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domingo, 20 de agosto de 2023

O presidencialismo que resiste à coalizão - Alon Feuerwerker

Análise Política

O sistema eleitoral brasileiro produz amiúde um cenário contraditório, resultado de certo paradoxo: enquanto a eleição presidencial costuma produzir entre duas ou quatro candidaturas que atingem massa crítica, a disputa para o Congresso Nacional sempre resulta num quadro pulverizado.

A cláusula de desempenho promete resolver o problema no médio e no longo prazos, mas será preciso ver se, quando o remédio finalmente funcionar, o paciente ainda estará vivo.

Haveria como corrigir. A cura radical poderia vir de um voto em lista fechada nos estados, acabando, ao mesmo tempo, com a desproporção entre as representações estaduais na Câmara dos Deputados. Ou então implantando o voto distrital misto, com uma certa reserva (talvez 20%) para as listas fechadas.

Se se quisesse aplicar um remédio imediato que não demandasse grandes quóruns legislativos, seria simples: calcular em cada estado as bancadas de deputados federais não mais a partir dos votos dados aos parlamentares e às legendas para a Câmara, mas dos votos dados aos postulantes à Presidência.

Por analogia, as cadeiras nas assembleias seriam calculadas a partir dos votos para governador. E a composição das câmaras municipais respeitaria o desempenho dos candidatos a prefeito.

Essa simples alteração obrigaria os partidos a fundir-se ou formar federações em torno de candidatos viáveis e garantiria que a vontade popular, expressa na eleição majoritária com muito mais nitidez que na proporcional, se traduzisse em possibilidade real de governar.

Mas há um consórcio bem azeitado que resiste a qualquer mudança substantiva.   
É tipo o casamento do jacaré com a cobra d’água: junta as legendas cuja única razão de existir é a intermediação de recursos orçamentários e as correntes bem-pensantes que desfrutam prestígio na elite e na superestrutura intelectual-ideológica, mas raramente são correspondidas pelo eleitor.

E o curioso é que as segundas formalmente desprezam as primeiras pelo “fisiologismo”, termo que só é temporariamente aposentado quando o segundo grupo precisa apoiar algum governo que represente o “mal menor”. E passa a repaginar como “articulação política” o que sempre tratou derrogatoriamente.

É natural e humano que essas janelas de oportunidade aticem o apetite das legendas antes chamadas de fisiológicas, pela momentânea eliminação, ou ao menos redução, do custo reputacional implicado no que normalmente seria xingado como “toma lá, dá cá”. É onde estamos.

Ainda mais quando se nota o azeitamento da relação entre o Planalto e o Judiciário,
o que faz suas excelências do Congresso olharem com cuidado redobrado para a possibilidade de aninhar-se sob as asas do Executivo.

Mas aqui quem me lê poderia fazer uma pergunta: afinal, por que o Executivo precisa fazer tantas concessões?

No mínimo, para garantir que não se formarão massas críticas em torno de possíveis impeachments. E para evitar, ou ao menos controlar, comissões parlamentares de inquérito. Agora mesmo, uma competente articulação política (vou usar a expressão benigna) emasculou ou virou do avesso CPIs originalmente anti-Planalto.

E tem também o “apoio às reformas”. Seria o caso de estudar como e por que governos, um atrás do outro, decidem ter uma agenda legislativa que demanda expressivas maiorias, apenas para, ao fim e ao cabo, e a um custo altíssimo, colher mudanças legais de efeito apenas relativo.

Verdade que isso faz parte da estranha propensão brasileira a, simultaneamente, orar no altar da Constituição de 88 e diariamente revogá-la pela enxurrada de emendas congressuais e decisões do Supremo Tribunal Federal. O que talvez merecesse um estudo de especialistas na relação entre política e psicanálise.

É nesse ponto que se acha o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Para ter governabilidade (outra expressão bonita que se impõe ao governante que não quer virar um Luís XVI), precisa abrir espaço a políticos que nada têm a ver com o que se decidiu na eleição, ou até se opuseram ao que acabou prevalecendo na urna.

É natural que resista, ainda que vá ter de ceder. Aliás, governar o Brasil tem sido um pouco isso. Uns chamam de “presidencialismo de coalizão”.  
Que carrega, dialeticamente, em si seu contrário. 
O que governantes brasileiros mais fazem, no que gastam talvez a maior parte do seu precioso tempo, é resistir ao Frankenstein.

 Alon Feuerwerker,  jornalista e analista político

 

 

domingo, 27 de março de 2022

CORTAR O MAL PELA RAIZ! - Gilberto Simões Pires

ESCREVER UMA BOA CARTA
Se a nossa Constituição, com total razão, desde o momento em que foi promulgada, em 1988, tem sido alvo de inúmeras críticas pelo fato de reunir um imenso conjunto de malefícios ou de coisas que provocam consequências negativas para o sofrido povo brasileiro, mais críticas ainda passou a receber depois que o STF resolveu interpretá-la ao seu modo e/ou interesse (ideológico). Diante desta situação -crítica- a felicidade geral da Nação depende de uma BOA E EFETIVA CARTA, do tipo que faça valer os reais e corretos anseios da população.

SALVAÇÃO DO BRASIL COMEÇA POR UMA NOVA CARTA 
Sobre este importante tema, o qual dediquei vários editoriais, vejo que a cada dia que passa mais cresce o convencimento de que a SALVAÇÃO DO BRASIL COMEÇA POR UMA NOVA CARTA. A propósito, nesta semana a jornalista Madeleine Lacsko, da Gazeta do Povo, relatou o debate que mediou sobre a necessidade de uma nova Constituição com a participação do ministro aposentado do STF, Francisco Rezek, do professor emérito da Universidade Mackenzie, Ives Gandra Martins, do diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca, Ignacio Berdugo, do professor de economia da Universidade de Iowa, Luciano Castro e da professora do CEU Law School, Beyla Fellous.
 
PONTO DE PARTIDA 
O encontro foi o PONTO DE PARTIDA para que se inicie um debate acadêmico sobre o tema. Segundo o professor Ives Gandra Martins, a solução para mudanças mais imediatas seria fazer REFORMAS CONSTITUCIONAIS, principalmente a ADMINISTRATIVA. Chamar uma Assembleia Nacional Constituinte seria uma temeridade, dada a qualidade de políticos a quem damos poder hoje em dia. Esse é o temor de muitos, inclusive o meu, afirmou Ives.

Para funcionar, uma Constituição precisa necessariamente refletir os VALORES DO POVO. E a estrutura técnica tem de ser pensada para fazer com que esses princípios sejam realmente colocados em prática, não fiquem apenas no papel. Há países que elegem comissões de notáveis para elaborar regras. Outros simplesmente escolhem especialistas. Todos fazem CONSULTAS POPULARES.

PLEBISCITO
 A Assembleia Nacional Constituinte do Brasil teve 559 parlamentares. É um modelo semelhante ao do Benin, pátria originária do acarajé. Já o Quênia escolheu um comitê de 9 especialistas. Na Espanha, um comitê parlamentar de 7 pessoas escreveu a Constituição. A Tunísia elegeu mais de 200 pessoas para fazer uma Constituição. A grande questão é como unir a sociedade em torno do projeto. Vejam que o máximo que aconteceu no Brasil foi o plebiscito de armas e também para escolher entre monarquia, presidencialismo e parlamentarismo. Na África do Sul, por exemplo, foram feitas mais de 1000 consultas públicas. [o que complica no Brasil é que a Constituição de 88 além de todos os malefícios, pode ser aplicada mediante interpretação de seis ministros do STF, e pode ser emendada, criando um quarto poder pela vontade de um único ministro = que não prosperou por ter sido exposta em solo estrangeiro.]
 
PROPOSTAS CONCRETAS
 Uma proposta, que foi bem observada pelo ministro Francisco Rezek, é a ESTRUTURAL. As pessoas reclamam muito de IMPUNIDADE, INFINITOS RECURSOS PENAIS, CONTROLE DO SISTEMA POLÍTICO por caciques de partido e assuntos assemelhados. Vira e mexe aparece um abençoado com uma ideia de lei nova ou julgamento do STF para resolver o problema. Daí a gente embarca porque ENQUANTO HOUVER OTÁRIO, MALANDRO NÃO MORRE DE FOME. 
Um dos principais problemas que nós temos está no artigo mais conhecido da Constituição, o Art. 5º, que estabelece um longuíssimo rol de DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO. 
A crítica que a gente sempre ouve é a de ser MUITO DIREITO E POUCO DEVER.  
E nisso há razão, até a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem deveres.
 
ARTIGO NA ÍNTEGRA
Vale pena para que o amadurecimento aconteça com maior rapidez. 
 
Ponto Crítico - Gilberto Simões Pires 



quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A confissão de Toffoli - Editorial

Gazeta do Povo

Quase um ano e meio depois de afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) atua como “editor de uma nação inteira” no abusivo inquérito das fake news, o ministro Dias Toffoli atribuiu uma nova função à corte e que, assim como a de “editor”, não vem nem das leis, nem da vontade popular. Durante o 9.º Fórum Jurídico de Lisboa, o ex-presidente do Supremo afirmou que hoje o Brasil vive um “semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”.

A discussão sobre semipresidencialismo – um sistema em que o presidente da República divide formalmente poderes com o Legislativo, embora não a ponto de se falar na adoção do parlamentarismo – já vem de alguns anos e sempre retorna quando se observam impasses entre poderes, especialmente entre Executivo e Legislativo. Se há a constatação de que o Brasil de hoje já funciona em parte de modo semipresidencialista, é porque a Constituição de 1988, embora afirme que o Brasil é uma república presidencialista escolha ratificada pela população no plebiscito de 1993 –, teve entre seus redatores muitos adeptos do parlamentarismo, e que acabaram deixando sementes espalhadas pelo texto constitucional. Resultado disso é o dito “presidencialismo de coalizão”, em que o governante de turno precisa montar uma maioria parlamentar à base de muitas negociações, nas quais se recorre ao fisiologismo e à corrupção pura e simples. O que mais assusta na frase de Toffoli, no entanto, não é a menção à solução fora de lugar representada pelo semipresidencialismo, mas a um papel que o Supremo concedeu a si mesmo ao arrepio de qualquer previsão legal.

O passado recente bem demonstra a que ponto o Supremo se arrogou o papel de “superpoder”

Não existepoder moderador” de nenhum tipo no Brasil, e quem o afirma é o próprio Supremo. Em 2020, a corte havia sido chamada a esclarecer o papel das Forças Armadas na ordem institucional brasileira, e em liminar o ministro Luiz Fux (hoje presidente da corte) afirmou expressamente queinexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização. O conceito de poder moderador, fundado nas teses de Benjamin Constant sobre a quadripartição dos poderes, foi adotado apenas na Constituição Imperial outorgada em 1824. Na conformação imperial, esse quarto Poder encontrava-se em posição privilegiada em relação aos demais, a eles não se submetendo. 
No entanto, nenhuma Constituição republicana, a começar pela de 1891, instituiu o Poder Moderador. 
Seguindo essa mesma linha e inspirada no modelo tripartite, a Constituição de 1988 adotou o princípio da separação de poderes, que impõe a cada um deles comedimento, autolimitação e defesa contra o arbítrio, o que apenas se obtém a partir da interação de um Poder com os demais, por meio dos mecanismos institucionais de checks and balances [freios e contrapesos] expressamente previstos na Constituição”.

Mais adiante, na mesma liminar, Fux afirma que “considerar as Forças Armadas como um ‘poder moderador’ significaria considerar o Poder Executivo um superpoder, acima dos demais”; ora, se é assim, não estaria Toffoli querendo fazer do Supremo esse “superpoder, acima dos demais”? E podemos perguntar mais ainda: não estaria o STF realmente agindo desta forma, acima dos demais poderes e acima das próprias leis, extrapolando completamente o seu papel de guardião e intérprete da Constituição Federal?

 
VEJA TAMBÉM:     Supremo sem freios (editorial de 14 de agosto de 2021)
    O apagão da liberdade de expressão no Brasil (editorial de 30 de agosto de 2021)
    A insegurança jurídica e o descrédito do Supremo (editorial de 11 de março de 2021)
    Vergonha para o STF, luto para o Brasil (editorial de 23 de março de 2021)


O passado recente bem demonstra a que ponto o Supremo se arrogou o papel de “superpoder”. Não bastando as inúmeras e constantes interferências nas funções dos poderes Executivo e Legislativo, a corte vem rasgando a Constituição e as leis ao promover um apagão da liberdade de expressão no Brasil, instaurar inquéritos abusivos nos quais o devido processo legal é ignorado, criar crimes sem previsão legal (como na recente equiparação da homofobia ao racismo), anular processos e decisões judiciais realizadas em completo respeito às leis penais e processuais, e inventar suspeições. Como afirmamos neste espaço em março de 2021, “quando a Constituição, a lei, a jurisprudência, os princípios legais e a coisa julgada são ignorados, entra em ação o voluntarismo. Já não existe uma única Constituição, mas tantas Constituições quanto magistrados.  
Já não existe jurisprudência, mas apenas as convicções e as conveniências de cada julgador. E, no Brasil atual, poucas instituições têm representado esse caos judicial de forma tão intensa quanto aquela que deveria ser a principal guardiã da Carta Magna e da segurança jurídica”.
 
A confissão de Toffoli pode fazer corar Montesquieu, o grande teórico iluminista da tripartição de poderes, mas já fora prevista muitos séculos antes pelo poeta romano Juvenal, que nas suas Sátiras questionava: quis custodiet ipsos custodes?, o que poderia ser traduzido como “quem vigia os vigilantes?”, ou “quem guardará os guardiões?”.  
Sem os limites que o bom uso dos freios e contrapesos traria, a tendência dos ministros do Supremo é realmente se tornarem um superpoder que decide como bem entende, sem ter de prestar contas a ninguém. E então a ressalva de que “presidir o Brasil não é fácil” soa ainda mais sarcástica, já que agir como um superpoder, decidindo como se bem entender, sem precisar negociar nada com ninguém ou sem prestar atenção a lei alguma, é a coisa mais fácil que há.


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Editorial - Gazeta do Povo


domingo, 25 de julho de 2021

VIGARICE PURA E SIMPLES - Percival Puggina

O cidadão precisa ser muito distraído para não perceber o quanto é mal sucedido o modelo político adotado no Brasil republicano. O sistema é fértil em gerar crises e criar problemas para si e para todos. Pela multiplicação de partidos e maus hábitos, torna cada vez mais cara, difícil e indecentemente onerosa a formação de maioria parlamentar sem a qual nenhum governo conseguiu governar e completar mandato desde 1945. 
 
Quanto mais manhosa a maioria, mais caro o voto. Quanto mais ampla ela for, mais corrupto o sistema. Quem muito atraiu ou comprou, muito haverá de pagar. Bem resumidamente, os sistemas de governo são três:
Presidencialismo, no qual o presidente é chefe de Estado e de governo e precisa, desesperadamente, compor e manter maioria parlamentar depois de eleito;
Semipresidencialismo, no qual o presidente é chefe de Estado e indica um Primeiro Ministro à aprovação do Congresso para que este exerça as tarefas de governo (a maioria que o aprovar é a maioria que vai governar e demanda “negociação” nos moldes atuais);
Parlamentarismo, no qual o presidente é chefe de Estado e a maioria do Congresso indica o Primeiro Ministro. Neste caso, o governo sempre terá maioria porque se não tiver, cai e outro governo é indicado pela nova maioria.
Dos três, o mais racional e mais utilizado nas democracias é este último porque estabiliza a governabilidade. 
 
No entanto, nenhuma alternativa ao atual presidencialismo dará certo se tudo permanecer como está na dinâmica das eleições, da política e da vida parlamentar. 
 
Quem quer dar mais poder a um parlamento como esse que temos? 
 
Antes de qualquer mudança, aprovem nossos parlamentares o voto distrital, o recall, a possibilidade de dissolução do parlamento seguida de convocação de novas eleições por ato do chefe de Estado. São regras civilizadas, próprias ao parlamentarismo, vigentes em democracias estáveis e bem sucedidas.
 
Que este venha depois, e só depois, dos preceitos saneadores do Legislativo!
 
Mas não! A proposta do semipresidencialismo em 2022 é concebida no ventre de um Congresso que em dois anos e meio, perenizando a impunidade, não votou uma PEC que permita a prisão após condenação em segunda instância. 
Não votou a CPI da Lava Toga (para não “desestabilizar” a harmonia dos poderes), mas votou a CPI da Cloroquina para “desestabilizar” o Executivo. 
Não fez andar um único pedido de impeachment contra ministros do STF. Antes, deu rédea solta ao Supremo petista. 
Homologou a absurda ordem de prisão “em flagrante” contra o deputado Daniel Silveira. 
Transformou o Pacote Anticrime em preceitos que reprimem a ação da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário. 
Mandou à nação uma conta de R$ 5,7 bilhões para o custeio de suas campanhas eleitorais do ano que vem. E por aí vão.
 
Todo o mal que tramam é produzido sem que se identifiquem os autores, à noite, à véspera de recessos, em acordos e artimanhas regimentais. 
Todo o bem que não fazem, é omissão oculta no anonimato da multidão; todos se salvam lisos, numa espécie de imunidade de rebanho, se me faço entender. 
 
Semipresidencialismo, nascido nesse parlamento onde a maioria só quer se preservar no poder, é vigarice, pura e simples
É expropriação de poder do presidente que venha a ser eleito no ano que vem. 
É artimanha para se legitimarem perante a nação e, imediatamente após o pleito, seguirem fazendo a única coisa que sabe: cuidarem de si mesmos.  
Proteja Deus e preserve em seu difícil trabalho os bons que, sim, ainda existem.
 
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

quinta-feira, 30 de abril de 2020

O dia seguinte - Folha de S. Paulo

 Maria Hermínia Tavares 

Assunção de Hamilton Mourão seria a continuação do atual pesadelo

Sobram razões morais, políticas e possivelmente jurídicas para o impedimento de Jair Bolsonaro. As acusações do ministro Sergio Moro ao deixar o cargo são graves e verossímeis. Somam-se à repulsiva participação do presidente na manifestação em que, diante do Quartel-General do Exército, uma turba urrou pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, com a volta da ditadura.

Ainda assim, é difícil descartar as considerações não só da oportunidade, mas sobretudo dos efeitos do impeachment. Se uma proposta nesse sentido avançasse no Congresso, consumiria inevitavelmente a atenção, o tempo e os esforços que devem ser dedicados ao único propósito coletivo que agora de fato importa: conter a enorme devastação humana, social e econômica produzida pelo coronavírus.

Ela poderá ter também outras consequências nefastas que não convém ignorar. No sistema presidencialista, os titulares do Executivo têm mandato fixo; a sua abreviação é quase sempre traumática. Com ou sem reeleição, o calendário preestabelecido é a regra de ouro que organiza a disputa pelo poder. Políticos e partidos têm nas eleições periódicas e com data conhecida o seu horizonte de ação.

Eis por que, na origem do presidencialismo, o impeachment foi criado como recurso último e excepcional para frear a ambição dos mandatários; sua mera possibilidade deveria dispensar o seu efetivo emprego. O recurso frequente ao impeachment desestrutura o jogo do presidencialismo e cria perigosa instabilidade institucional, que tende a enfraquecer a confiança na democracia.

Em três décadas, a contar de 1989, dois presidentes foram impedidos no Brasil. Nos EUA, em mais de dois séculos, foram abertos processos contra quatro presidentes.. É insensato supor que um terceiro trauma do gênero, apenas quatro anos depois do anterior, mesmo para barrar um mandatário com ostensiva vocação autoritária, contribuirá para o fortalecimento das nossas instituições democráticas. [Vocação autoritária mais fruto de uma interpretação criativa do que de uma realidade e que sempre´quanto entendem que está surgindo, é contida com mais autoritarismo.]

Por fim, não custa lembrar que, afastado, Bolsonaro será substituído pelo vice, general Hamilton Mourão, com o qual compartilha convicções reacionárias, entre elas uma visão antediluviana da questão ambiental e do respeito ao modo de vida de nossas populações indígenas; sensibilidade zero para a tragédia social brasileira e, muito provavelmente, a mesma concepção estreita da importância das liberdades civis.

Assim não fosse, não lhe teria ocorrido, ao deixar o Exército para se juntar a Bolsonaro, saudar o falecido major-torturador Brilhante Ustra. A sua ascensão ao poder transformaria o dia seguinte ao impeachment na continuação do atual pesadelo.

Maria Hermínia Tavares, professora aposentada e pesquisadora - Folha de S. Paulo

  


terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Ricardo Noblat - À sombra da hegemonia da extrema-direita - Blog do Noblat - Veja

Por Ricardo Noblat

O PT envelheceu. Ou se liberta de Lula ou não terá futuro

Lula jamais imaginou que seria condenado pela Lava Jato. Uma vez que foi, jamais imaginou que seria preso. Uma vez preso, imaginou que acabaria solto a tempo de tentar se reeleger presidente da República pela terceira vez. Quem sabe não compensaria as três vezes (1989, 1994 e 1998) em que foi derrotado, duas, em primeiro turno, por Fernando Henrique Cardoso. Lula nunca perdoou Cardoso por isso.

Condenado, preso e impedido pela lei da Ficha Limpa de se candidatar, Lula algemou-se ao PT e o PT docilmente a ele, com a esperança de que, um dia livre, pudesse reconstruir sua imagem, e dispondo de um partido ainda razoavelmente forte, voltar à boca do palco da política brasileira. O sonho tem tudo para se evaporar quando o Supremo Tribunal Federal julgar o pedido para que anule sua condenação no processo do tríplex.

Condenado em primeira instância no processo do sítio de Atibaia, reformado de graça para ele e sua família pelas construtoras OAS e Odebrecht, Lula é candidato a ser novamente condenado na segunda instância.  Escapará à nova prisão porque o Supremo decidiu que prisão só é possível depois da sentença transitar em julgado, e isso costuma levar muito tempo, tantos são os recursos protelatórios permitidos.

A direção do PT sabe disso. Os militantes do partido, também. O que todos fazem questão de ignorar é a verdade dolorosa para eles de que ou PT se liberta de Lula ou não terá futuro. Por ora, há um ensaio de reflexão sobre a encruzilhada em que ele o partido se encontra. Mas um ensaio tímido. Quem sabe, hoje, quando o receber no Vaticano, o Papa Francisco não operará o milagre de converter Lula à realidade?

De protagonista sem que ninguém lhe fizesse sombra da trajetória espetacular do partido de esquerda mais bem-sucedido da América Latina nas últimas décadas, Lula virou o algoz do PT. O PT pouco ou nada apreendeu com o que fez de errado nos quase 14 anos em que governou o país. E nada esqueceu. Não se renovou – envelheceu a galope. Renunciou a muitos dos seus caros princípios.

Lula livre significou o PT preso a ele. Lula solto, pelo que se vê, significa o PT atado aos ditames do seu dono. Gleisi Hoffmann seria presidente do partido se não fosse um pau mandado de Lula? Não somente ela. Os que integram a corrente majoritária do PT se comportam como se os tempos não fossem outros. Acreditam que foram vítimas de um golpe e que a História reconhecerá isso mais adiante, devolvendo-os ao poder.

Foram surpreendidos pela jornada de julho de 2013 quando milhões de brasileiros, sem a ajuda ou provocação dos partidos, saíram às ruas para gritar que não o faziam só por 20 centavos a menos ou a mais no preço das passagens de ônibus. Para que retornassem às suas casas, a presidente Dilma prometeu o que podia e o que não podia. Ao cabo, nada fez. Caiu porque perdeu o apoio que tinha para governar.

No parlamentarismo, o voto de desconfiança derruba o primeiro-ministro. No presidencialismo, o impeachment. O Congresso americano tinha razões de sobra para aprovar o impeachment de Donald Trump. A Câmara aprovou. O Senado, não, porque, ali, ele contava com o apoio de todos, menos um dos senadores republicanos. Nos estertores do governo Dilma, ela nem mais contava com o apoio integral do próprio PT.

A reconstrução do PT passa por um exame dos seus erros até para não repeti-los; pela defesa de propostas que falem ao coração e à mente da maioria dos brasileiros; e por uma injeção de sabedoria e de humildade que o leve a abrir mão da ideia tacanha e restritiva de que exerce e de que deverá continuar exercendo o monopólio da oposição. Se não for assim, resigne-se por um longo tempo à hegemonia da extrema-direita.

Blog do Noblat - Ricardo Noblat,jornalista -VEJA


quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Presidencialismo de colisão x parlamentarismo - O Estado de S.Paulo

José Serra

Precisamos alcançar, nos termos da Constituição, caminhos para enfrentar crises conjunturais

Os recorrentes embates entre o Executivo e o Congresso representam uma generosa fonte de incentivos para a reflexão sobre a mudança do sistema de governo em nosso país. Os exemplos desses embates são numerosos e não estão circunscritos aos mandatos atuais.Tudo começa com a falta de entendimento entre o Executivo e os parlamentares que apresentam proposições para a solução de problemas nas mais diferentes áreas, que acabam sendo atropeladas por recursos que o governo utiliza heterodoxamente com o propósito de formar maioria. É esta maioria que lhe permite dar curso a seus projetos ou amenizar a fiscalização que poderia e deveria sofrer.

Nesse contexto, as saídas propostas pela sociedade (impeachment, por exemplo) para contornar as ondas de perda de credibilidade que recaem sobre o presidente tendem a transformar o nosso sistema de governo num verdadeiro presidencialismo de colisão. Penalizando o País, como trava ao nosso desenvolvimento. Para a opinião pública, passamos a impressão de que nos dedicamos mais a aparar as arestas políticas do dia a dia do que a dar retorno positivo aos que depositaram em nós a confiança para resolver as dificuldades econômicas e sociais.

O parlamentarismo é uma convicção que carrego desde a época da Constituinte, partindo de um argumento fundamental: a necessidade de participação mais efetiva e responsável do Congresso na definição, implantação e controle das políticas governamentais. O presidencialismo favorece a situação oposta: a grande concentração do poder de decisão nas mãos do Executivo leva o Parlamento a sentir-se pouco comprometido, flertando constantemente com a polarização.

Há quem acredite que a nossa democracia esteja em perigo, que estamos andando no fio da navalha entre o seu enfraquecimento e o risco do autoritarismo. Não penso assim, mas acredito, não é de hoje, que o modelo presidencialista esteja desgastado e que precisamos voltar a cogitar o parlamentarismo. Um parlamentarismo sem subterfúgios, sem meias palavras, que fortalecerá o chefe do Poder Executivo, seus ministros e o seu programa de governo.

No presidencialismo, o Parlamento se fortalece na razão direta do enfraquecimento do governo. No parlamentarismo, aumenta a chance de uma aliança política positiva Executivo/Legislativo, que proporcione um governo mais forte.O parlamentarismo permite mudanças na equipe e no programa de governo sem traumas institucionais. Abre caminho, igualmente, para coalizões governamentais baseadas em programas, e não em puras adesões em troca de favores. Oportuno enfatizar que uma condição essencial para o pleno funcionamento do parlamentarismo reside na possibilidade de o presidente, em face de impasses que impeçam a definição de maioria parlamentar estável, dissolver a Câmara e convocar novas eleições. [o poder de dissolver o Congresso pode ser outorgado no regime presidencialista, bastando ajustes na Constituição.] O sistema favorece, a médio prazo, as condições de governabilidade no país, abaladas em momentos de crise.

O Brasil viveu, desde a promulgação da Constituição, momentos dignos de registro. Consolidamos a democracia política, que tem na Carta sua guardiã mais efetiva, e, apesar dos muitos percalços, estabelecemos as bases de uma economia fundada numa moeda consistente e sólida. Mas precisamos alcançar, nos termos constitucionais, mediante amplo entendimento político, os caminhos para o enfrentamento de crises conjunturais. Abrindo a oportunidade para um avanço que respeite a história e a cultura do povo brasileiro.

Diz-se, com frequência, que o parlamentarismo é apresentado como uma panaceia toda vez que o País passa por alguma crise política ou de governabilidade, mas que os problemas de crescimento econômico, inflação, salários, emprego, desenvolvimento e, sobretudo, de injustiça social não serão resolvidos pelo sistema de governo. A meu ver, não se trata de criar ou recriar panaceias, mas de encontrar uma forma de governo que aumente as possibilidades de os problemas nacionais serem mais bem enfrentados e equacionados.

É, também, corriqueira a crítica de que, no parlamentarismo, o fisiologismo e a cooptação exercerão de forma plena e livre sua influência negativa no processo político brasileiro. Esse é um argumento equivocado, que tem como ponto mais fraco o fato de ignorar que, num sistema parlamentarista, o Congresso passa a ser corresponsável pelas decisões do Executivo, aprovando os programas de governo e a composição do próprio gabinete. Estas atribuições constituem um poderoso fator para atenuar os vícios e reforçar as qualidades do Parlamento. Sem um Congresso forte e responsável, a democracia sempre sairá perdendo.

Arraigar-se na máxima de que no Brasil o presidencialismo é o sistema de governo que tem tradição, por ter cruzado toda a história da República, e que ao parlamentarismo falta condição semelhante é opor-se, como princípio, a todas as possibilidades de mudanças institucionais significativas, sugerindo que elas sempre conduzirão ao desconhecido. Mas esse desconhecido e os horrores que comporta não são, contudo, explicitados.Ficar preso à ideia de que o presidencialismo é bom, mas o presidente em exercício, seja quem for, é que não é bom é imaginar que as crises políticas e econômicas às quais o Brasil está sujeito podem ser separadas do sistema de governo que as envolve.

Defendo o parlamentarismo porque acredito que é possível e necessário um Poder Executivo mais forte. Quando digo isso, evidentemente, não estou falando num Executivo repressor dos direitos individuais ou sociais, ou que tenha força para oprimir o Legislativo. Penso exclusivamente num governo com capacidade para definir e implementar políticas públicas de forma mais coerente, persistente, que tenham como resultado concreto o crescimento e o desenvolvimento do Brasil. Penso na eficácia, na legitimidade e na flexibilidade do sistema de governo, num contexto democrático cada vez mais fortalecido.
 
José Serra, senador da República - O Estado de S.Paulo
 

domingo, 10 de novembro de 2019

O poder de quem tem caneta cheia - Ricardo Noblat - VEJA

O presidencialismo aqui agrega doses de autocracia.



Há uma premissa verdadei­ra, desprezada pelo presidente Bolsonaro: “quanto mais extensa a aliança em torno do Executivo, maior sua probabilidade de garantir a governabilidade”. Siglas e blocos teriam largo espaço na condução do País. Essa relação de troca tem marcado o equilíbrio entre os dois Poderes, com o presidencialismo alimentando-se da base política e esta comendo do seu pasto. Bolsonaro considera isso “velha política”.

Presidencialismo mitigado, ou parlamentarismo à moda francesa, até foi tentado pelo presidente Michel Temer ao governar com o Parlamento. Mas o DNA do presidencialismo está bem presente em nossa cultura. Sua semente viceja em todos os espaços e o termo presidente ecoa grandeza, uma aura de Todo-Poderoso, a caneta do homem que manda e desmanda. O culto à figura do presidente e a outros atores com o poder da caneta faz parte da glorificação. Tronco do patrimonialismo ibérico. Herdamos da monarquia os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, o beija-mão.

O sociólogo francês Maurice Duverger defende a tese de que o gosto latino-americano pelo sistema tem a ver com o apa­rato monárquico na região. O milenar Império Inca dos grandes caciques e depois o poderio espanhol plasmaram a inclinação pelos regimes autocráticos. O presidencialismo aqui agrega doses de autocracia. Já o parlamentarismo europeu se inspirou na ideologia liberal da Revolução Francesa, o que explica a frie­za europeia ante o presidencialismo. Essa disposição monocrática no Brasil começou com a Constituição de 1824, que atribuiu a chefia do Executivo ao imperador. A adoção do presidencia­lismo, na Carta de 1891 – que absorveu princípios da Carta americana de 1787 –, só foi interrompida entre 1961 e 1963, quando o País teve ligeira experiência parlamentarista.

Assim, o presidencialismo se eleva ao altar mais alto da cultura política – o man­datário na condição de protetor, benemérito. De acordo com o traçado do sociólogo Thomas Marshall, os ingleses construíram sua cidadania abrindo, primeiro, a porta das liberdades civis, depois, a dos direitos políticos e, por fim, a dos di­reitos sociais. Entre nós, os direitos sociais precederam os outros. A densa legislação social (benefícios trabalhistas e previdenciários) foi implantada entre 1930 e 1945, no ciclo de castração de direitos civis e políticos.

Portanto, o civismo e o sentimento de participação fica­ram adormecidos por muito tempo no colchão dos benefícios sociais. Imaginar o parlamentarismo aqui só mesmo ante uma ruptura mais acentuada entre o Executivo e o Legislativo. E com a aprovação popular. Por enquanto, temos de conviver mesmo com o fardão presidencialista.

Blog do Noblat - VEJA, Ricardo Noblat, jornalista

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político


quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Poderes harmônicos

Quando um Poder não atua em harmonia com os demais, como manda a Constituição, abre-se uma fissura nos pilares do Estado Democrático de Direito

O regime presidencialista dá especial destaque ao chefe do Poder Executivo como o fiel depositário da esperança dos brasileiros por uma vida melhor. Preferencialmente, em um país seguro e que garanta as condições necessárias para o desenvolvimento econômico, político e social.

O presidente da República, de fato, tem enorme poder para formular a agenda nacional. Qualquer dúvida em relação a isso pode ser dissipada comparando-se o peso diferenciado que os eleitores, em geral, atribuem à eleição presidencial e às eleições para os cargos do Poder Legislativo. No entanto, o papel do presidente na materialização desse conjunto de intenções não é mais importante do que o que é desempenhado pelo Congresso Nacional.  A bem da verdade, quando um Poder não atua em harmonia com os demais, como manda a Constituição, abre-se uma fissura nos pilares do Estado Democrático de Direito, cujas consequências, invariavelmente nefastas, podem ter desdobramentos imprevisíveis.

Em boa hora, no discurso de posse no plenário do Congresso Nacional, local que frequentou nos últimos 28 anos como deputado federal, Jair Bolsonaro afirmou que, agora como presidente da República, governará “com vocês”, referindo-se diretamente aos congressistas. “Aproveito este momento solene e convoco cada um dos congressistas para me ajudar na missão de restaurar e de reerguer nosso país”, disse Bolsonaro, sem cuidar de que não cabe ao chefe do Executivo convocar o Congresso em tempos normais. Ele convida, sugere, pede – mas não convoca, pois, sendo chefe de um Poder, não manda nos demais.

O presidente Jair Bolsonaro fará um governo marcante se implementar, com coragem e espírito público, e com a colaboração efetiva do Legislativo e apoio da opinião pública, medidas fundamentais para reequilibrar as contas públicas, conter a ação desinibida do crime organizado e mostrar inarredável compromisso com os valores democráticos. Para que esta grande missão chegue a bom termo, é imprescindível – como é óbvio – uma relação afinada com o Congresso e as forças vivas da Nação. Sozinho, ou mesmo buscando apoio na voz das ruas – que nem sempre são mais do que ruídos – nada ou muito pouco obterá.

Muito se fala das reformas à Constituição que precisarão ser votadas na próxima legislatura, especialmente as mudanças nas regras da Previdência, condição indispensável para a contenção do déficit fiscal e, consequentemente, garantia de recursos para custeio de serviços públicos e investimentos em infraestrutura não menos importantes. Mas nem só de Propostas de Emendas à Constituição viverá o governo federal. Muitas medidas de natureza infraconstitucional precisarão passar pelo crivo do Poder Legislativo.  O País ganhará muito se a relação entre o Executivo e o Legislativo for profícua e republicana. E esperamos que assim será. Na formação de seu Ministério, o presidente Jair Bolsonaro mostrou disposição para acabar com o nefasto presidencialismo de coalização que vigora no País há mais de três décadas e está na raiz da crise moral e de boa parte de nossos infortúnios.

No discurso, feito no parlatório do Palácio do Planalto, o presidente Bolsonaro voltou a sinalizar como será a relação com o Congresso ao dizer que “os favores politizados, partidarizados, devem ficar no passado para que o governo e a economia sirvam de verdade a toda a Nação”.
Em uma recente entrevista ao Estado, o ex-presidente Michel Temer lembrou da importância de uma relação harmônica entre os Poderes, reforçando que o Executivo não deve “desprezar o Congresso”. São palavras sábias de alguém que conseguiu enormes feitos ao restabelecer a comunicação com o Legislativo perdida no governo de sua antecessora.

 Tanto o presidente Jair Bolsonaro como os membros do Congresso Nacional têm agora diante de si a oportunidade de dar ao País soluções para os problemas que há muito nos afligem. Da boa relação entre os Poderes dependem não só tais respostas, mas o resgate, aos olhos da opinião pública, do valor da política.

Editorial - O Estado de S. Paulo

 

segunda-feira, 4 de junho de 2018

STF votará no dia 20 ação que recoloca em debate o parlamentarismo. Entenda a questão. É o remédio para a longa instabilidade, mas…

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, pautou para o dia 20 deste mês o julgamento de uma ação que está na Corte, ora vejam, há imodestos 21 anos. Seu autor é o petista Jaques Wagner, então deputado federal. À época, ele entrou com um mandado de segurança contra decisão da Mesa da Câmara que pôs em tramitação uma emenda que propunha a instituição do parlamentarismo no país. Pois é… Bem que se poderia abrir uma janela para o futuro aí. Mas, suponho, vamos bater a dita cuja na cara da sorte. Explico.
 
De saída, note-se que o Artigo 60 da Constituição, que define quais são as cláusulas pétreas da Carta, aquilo que não pode ser mudado nem por emenda, nada diz sobre sistema de governo. Logo, se não proíbe, então permite a tramitação. A questão está na extensão que se vai dar ao Artigo 2º das Disposições Transitórias. Lá está escrito que o país realizaria, em 1993, como realizou, um plebiscito para decidir a forma de governo (república ou monarquia) e o sistema (presidencialismo ou parlamentarismo). O resultado é conhecido. Em votos válidos, a república venceu por 86,6% a 13,4%, e o presidencialismo, por 69,2% a 30,8%. Bem, o fato de o país ter feito essa escolha em plebiscito implica, então, que estamos condenados ao presidencialismo para sempre? Obviamente, não! Tampouco a Carta condiciona à consulta direta futuras iniciativas propondo mudança no sistema de governo. O instrumento, contido numa disposição transitória, vale para a consulta de 1993. O que teria custado ao constituinte, fosse essa a vontade, especificar que uma mudança dessa natureza deveria ser submetida ao escrutínio direto?

Antes que continue, uma observação: digamos que o Supremo entenda descabido o mandado de segurança. Isso não significa que se estará aprovando uma emenda parlamentarista. Apenas vai se dizer que ela é possível. Já fiz aqui meu ato de contrição. Meu único arrependimento em política, até hoje, é ter votado no presidencialismo. Mais do que isso: escrevi em favor dele. Cometi um erro há 25 anos. As crises, o tempo, os desaires por que passou o país, tudo isso me converteu num parlamentarista convicto. Se querem a evidência da superioridade do modelo, vejam o que se dá na Itália e na Espanha. Governos caem — e, às vezes, mal se formam —, e o país não entra em pane. “Ah, mas são países mais desenvolvidos…” É verdade! Ocorre que, se Donald Trump se enroscar a valer nos EUA, mesmo a nação mais rica da Terra entra em parafuso.

Já expressei aqui e em toda parte, dada a crise institucional que considero de longa duração, que há o risco efetivo de o sucessor de Michel Temer também não concluir o mandato. Ademais, as ambições cesaristas, de esquerda e de direita, andam expostas por aí… A esquerda não quer nem ouvir falar no assunto porque não vê a hora de voltar ao poder para dar o seu murro na mesa. A extrema-direita não quer nem ouvir falar no assunto porque não vê a hora de chegar ao poder para dar o seu murro na mesa. Opostas, mas combinadas no autoritarismo.

Vamos ver o que dirá o Supremo. Ninguém pode se dizer “já eleito presidente”. O único com números para isso, Lula, não será candidato. E ele próprio sabe disso. A eventual aprovação de uma emenda parlamentarista — com  para presidente da República, que seguiria sendo chefe de Estado, mas não de governo poderia ser uma espécie de garantia contra a desordem.  Sim, sei que é difícil. Até porque o país anda querendo problemas adicionais, não soluções. “Já se tentou antes o parlamentarismo para remendar as coisas e não deu certo”. A história instrui, mas não condena. As circunstâncias de 2018 em nada lembram as de 1963.
Não apostem, no entanto, no bom desfecho.

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O velho golpe do parlamentarismo

Tendo perdido o rumo, o tucanato namora uma mudança de regime que lhe permita voltar ao poder sem ter voto

Estranho partido o PSDB, não consegue decidir se fica na base de apoio do governo (seja lá o que for o que isso quer dizer), mas um pedaço do seu cardinalato começou a fazer campanha pelo parlamentarismo ou pela sua versão diet, chamando-o de semipresidencialismo. À frente da charanga está o senador José Serra, duas vezes derrotado em disputas presidenciais. Michel Temer teria aderido à ideia, mas, como o presidente aderiu a muitas ideias, resta saber se irá na bola.

O parlamentarismo já foi submetido ao julgamento popular em dois plebiscitos e nunca chegou à marca de 25% dos votos. Nunca será demais repetir que em 1888 a escravidão foi abolida por meio de uma lei ordinária. O plebiscito de 1963 rejeitou um parlamentarismo mambembe, porém vigente. O de 1993 confirmou a opção presidencialista de 1963.

Por trás da proposta parlamentarista está o medo de que Lula (ou seu poste) vençam a eleição do ano que vem. Em 1994, quando ele liderava com folga as pesquisas, uma revisão constitucional encurtou o mandato presidencial de cinco para quatro anos.  Tremenda falta de sorte, pois quem tomou a tunga foi Fernando Henrique Cardoso. Uma vez no Planalto, os tucanos poderiam ter batalhado pelo parlamentarismo, mas preferiam lutar pela reeleição. A convicção parlamentarista só aflora na plataforma do PSDB quando eles estão na oposição ou, o que é pior, quando uma de suas facções teme ficar fora do poder municipal, estadual e federal.

No plebiscito de 1993 os brasileiros escolheram entre o presidencialismo, o parlamentarismo e a monarquia. Parece piada, e é, mas se o negócio é trocar de regime para manter Lula (ou seu poste) longe do poder, a melhor opção seria repetir a consulta, com o PSDB defendendo a monarquia. Afinal, mesmo sendo uma “metamorfose ambulante” (nas suas palavras), Lula é capaz de tudo, mas nunca dirá que “seu” Aristides e dona Lindu pertenciam ao ramo de Caruaru da Casa de Orleans e Bragança.

O surto parlamentarista de um pedaço do PSDB deriva da percepção de que a conta eleitoral de 2018 lhe custará caro. Na sua última encarnação, a proposta parlamentarista vem disfarçada de “semipresidencialismo”, abençoada pelo senador Renan Calheiros e pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Ele trata do assunto quando não está batendo boca com colegas ou com o procurador-geral Rodrigo Janot. Um juiz do STF associando-se a propostas desse tipo contribui para a criação do semibanguncismo.

Vendida como um fator de estabilidade, a girafa semipresidencialista teria um aspecto desorganizador. Basta que se imagine um presidente eleito com 60 milhões de votos que, diante de um Congresso hostil, coloca na mesa a proposta de um novo plebiscito para confirmar ou revogar o regime parlamentar. Reedita-se assim o caos do governo de João Goulart em 1962, depois que Tancredo Neves deixou a cadeira de primeiro-ministro. Deu no que deu.  Nos últimos anos, o comissariado petista levou a culpa de ter patrocinado a proposta do voto de lista, um sistema pelo qual o eleitor perderia o direito de escolher nominalmente seu candidato a deputado. Houve um pouco de injustiça nisso, pois muitos tucanos defendiam o truque, mantendo-se atrás das cortinas.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari,  jornalista

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Cunha enquadra Dilma: grana da CPMF, se houver, só após julho de 2016

Cunha: ‘impossível’ volta da CPMF antes de julho de 2016

Segundo presidente da Câmara, governo ‘peca’ em relação ao ajuste fiscal

O presidente da Câmara, deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse em programa de TV exibido na noite deste domingo que considera “impossível” que uma eventual volta da CPMF — imposto proposto pelo governo federal para tentar reequilibrar as contas do país — aconteça antes de julho de 2016.
 
Em entrevista concedida ao colunista do GLOBO Jorge Bastos Moreno, no programa “Preto no Branco”, do Canal Brasil, Cunha detalhou o longo caminho processual que a proposta terá que trilhar e, abrindo fogo contra o governo Dilma Rousseff, com quem está rompido, destacou que, se a medida fosse aprovada pela Câmara e pelo Senado, só passaria a vigorar no segundo semestre de 2016, tendo, portanto, efeito nulo sobre o Orçamento que foi enviado ao Congresso com um déficit de R$ 30,5 bilhões.

Cunha também disse que o pacote fiscal proposto pelo governo “peca” por não mostrar os cortes que serão feitos na administração federal e por tentar impor a volta de um imposto que foi rejeitado em 2007. (Trata-se de) Uma contribuição perniciosa porque atua em cascata na economia... — afirmou Cunha. Quando você tem um produto, você paga, mas esse produto também pagou (CPMF) na etapa anterior e assim sucessivamente, sem poder descontar... Não é um imposto cumulativo que permite deduzir a atividade anterior. Então, ele incide várias vezes em uma etapa de produção.

Economista de formação, Cunha ainda considera “muito pouco provável” que o Congresso aprove a volta do tributo. Disse que o aumento da alíquota de uma contribuição, do imposto de renda numa determinada faixa e até o adiamento do pagamento de servidores podem passar, mas que isso não deve ocorrer com relação à CPMF.

Na mesma entrevista, o peemedebista falou sobre a crise política e seu rompimento com o governo federal. Disse que no congresso que o PMDB fará no dia 15 de novembro, defenderá abertamente que o partido saia de uma vez do governo petista. Ao comentar o pedido de impeachment apresentado pelo jurista Hélio Bicudo, Cunha voltou a citar o regimento da casa para defender que o mandato da presidente não está em suas mãos. — (Sobre esse assunto) Eu tenho duas decisões a proferir. Se eu aceitar (o pedido), está instaurado o processo, que vai demandar uma comissão especial, com prazo de defesa e, depois, vai ter o parecer votado da comissão. Esse parecer vai a plenário e tem que ter dois terços de votos para se iniciar. Iniciando-se o processo tem o afastamento e a matéria vai para o Senado para julgamento. A segunda opção é recusar, mas óbvio que qualquer decisão do Presidente da Câmara cabe recurso. E esse recurso é levado ao plenário.

Aos 57 anos, Cunha ocupa o terceiro cargo mais importante da hierarquia do poder no Brasil. Em 2014, teve 232 mil votos e se tornou um dos deputados mais votados do Rio de Janeiro. Ao lembrar seu currículo, contou que herdou a política do pai. Por fim, defendeu o parlamentarismo.


Se tivéssemos no parlamentarismo, não teríamos a crise que estamos vivendo hoje. Nossa crise hoje é a crise do presidencialismo. Se tivéssemos um parlamentarismo que fosse, mesmo um sistema híbrido, como é a França e Portugal, em que você tem um chefe de estado, hoje, teria caído o governo e não estaríamos discutindo a posição do chefe de estado eleito. Então, precisamos evoluir para o parlamentarismo. Só que fazer esse debate no meio de uma crise, às vezes, pode passar a impressão de golpe. “Você está fazendo isso para poder usurpar os poderes daquele que foi eleito e tem um prazo determinado de mandato, do qual você vai retirar as prerrogativas”.

Ao ser questionado sobre seu envolvimento na Operação Lava-Jato, Cunha manteve a posição de que só foi envolvido no caso por ação do governo federal e economizou palavras. Nas 85 páginas de denúncias que estão lá... Já tive oportunidade de me expressar publicamente, não tem elemento nenhum de prova contra mim — afirmou.

 Fonte: O Globo