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De
Dias Toffoli, ouviu-se apenas um eloquente silêncio. As razões por que
se cala são insondáveis. Ou nem tanto. É sabido ser ele o principal
interlocutor de Jair Bolsonaro no tribunal. [sendo Toffoli o Chefe do Poder Judiciário e o presidente Bolsonaro exercendo, por voto popular, o mesmo posto no Poder Executivo, podemos considerar mais uma escolha acertada do presidente do STF.] É preciso saber até onde
essa interlocução mais confunde do que elucida as ideias do próprio
presidente. Digamos, para efeitos de pensamento, que o doutor não queira
banalizar o recurso da nota oficial, reservando-a para situações mais
graves. Quais?Contra eventual golpe de estado, é certo, uma nota seria de suprema inutilidade, não é mesmo?A DEFESA DA DITADURA
Na segunda,
quando seu silêncio ecoava ou como concordância com o que se viu ou como
covardia ou alienação, ele, no entanto, preparava um pronunciamento.
Redigia, na verdade, uma espécie de repto contra a decisão de Alexandre
de Moraes, que havia suspendido a posse de Alexandre Ramagem no comando
da Polícia Federal. E escolhia como instrumento para contraditar o
colega de tribunal o pior meio, a pior causa, a pior tese. A que me
refiro?A juíza Moniky Mayara Costa Fonseca, da 5ª Vara Federal
do Rio Grande do Norte, havia determinado que o ministro da Defesa,
Fernando Azevedo e Silva, que foi assessor de Toffoli, retirasse da
página do ministério uma manifestação assinada pelo próprio ministro e
pelos três chefes militares exaltando o golpe de 1964, chamado,
pateticamente, de "marco da democracia". Houve recurso, e a decisão da
magistrada foi ratificada pelo TRF-5.A questão foi parar, então, nas mãos de Toffoli. Ele não hesitou: cassou a liminar (íntegra de sua decisão aqui).
Será que, numa democracia, deve-se permitir que um ministro de Estado e
três chefes militares façam a defesa aberta de um regime que fechou o
Congresso, pôs fim às liberdades públicas e individuais, suspendeu
eleições, torturou e matou? Vocês sabem a resposta: é claro que não! Em
que outra democracia do mundo se assistiria a exotismo assim?Mas
nem vou lhes tomar o tempo com isso. É evidente que uma democracia não
pode ser democrática a ponto de abrigar sabotadores de seu próprio
ordenamento. O único regime em que tudo pode — e, pois, nada do que diga
respeito às liberdades é admitido — é a tirania.A DECISÃO DE TOFFOLI
Se o mérito da
decisão é lamentável, os termos em que ela veio a público pela pena do
presidente do Supremo são uma agressão ao bom senso.
Toffoli foi
incapaz de censurar um ato em defesa do golpe militar, que contou com a
participação entusiasmada do presidente e em que profissionais da
imprensa foram espancados. Mas, em defesa do direito que teria o
ministro e os chefes militares de defender um regime ditatorial,
escreveu o presidente do Supremo:
"Não parece assim
adequado exercer juízo censório acerca do quanto contido na referida
ordem, sob pena de indevida invasão, por parte do Poder Judiciário, de
seara privativa do Poder Executivo e de seus Ministros de Estado.
(...)
As
decisões judiciais ora atacadas, destarte, representam grave risco de
violação à ordem público-administrativa do Estado brasileiro, por
implicar em verdadeiro ato de censura à livre expressão do Ministro de
Estado da Defesa e dos Chefes das Forças Militares, no exercício de ato
discricionário e de rotina, inerente às elevadas funções que exercem no
Poder Executivo e sobre o qual não parece adequada a valoração efetuada
por membros do Poder Judiciário."
É realmente comovente
ver o cuidado e o zelo com que Toffoli trata do direito à livre
expressão dos que dispõem de canhões, lastimando que sejam alvos de
"censura", mesmo quando usam uma página do Estado brasileiro para
defender a ditadura. Não obstante — ou por isso mesmo? — silencia quando
profissionais desarmados, no exercício de sua função, são espancados
por outros defensores da... ditadura!
É evidente que o ministro está fazendo uma escolha.
RECADO E VOTO FORA DO LUGAR
Alheio à defesa da
ditadura contido na tal nota, alheio ao ato do dia anterior em defesa do
golpe militar, alheio à presença do presidente em tal ato, alheio à
agressão sofrida pelos jornalistas, o "professor" Dias Toffoli resolveu
dar uma lição aos contemporâneos sobre as esferas de competência dos
Poderes, num claro recado a Moraes, seu colega de tribunal:
"Como tenho
reiteradamente falado, sempre que me deparo com situações como esta,
descrita nesta contracautela, nosso país vive um momento de excessiva
judicialização, decorrente, em grande medida, da alta conflitualidade
presente em nossa sociedade, a qual se torna cada vez mais complexa e
massificada.
Apesar disso, não se pode pretender que o Poder
Judiciário interfira e delibere sobre todas as possíveis querelas
surgidas da vida em sociedade. E o caso ora retratado me parece um
exemplo clássico dessa excessiva judicialização. Reitero, ainda uma vez,
meu entendimento, agora aplicado ao caso concreto ora em análise, de
que não cabe ao Poder Judiciário decidir o que pode ou não constar em
uma ordem do dia, ou mesmo qual a qualificação histórica sobre
determinado período do passado, substituindo-se aos historiadores nesse
mister e, no presente caso, aos legítimos gestores do Ministério da
Defesa, para redigir, segundo a compreensão que esposam, os termos de
uma simples ordem do dia, incidindo em verdadeira censura acerca de um
texto editado por Ministro de Estado e Chefes Militares.
Apenas
eventuais ilegalidades ou flagrantes violações à ordem constitucional
vigente devem merecer sanção judicial, para a necessária correção de
rumos. Mas não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor
que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o
critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da
Administração Pública, parecendo não ser admitido impedir a edição de
uma ordem do dia, por suposta ilegalidade de seu conteúdo, a qual
inclusive é muito semelhante à mesma efeméride publicada no dia 31 de
março de 2019."
CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
Eis aí. Se eu tinha
alguma dúvida sobre o acerto da decisão de Moraes -- e conheço bons
juristas que a contestam --, Toffoli as eliminou com seu despacho
destrambelhado e sua omissão diante dos crimes cometidos no domingo. Levasse
a sério o que diz, defenderia que os historiadores, então, se
encarregassem de definir, cada um a seu gosto, o caráter do golpe de
1964, não cabendo a ministros e chefes militares, regidos por uma
Constituição democrática, fazer a apologia da ditadura. O veto não
procurava impor aos gestores de bens públicos uma visão determinada de
história, mas impedir que impusessem a sua, em clara agressão ao
fundamento do documento que nos rege.
A "simples ordem do dia"
poderia, ora vejam, ter exaltado os valores democráticos. Em vez disso,
chamou um golpe de "marco da democracia".
Para o ministro, "cuida-se,
assim, de ato inserido na rotina militar e praticado por quem detém
competência para tanto, escolhidos que foram pelo Chefe do Poder
Executivo, para desempenhar as elevadas funções que ora ocupam."[destaques em vermelho do Blog Prontidão Total.]
Assim
é nas questões que dizem respeito à rotina militar e às tarefas
concernentes às Três Forças. Fernando Azevedo e Silva foi escolhido,
claro!, para executar em sua área a política do presidente. A de
Bolsonaro é promover proselitismo golpista em quarteis? Pergunto de
novo: que democracia do mundo toleraria essa afronta? Mas vejo
que já me estendo sobre o mérito da nota, que nem é objeto deste texto.
Parece que vou, definitivamente, me interessar, doravante, pelo
entendimento perturbado que se tem no Brasil, à direita e à esquerda, do
que sejam independência e harmonia entre os Poderes num regime
presidencialista. É possível que parte dos nossos males derive do fato
de que se supõe que a legitimidade das urnas confere ao mandatário de
turno o direito de violar os valores consagrados pela Carta sob cujo
signo ele se elegeu. Comigo, não, violão!
É um debate de longo prazo.
No
momento, lastimo o presidente do Supremo que se preocupa com a
liberdade de expressão de quem tem canhões, mas não se ocupa de defender
a liberdade de trabalho de quem dispõe só de um teclado ou de uma
câmera fotográfica; que avalia que a ordem para a retirada de uma nota
em defesa da ditadura pode "acarretar grave lesão à ordem público-administrativa da União",
mas não vê mal nenhum em que um presidente da República, num ato ilegal
em defesa do golpe militar, ameace, com os tais canhões, a própria
corte que ele integra.
Toffoli se perdeu?
Talvez tenha, finalmente, se encontrado.
Resta como alternativa a rota do estado DEMOCRÁTICO E DE DIREITO.