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domingo, 20 de agosto de 2023

O presidencialismo que resiste à coalizão - Alon Feuerwerker

Análise Política

O sistema eleitoral brasileiro produz amiúde um cenário contraditório, resultado de certo paradoxo: enquanto a eleição presidencial costuma produzir entre duas ou quatro candidaturas que atingem massa crítica, a disputa para o Congresso Nacional sempre resulta num quadro pulverizado.

A cláusula de desempenho promete resolver o problema no médio e no longo prazos, mas será preciso ver se, quando o remédio finalmente funcionar, o paciente ainda estará vivo.

Haveria como corrigir. A cura radical poderia vir de um voto em lista fechada nos estados, acabando, ao mesmo tempo, com a desproporção entre as representações estaduais na Câmara dos Deputados. Ou então implantando o voto distrital misto, com uma certa reserva (talvez 20%) para as listas fechadas.

Se se quisesse aplicar um remédio imediato que não demandasse grandes quóruns legislativos, seria simples: calcular em cada estado as bancadas de deputados federais não mais a partir dos votos dados aos parlamentares e às legendas para a Câmara, mas dos votos dados aos postulantes à Presidência.

Por analogia, as cadeiras nas assembleias seriam calculadas a partir dos votos para governador. E a composição das câmaras municipais respeitaria o desempenho dos candidatos a prefeito.

Essa simples alteração obrigaria os partidos a fundir-se ou formar federações em torno de candidatos viáveis e garantiria que a vontade popular, expressa na eleição majoritária com muito mais nitidez que na proporcional, se traduzisse em possibilidade real de governar.

Mas há um consórcio bem azeitado que resiste a qualquer mudança substantiva.   
É tipo o casamento do jacaré com a cobra d’água: junta as legendas cuja única razão de existir é a intermediação de recursos orçamentários e as correntes bem-pensantes que desfrutam prestígio na elite e na superestrutura intelectual-ideológica, mas raramente são correspondidas pelo eleitor.

E o curioso é que as segundas formalmente desprezam as primeiras pelo “fisiologismo”, termo que só é temporariamente aposentado quando o segundo grupo precisa apoiar algum governo que represente o “mal menor”. E passa a repaginar como “articulação política” o que sempre tratou derrogatoriamente.

É natural e humano que essas janelas de oportunidade aticem o apetite das legendas antes chamadas de fisiológicas, pela momentânea eliminação, ou ao menos redução, do custo reputacional implicado no que normalmente seria xingado como “toma lá, dá cá”. É onde estamos.

Ainda mais quando se nota o azeitamento da relação entre o Planalto e o Judiciário,
o que faz suas excelências do Congresso olharem com cuidado redobrado para a possibilidade de aninhar-se sob as asas do Executivo.

Mas aqui quem me lê poderia fazer uma pergunta: afinal, por que o Executivo precisa fazer tantas concessões?

No mínimo, para garantir que não se formarão massas críticas em torno de possíveis impeachments. E para evitar, ou ao menos controlar, comissões parlamentares de inquérito. Agora mesmo, uma competente articulação política (vou usar a expressão benigna) emasculou ou virou do avesso CPIs originalmente anti-Planalto.

E tem também o “apoio às reformas”. Seria o caso de estudar como e por que governos, um atrás do outro, decidem ter uma agenda legislativa que demanda expressivas maiorias, apenas para, ao fim e ao cabo, e a um custo altíssimo, colher mudanças legais de efeito apenas relativo.

Verdade que isso faz parte da estranha propensão brasileira a, simultaneamente, orar no altar da Constituição de 88 e diariamente revogá-la pela enxurrada de emendas congressuais e decisões do Supremo Tribunal Federal. O que talvez merecesse um estudo de especialistas na relação entre política e psicanálise.

É nesse ponto que se acha o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Para ter governabilidade (outra expressão bonita que se impõe ao governante que não quer virar um Luís XVI), precisa abrir espaço a políticos que nada têm a ver com o que se decidiu na eleição, ou até se opuseram ao que acabou prevalecendo na urna.

É natural que resista, ainda que vá ter de ceder. Aliás, governar o Brasil tem sido um pouco isso. Uns chamam de “presidencialismo de coalizão”.  
Que carrega, dialeticamente, em si seu contrário. 
O que governantes brasileiros mais fazem, no que gastam talvez a maior parte do seu precioso tempo, é resistir ao Frankenstein.

 Alon Feuerwerker,  jornalista e analista político

 

 

sexta-feira, 7 de abril de 2017

A pior reforma política é aquela que não for feita

A pior reforma política é aquela que não for feita. 

E, não sei, não, parece haver certa desídia no Congresso, com receio dos Movimentos de Facebook. Qual é o centro da questão? Um só: dinheiro para as campanhas eleitorais. 

Depois que o STF decidiu, com base em letra nenhuma, que a doação de empresas é inconstitucional, não resta, por óbvio, nem aqui nem em democracia nenhuma do mundo, alternativa ao financiamento público. As doações de pessoas físicas, a disputa de 2016 já comprovou, só servem de biombo para maracutaia e caixa dois. E esse ainda é o menor dos males. O que realmente preocupa é a possibilidade de o crime organizado passar a dar as cartas no processo eleitoral. Sim, é fato: a certas máfias da política e do empresariado, cabe essa designação. 

Padre Vieira já falava, no século 17, dos descalabros que a Lava Jato traz à luz ao citar São Basílio Magno no "Sermão do Bom Ladrão": "Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam." 

As democracias não podem ser tolerantes com os "que furtam e enforcam". Mas seria uma estupidez, sob o pretexto de combatê-los, entregar as eleições a verdadeiras hordas de criminosos, que serão os únicos a ter dinheiro vivo para financiar campanhas caso não se crie, para 2018 ao menos, o fundo público. Ou, caros leitores, os que se opõem a essa proposta apontam uma saída ou, é inescapável concluir, são vigaristas intelectuais, quando menos. 

E, entendo, o corolário do financiamento público, de uma obviedade ululante, é o voto em lista pré-ordenada –ou, de novo, digam como se poderia fazer a coisa. Insisto: o pacote da reforma tem de incluir os próximos pleitos. É preciso aprovar uma emenda constitucional para resgatar a doação de empresas "na forma da lei" e instituir o voto distrital misto. E isso tudo para 2022.  Sim, em essência, oponho-me a financiamento público e voto em lista. Para 2018, no entanto, não vislumbro outra via. Estamos num processo de remoção de escombros. A construção vem em seguida, mas pode ser planejada agora. Os políticos, no entanto, estão com receio de fazer a coisa certa porque há um alarido interneteiro em favor da errada. 

Têm mais medo dos memes do que da influência do PCC na disputa. 

TSE
Um pequeno registro sobre a votação havida no TSE. Na semana passada, afirmei neste espaço: "O julgamento tem de ser suspenso ainda na terça. (...) Em nome da lei. Não contra ela." E assim se fez. 

Sustentei que Herman Benjamin, o relator, havia adotado procedimentos que violavam o devido processo legal e cerceavam o direito de defesa. E incitei os ministros a resistir ao "fascismo da vulgaridade". Adivinhem: os fascistas da vulgaridade logo escoicearam os seus argumentos. Não houve uma só contestação técnica ao que escrevi. Aliás, Benjamin recuou e ajudou a compor um placar de sete a zero contra decisão de... Benjamin! 

Não é surpreendente, e até por isso muito preocupante, que a imprensa, no geral, tenha dado tão pouco destaque às heterodoxias do relator. Infelizmente, no que diz respeito ao direito, há gente demais flertando com justiçamento e de menos com a Justiça. Até nos tribunais. 

Fonte: Folha de S. Paulo - Coluna do Reinaldo Azevedo