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domingo, 9 de fevereiro de 2020

Defesa e Itamaraty executam um resgate impecável - Blog do Josias

Num instante em que o ministro Paulo Guedes (Economia) chama servidores de "parasitas", as duas burocracias mais estáveis e hierarquizadas do Estado brasileiro Forças Armadas e Itamaraty levam à vitrine uma operação de mostruário.  

Militares e diplomatas transformaram o resgate dos brasileiros assediados pelo coronavírus na China numa ação até aqui impecável. Há apenas nove dias, Bolsonaro esgrimia alegações orçamentárias, legais e de saúde pública para não repatriar os patrícios em apuros. O chanceler Ernesto Araújo ecoava o chefe, mencionando hipotéticas barreiras impostas pelo governo chinês para a retirada dos nacionais reclusos em Wuhan. Negociar a saída "não é uma coisa óbvia e imediata", declarava.

Pois bem, o governo viu-se compelido a fazer por pressão o que não fizera por opção. Sobreveio, então, um desses episódios que, de raro em raro, fazem com que o contribuinte tenha orgulho do serviço público que sustenta. A verba apareceu. O Congresso aprovou em menos de 48 horas o ajuste legal reclamado pelo presidente. A alegada muralha da China era apenas um tritongo traiçoeiro, tão falso quanto qualquer outra men-ti-ra. Liberada para trabalhar, a burocracia cuidou de desdizer Bolsonaro e Araújo. 

Os 34 brasileiros que esperavam pelo socorro do seu país receberam mais do que o necessário. Além da agilidade e do rigor técnico, foram brindados com atenção, zelo e apreço. Ao chegar à base militar de Anápolis (GO), território da quarentena, os resgatados encontraram mimos de hotelaria. Perfeccionista, a Aeronáutica providenciou desde uma faixa de boas-vidas até berços e brinquedoteca para as crianças.

O principal teste de um governo é o modo como ele cuida dos cidadãos, sobretudo nas situações de desconforto e perigo. A eficiência dos "parasitas" evitou que a gestão do chefe de Paulo Guedes fosse reprovada no teste. [o CAOS no atendimento do INSS é a prova incontestável que quando faltam os 'parasitas' – no caso, não foi por demissão e sim por falta de contratação de novos 'parasitas' para substituir os que saíam, por aposentadoria ou outros motivos – a coisa complica.
Paulo Guedes, homem de confiança do presidente Bolsonaro quer ampliar o CAOS para todo o Serviço Público.]

Guedes não pisou num tomate, mas num tomateiro ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/02/07/guedes-nao-pisou-num-tomate-mas-num-tomateiro.htm?cmpid=copiaecola
Guedes não pisou num tomate, mas num tomateiro ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/02/07/guedes-nao-pisou-num-tomate-mas-num-tomateiro.htm?cmpid=copiaecola

Blog do Josias - Josias de Souza, jornalista - UOL/Folha


Pois bem, o governo viu-se compelido a fazer por pressão o que não fizera por opção. Sobreveio, então, um desses episódios que, de raro em raro, fazem com que o contribuinte tenha orgulho do serviço público que sustenta. A verba apareceu. O Congresso aprovou em menos de 48 horas o ajuste legal reclamado pelo presidente. A alegada muralha da China era apenas um tritongo traiçoeiro, tão falso quanto qualquer outra men-ti-ra. Liberada para trabalhar, a burocracia cuidou de desdizer Bolsonaro e Araújo. Os 34 brasileiros que esperavam pelo socorro do seu país receberam mais do que o necessário. Além da agilidade e do rigor técnico, foram brindados com atenção, zelo e apreço. Ao chega... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/02/09/defesa-e-itamaraty-executam-um-resgate-impecavel.htm?cmpid=copiaecola

domingo, 2 de fevereiro de 2020

A geopolítica imposta pelo coronavírus - O Globo


Dorrit Harazim 

Geopolítica do vírus

China consegue bloquear a circulação de 54 milhões de várias províncias, e ter a certeza de que ordens serão cumpridas


Mais de duas décadas atrás, o biólogo evolucionário Jared Diamond nos brindou com uma narrativa fulgurante de como e por que algumas sociedades se desenvolveram mais que outras. Ótima hora para reler essa obra que deu a Diamond um Pulitzer em 1998 — “Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas” (Ed. Record) — e olhar para o surto global do novo coronavírus com melhor compreensão da história. 

Mesmo que a atual epidemia não venha a representar um ponto de inflexão para o curso humano, ela capta um instantâneo dinâmico (escusas pela aparente contradição) de como está o mundo em 2020. A convencional classificação de países por Índice de Desenvolvimento Humano e outros indicadores socioeconômicos estarão sendo testados, com desdobramentos ainda imprevisíveis. O próprio mapa atual da geopolítica pode chegar bastante alterado ao final da crise. 

Começando pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os escancarados elogios à China feitos pela entidade na quinta-feira, ao finalmente decretar o vírus 2019n-CoV uma emergência de saúde pública em escala planetária, foram recebidos com impaciência pela comunidade científica. O sentimento majoritário de “foi muito tarde e muito pouco” lembra a reação mundial às proclamações anticorrupção feitas em anos recentes por entidades como o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Fifa, quando seus casos de roubalheira sistemática já haviam viralizado.

É da muralha da China, mais especificamente do controle absoluto exercido pelo regime de Pequim sobre seus 1,38 bilhão de habitantes, que o mundo depende para evitar a mutação da epidemia em pandemia. Até a tarde de sexta-feira, a China diagnosticara perto de dez mil casos em suas províncias (1.527 em estado crítico), enquanto a centena de outros confirmados se dividia entre 22 nações. Também o mapa de mortandade seguia padrão geográfico semelhante — 99% do total de 234 vítimas fatais ocorreram em território chinês. Portanto, para a OMS, e para governantes do resto do mundo de forma mais comedida, quanto mais o regime chinês conseguir controlar e confinar sua população, melhor. O regime comunista de Xi Jiping tem à mão um leque de ferramentas que vai da construção e habilitação plena de hospitais em 14 dias, ou a desinfestação de todas as ruas de Wuhan, cidade-epicentro da crise com 11 milhões de habitantes. Também consegue bloquear a circulação de 54 milhões de cidadãos de várias províncias, e ter a certeza de que ordens serão cumpridas. Vigilância 1984, versão 2020. 

[o Prontidão Total fez uma comparação como seria a situação se a epidemia tivesse iniciado no Brasil, ou sua evolução fosse significativa, com as medidas já adotadas pela China (cumpridas pelos chineses sem contestações) que, se necessário, serão ampliadas - leia: suspensão do carnaval. 

Na ocasião, desconsideramos a necessidade da criação de uma LEI ESPECÍFICA para normatizar eventual quarentena de brasileiros trazidos da China ou por qualquer razão considerados suspeitos de terem o vírus.
Se o Congresso Nacional não aprovar tal lei - e, caso aprove, algum partido político ou cidadão não ingressar na Justiça Federal contra a quarentena e um magistrado conceder liminar suspendendo a vigência da nova lei - a solução será deixar os suspeitos de estarem portando o coronavírus, juntos e misturados, com a população. 

Ou postergar a volta ao  Brasil dos nacionais que estão na China. Sabemos que logo o presidente Bolsonaro será acusado de estar se negando a resgatar os brasileiros ou ser compelido por determinação judicial a efetuar o repatriamento.
O sempre presente deputado Rodrigo Maia, para variar e de acordo com sua postura de 'dono' dos votos do Congresso, já declarou achar ser possível aprovar a nova lei na próxima semana. Todos esquecem que a situação é de EMERGÊNCIA NACIONAL podendo provocar mortes de inocentes - o que justifica que 'constituição cidadã' seja esquecida em caso específico.]
Por ser pêndulo não só da economia mundial como do comércio planetário e das bolsas de mercados, a China conseguiu que a OMS não recomendasse a interrupção de voos internacionais ao país nem sugerisse a viajantes estrangeiros que mudassem de planos. Tarde demais e pouco demais, como disseram os cientistas. Uma a uma as grandes empresas aéreas cancelaram seus voos à China continental, mantendo apenas o tênue cordão umbilical com Hong Kong. Um a um, países vizinhos fecharam fronteiras e colocaram sob quarentena passageiros vindos da província de Hubei. Os Estados Unidos deram o passo maior, proibindo a entrada de todo estrangeiro que tenha estado na China há pouco tempo. Cingapura cancelou a emissão de vistos para chineses. 

Como denominador comum, quase todos priorizam a retirada de seus cidadãos confinados em Hunan. Dependendo do grau de competência de cada governo, dos seus recursos, empenho, e poder de barganha junto a Pequim, voos fretados da aviação civil ou aviões militares têm retirado levas mistas de funcionários públicos e cidadãos comuns. Alguns governos, como o da Austrália, que ainda aguarda autorização para retirar 600 compatriotas, decidiu que quem já tiver diagnóstico positivo confirmado será deixado onde está. Os demais serão internados na remota Ilha Christmas, de triste histórico no tratamento de refugiados. Repatriados de outras nações, como da vizinha Nova Zelândia, pagarão apenas uma ínfima taxa fixa para conseguir voltar para casa.

Não que a operação de repatriação seja simples. Todas as suas etapas são complexas, do pré-embarque ao acompanhamento da infecção durante o voo, até as várias etapas de trânsito em isolamento na chegada. Uma das atribuições da OMS é justamente prover recursos a países desprovidos de meios em casos de emergência de saúde pública internacional. 

O Brasil, que pretende ascender ao clube dos grandes na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), não costuma apresentar-se como parte do mundo desvalido e pedir socorro à OMS. Talvez devesse. A começar pela linguagem do chefe da nação ao tratar de tema tão crucial para o momento.
“Nós não temos uma lei de quarentena. Ao trazer brasileiros para cá, coloca em quarentena, mas qualquer ação judicial manda a gente tirar. Se não estiver tudo redondinho no Brasil, não vamos buscar ninguém. Quem vier para cá tem que se submeter aos trâmites”, informa Jair Bolsonaro. “Custa caro um voo desses. Ali, se for fretar um voo é acima de 500 mil dólares o custo”. Poderia começar cancelando todos os voos em jatinhos da FAB para integrantes do governo.
E começar a cuidar da saúde da nação.

Dorrit Harazim, jornalista - O Globo