Renan
proseia com adversários na guerra de petralhas e petistas para garantir a
própria impunidade e tirar proveito político
O sobrenome Calheiros tornou-se notório no
noticiário policial dos telejornais no começo dos anos 1980, mercê
do conflito sanguinário iniciado com a morte de Henrique Omena, cabo violento
da truculenta PM alagoana. O prenome Renan, em homenagem ao grande
historiador francês das origens do cristianismo, ganhou mais notoriedade ainda depois que os tiroteios cessaram,
talvez, quem sabe, por escassez de vivos
a tocaiar.
Tudo isso se passou à sombra do
alagoano nascido no Rio de Janeiro Fernando Affonso Collor de Mello, quando este, dito “Carcará Sanguinolento”, foi eleito
presidente da República no fim daquele mesmo decênio. Tendo
o já então ex-chefe sido deposto, contudo, o antigo faz-tudo estava fora do
bando, servindo a outras bandas
da política pelas mãos de Zé de Ribamar, dito Sarney, maestro da velha UDN, da
Arena da ditadura e do PMDB da resistência. E lá foi Renan ser ministro da
Justiça do tucano Fernando Henrique Cardoso e presidente do Senado pelo PMDB,
na base de apoio de Lula e Dilma Rousseff, aos quais
serviu com astúcia, eficiência e sucesso. Teve de renunciar à presidência do Senado, ao protagonizar escândalo em que foi acusado de receber
propina de empreiteira para sustentar uma filha e a mãe dela numa relação fora
do casamento.
Mas
ele voltou por cima e neste momento preside o julgamento do impeachment da
quase ex-presidente Dilma, posando de varão de Plutarco, mesmo assentado em nove processos sob a égide do procurador-geral da República, Rodrigo
Janot – cuja recondução ao cargo foi
providenciada por ele no Senado – e do
Supremo Tribunal Federal (STF). Não é pouco, mas até agora não lhe
causou grande mossa. Afinal, Dilma, alvo
do rumoroso processo, ainda hoje trata como inimigo o presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, do mesmo partido de Renan e como ele egresso da base governista.
Ainda que a Casa tenha decidido por acachapante votação mandar o processo
direto para o colo do solícito anjo da guarda das pretensões de permanência da
madama chefona.
Faz tempo que o rebento dos
Calheiros, acusados de terem mandado matar o advogado e político Tobias Granja, está a
merecer o título de Carcará Sanguinolento. Pois viu o ex-patrão reduzir-se a insignificante ratinho domesticado.
De posse da paróquia de São Gregório, por ter consagrado no Congresso a prática
de perder mais tempo discutindo prazos do que se inteirando de acusações e
provas, fazendo-o vassalo do calendário gregoriano, tornou-se o grande Inquisidor. Em suas mãos
repousa o poder de acender a fogueira para incinerar o desastrado desgoverno
dilmolulopetiista. Foi assim que o pai do atual governador de Alagoas,
chamado de Renan Filho como convém numa oligarquia
nordestina, e eleito sob a sombra paterna e em pleno gozo da herança de
abundância da água fresca até no sertão, tornou-se o negociador-mor da
República. “O diálogo”, diz ele, “fortalece a democracia”. Renan não é definitivamente um fofo?
Em vez de
se ater a fatos e a autos, Sua Excelência passeia pelo Eixo Monumental de
Brasília a se reunir com gregos e baianos para produzir o consenso da paz dos cemitérios, em que se enterram empregos e negócios,
também denominador comum do qual ele espera tirar proveito político. Principalmente uma anistia por serviços prestados em todos os
delitos dos quais é acusado. Renan não privilegiou lado algum: conversou com a presidente prestes a ser processada, com o
vice-presidente pronto para ser empossado e com o colega do clã de São João del
Rey, na Minas histórica, que ora preside o tucanato emplumado.
E essa
empalhada empulhação com cara de conciliação nacional na hora da crise e do
pugilato teria de começar por um colega
de prontuários. O tribuno que chefia a Mesa do
Congresso Nacional trocou afagos públicos com Luiz Inácio Lula da Silva.
Este é apontado em nota oficial da força-tarefa da popular e impiedosa Operação
Lava Jato como um dos “principais
beneficiários” da roubalheira que
levou a Petrobras à lona e o Brasil às cordas. Foi o encontro do profeta da fome com o faquir da vontade de
comer. Ambos, não por acaso, desejam o mesmo fim inglório para a república
de Curitiba, chefiada pelo juiz que virou herói no império capitalista pelas
páginas do semanário cujo nome significa o tempo todo: Time.
Da conversa de investigados pela
polícia e pela Justiça escapoliram cochichos inconfidentes, como a de que Lula flertou com o desvio da Constituição representado pela
antecipação de eleições. Mas foi lá mesmo para se alistar como
voluntário na empreitada pacificadora de nosso moderno Bernardo de Vasconcelos
no interregno entre Primeiro e Segundo Impérios, além de herdeiro de Tancredo
Neves, fundador da Nova República, no enterro da ditadura militar. Pouco
importa, se no dia anterior àquele em que o ex-líder
sindical fumou com ele o cachimbo da paz, o ex-presidente tinha chamado os deputados federais de quadrilheiros
que formaram um pelotão de fuzilamento para estraçalhar a tiros de fuzil a
Constituição da República.
Ensurdecido
pelas balas cruzadas entre Omenas e Calheiros ou pela guerra sem quartel de
coxinhas contra petralhas, o julgador-mor do destino da Nação no crítico momento presente só tem
ouvidos para o bem. Só por isso não percebeu que o interlocutor e sua afilhada,
objeto principal do julgamento que comanda, há muito abandonaram tolas
veleidades da madureza na defesa da velha e boa democracia burguesa, sob cujo
governo o Estado Democrático de Direito se mantém hígido, embora enxovalhado em
nossa velha Pindorama de guerra.
O xará
do grande biógrafo de Saulo de Tarso já garantiu que vai antecipar a presença
do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, seu
parceiro no sindicato dos solícitos dos poderosos que estão sendo destronados,
para garantir segurança jurídica à decisão a ser tomada pelos 81 senadores. O
pior de tudo é que não dá sequer para desconfiar se esta é uma boa providência ou apenas um jeito de o
filho de Murici, onde aprendeu muito bem a não deixar que os outros saibam
de si, entregar
o trapézio a um partner que desperta tanta credibilidade quanto ele
próprio. E vai em frente o espetáculo
mambembe em que a plateia é atraída pelo cuspe do ator global Zé de Abreu e pela abundância muscular
dos glúteos e do silicone que segura as glândulas mamárias da Miss Bumbum da
Esplanada. E Rainha da Xepa do desgoverno que desmancha no ar
podre sem nunca ter sido sólido antes.
Publicado
no blog de José
Nêumanne