais comedida, quanto mais o regime chinês conseguir controlar e confinar sua população, melhor. O regime comunista de Xi Jiping tem à mão um leque de ferramentas que vai da construção e habilitação plena de hospitais em 14 dias, ou a desinfestação de todas as ruas de Wuhan, cidade-epicentro da crise com 11 milhões de habitantes. Também consegue bloquear a circulação de 54 milhões de cidadãos de várias províncias, e ter a certeza de que ordens serão cumpridas. Vigilância 1984, versão 2020.
[o Prontidão Total fez uma comparação como seria a situação se a epidemia tivesse iniciado no Brasil, ou sua evolução fosse significativa, com as medidas já adotadas pela China (cumpridas pelos chineses sem contestações) que, se necessário, serão ampliadas - leia: suspensão do carnaval.
Na ocasião, desconsideramos a necessidade da criação de uma LEI ESPECÍFICA para normatizar eventual quarentena de brasileiros trazidos da China ou por qualquer razão considerados suspeitos de terem o vírus.
Se o Congresso Nacional não aprovar tal lei - e, caso aprove, algum partido político ou cidadão não ingressar na Justiça Federal contra a quarentena e um magistrado conceder liminar suspendendo a vigência da nova lei - a solução será deixar os suspeitos de estarem portando o coronavírus, juntos e misturados, com a população.
Ou postergar a volta ao Brasil dos nacionais que estão na China. Sabemos que logo o presidente Bolsonaro será acusado de estar se negando a resgatar os brasileiros ou ser compelido por determinação judicial a efetuar o repatriamento.
O sempre presente deputado Rodrigo Maia, para variar e de acordo com sua postura de 'dono' dos votos do Congresso, já declarou achar ser possível aprovar a nova lei na próxima semana. Todos esquecem que a situação é de EMERGÊNCIA NACIONAL podendo provocar mortes de inocentes - o que justifica que 'constituição cidadã' seja esquecida em caso específico.]
Por ser pêndulo não só da economia mundial como do comércio
planetário e das bolsas de mercados, a China conseguiu que a OMS não
recomendasse a interrupção de voos internacionais ao país nem sugerisse a
viajantes estrangeiros que mudassem de planos. Tarde demais e pouco
demais, como disseram os cientistas. Uma a uma as grandes empresas
aéreas cancelaram seus voos à China continental, mantendo apenas o tênue
cordão umbilical com Hong Kong. Um a um, países vizinhos fecharam
fronteiras e colocaram sob quarentena passageiros vindos da província de
Hubei. Os Estados Unidos deram o passo maior, proibindo a entrada de
todo estrangeiro que tenha estado na China há pouco tempo. Cingapura
cancelou a emissão de vistos para chineses. Como denominador comum, quase todos priorizam a retirada de seus cidadãos confinados em Hunan. Dependendo do grau de competência de cada governo, dos seus recursos, empenho, e poder de barganha junto a Pequim, voos fretados da aviação civil ou aviões militares têm retirado levas mistas de funcionários públicos e cidadãos comuns. Alguns governos, como o da Austrália, que ainda aguarda autorização para retirar 600 compatriotas, decidiu que quem já tiver diagnóstico positivo confirmado será deixado onde está. Os demais serão internados na remota Ilha Christmas, de triste histórico no tratamento de refugiados. Repatriados de outras nações, como da vizinha Nova Zelândia, pagarão apenas uma ínfima taxa fixa para conseguir voltar para casa.
O Brasil, que pretende ascender ao clube dos grandes na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), não costuma apresentar-se como parte do mundo desvalido e pedir socorro à OMS. Talvez devesse. A começar pela linguagem do chefe da nação ao tratar de tema tão crucial para o momento.
“Nós não temos uma lei de quarentena. Ao trazer brasileiros para cá, coloca em quarentena, mas qualquer ação judicial manda a gente tirar. Se não estiver tudo redondinho no Brasil, não vamos buscar ninguém. Quem vier para cá tem que se submeter aos trâmites”, informa Jair Bolsonaro. “Custa caro um voo desses. Ali, se for fretar um voo é acima de 500 mil dólares o custo”. Poderia começar cancelando todos os voos em jatinhos da FAB para integrantes do governo.
E começar a cuidar da saúde da nação.