Grupos criminosos tentam controlar parte dos 80% da produção do país que é vendida no Brasil
A hora da sesta foi interrompida
por 30 segundos de disparos num dos bairros residenciais mais caros
de Assunção, no Paraguai,
em 25 outubro. Rajadas de tiros entre as picapes
sacudiram a tranquilidade da rua. O veículo agressor fugiu. No outro,
que continuava acelerando contra uma árvore quando a polícia
chegou, morreram um homem de 28 anos e seu filho de cinco. “Há uma criança ali”, disse, com as mãos na cabeça, o primeiro
que chegou ao lugar. O incidente foi um ajuste de contas entre facções de
traficantes rivais. O alvo era William Giménez Bernal, que escapou dos tiros
mas se matou com um tiro na têmpora, com sua própria pistola, ao ver o filho
morto, segundo a investigação.
A Polícia disse que Bernal havia
visitado na prisão, em cinco ocasiões, o brasileiro Jarvis Chimenes Pavão, apontado como um dos principais chefes do narcotráfico na
fronteira com o Brasil. Em janeiro deste ano, um casal de brasileiros que
também visitara Pavão foi alvejado por assassinos em Assunção. “Nem os criminosos nem os grupos armados vão
decidir o que temos de fazer”, disse o presidente do Paraguai, Horacio Cartes, num dos primeiros atos oficiais
após assumir o mandato, em agosto de 2013. Quatro anos depois dessas
declarações, o presidente tem motivos para estar preocupado.
O índice de homicídios no estado paraguaio de Amambay, situado na fronteira do Brasil
e por onde escoa grande parte do tráfico de drogas da América do Sul,
foi de 66,73 casos para cada 100.000 habitantes em
2014, cifra próxima da registrada
em Honduras, líder do ranking mundial. A taxa é muito superior à média do
Paraguai, que em 2016 esteve na faixa dos 7,89 homicídios para cada 100.000
habitantes, segundo informou na época o Ministério do Interior. As cidades
paraguaias localizadas na fronteira com o Brasil, como Pedro Juan Caballero,
Capitán Bado e Ciudad del Este, já eram palcos habituais desses ajustes de
contas. A novidade é que agora o banho de sangue chega a Assunção, a capital do
país.
Fronteira violenta
O país do tereré, como os
paraguaios chamam o chimarrão preparado com água fria, é também o principal produtor
sul-americano de outra erva: a maconha.
Há várias décadas, abastece o mercado negro do Brasil, Argentina, Bolívia,
Chile e até Uruguai com milhares de hectares de cultivos ilegais. O quilo de
maconha, que pode custar 1.000 euros (3.850 reais) no Chile ou no norte do
Brasil, sai por cinco euros (19 reais) em qualquer plantação paraguaia, segundo
a Secretaria Antidrogas do Paraguai (Senad). Cerca de 80% da produção é
direcionada aos mais de 200 milhões de habitantes do Brasil. Assim, há muito
interesse na fronteira por parte dos grupos criminosos que dominam sua venda no
Rio, São Paulo e outras grandes cidades brasileiras.
Facções como Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital disputam o controle das rotas do tráfico e dos
centros de distribuição, aproveitando a mão de obra semiescrava de camponeses paraguaios que produzem maconha,
explicou ao EL PAÍS o promotor adjunto contra o sequestro e o terrorismo do
Paraguai, Alejo Vera. “A maioria desses
criminosos são foragidos de penitenciárias do Brasil que cruzam a fronteira
porque ela é muito permeável. É uma fronteira seca. Em muitos casos, é apenas
uma rua ou uma estrada. Não há um controle muito rígido, de forma que é muito
fácil atravessá-la, tanto do Paraguai para o Brasil como do Brasil para o
Paraguai”, diz Vera.
A
fronteira é também a zona de passagem habitual da pasta base da cocaína boliviana
e de precursores químicos, que são transportados a laboratórios da redondeza e
aos portos. A droga é então transformada em cocaína e enviada para a
África e a Europa. “O PCC e o Comando Vermelho estão obcecados com o
controle dessa fronteira. É a zona onde estão os maiores cultivos de maconha e
um corredor das cocaínas boliviana, peruana e colombiana”, afirma Cándido
Figueredo Ruiz, correspondente do jornal paraguaio ABC Color em Pedro
Juan Caballero.
Guerra entre facções
Figueredo
prevê o início de uma guerra mais violenta entre as duas facções, que esperam
que Jarvis Chimenez Pavão seja extraditado para o Brasil para assassiná-lo no
país. “Mesmo na prisão, Jarvis ainda tem muito peso aqui. Os narcos estão
convencidos de que ele será irremediavelmente levado ao Brasil. E que,
possivelmente, não demore nem dois meses para ser morto na cadeia por seus
inimigos, que já estão eliminando homens de seu entorno.”
Em abril
passado, houve um gigantesco assalto contra a empresa de segurança e
transporte de valores Prosegur em Ciudad del Este, com a
participação de cerca de 60 homens com metralhadoras. Eles roubaram o
equivalente a 42 milhões de reais (em valores atuais), no maior golpe da
história do Paraguai. Os partidos da oposição denunciam que o último
assassinato em Assunção mostra que essas organizações migraram agora à capital
e controlam cada vez mais zonas do país.
O
governista Partido Colorado e o ministro do Interior, Lorenzo Lezcano, não
concordam com os sinais de alarme. Dizem que sua luta contra o crime organizado
dá cada vez mais resultados e que as denúncias da oposição não passam de uma
“campanha de oportunismo político antes das [eleições] internas”. Em 17 de
dezembro, os partidos paraguaios realizam primárias para escolher seu candidato
presidencial.
El País