─ Como é a cegueira?
— Uma das primeiras cores que se
perde é o negro —
respondeu o escritor de 86 anos, há quatro décadas sem visão. — Perde-se a escuridão e o vermelho também…
Naquela direção, onde está a janela, há uma luz. Vejo movimento mas não coisas.
Não vejo rostos e letras.
A névoa densa na
política deste outono deixou governo e Congresso em estado de anopsia similar ao descrito por Jorge Luis
Borges na sua última entrevista, em 1985, ao repórter Roberto D’Ávila. A bruma encobre a transformação do país numa fábrica de
desilusões. Foram 13.100 novas demissões
a cada dia útil dos últimos 12 meses no mercado formal de trabalho. Antes
do carnaval, pesquisadores do IBGE contaram nove
milhões de pessoas à procura de ocupação em 3.500 cidades. A perspectiva
é de que esse contingente aumente para 13 milhões no
segundo semestre.
Encerra-se
o capítulo da “inclusão social”,
celebrado na marquetagem eleitoral da última década, com uma combinação nefasta de mais desemprego e declínio na renda
familiar dos mais pobres (7,4%). A reversão do bem-estar social, pelo
aumento na desigualdade, acaba de ser confirmada por pesquisadores como Marcelo
Neri, da Fundação Getúlio Vargas.
Há um
fenômeno novo, detectou a Associação das Empresas de Transportes Urbanos: as pessoas
reduziram seu movimento nas maiores cidades.
Ônibus levam
menos um milhão de passageiros por dia, em comparação a 12 meses atrás.
Na periferia, segundo a entidade,
cresceu a preferência pela viagem de bicicleta ou a pé. Na região mais industrializada
registrou-se o fechamento de 20 fábricas
a cada dia útil, informa a Junta Comercial do Estado de São Paulo. Perderam-se 4.451
indústrias paulistas, 24% mais que nos 12 meses anteriores. Agora, avança-se no
quarto ano seguido de recessão, com inflação alta e recorde mundial de juros.
Governo e Congresso se mantêm
numa cegueira deliberada. A oposição em transe dedica-se à demolição de pontes para o futuro com “bombas” legislativas, como a de R$ 330 bilhões da semana passada, que
turvou uma das raras iniciativas construtivas dos últimos tempos — o acordo
feito pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) para aprovação da Lei das
Estatais.
O governo perde-se em desvarios. Dilma Rousseff fez do Planalto um escritório de advocacia 24
horas. Faz comícios e, quando não insinua seu
desejo de prisão para o juiz que autorizou o grampo do telefone de uma pessoa
investigada, Lula, recita imaginário “golpismo” num pedido de impeachment, previsto na Constituição que o PT se recusou a
subscrever.
Esconde que o seu partido, sob
comando de Lula, apoiou nada menos que 50 petições similares contra três
presidentes entre 1990 e 2002. Foram 29 contra Fernando Collor, quatro contra Itamar Franco e 17 contra Fernando
Henrique Cardoso. Lula superou 34 pedidos de impeachment. Dilma somava 49 até
ontem à noite — no último é
acusada de usar seu poder constitucional para proteger um investigado,
dando-lhe “auxílio direto” para
escapar “do juiz natural das investigações”.
A luz sobre negociatas como modo
de governo, nos inquéritos sobre corrupção, cegou os que fazem política. Tateiam paredes do labirinto da crise que
construíram, e não enxergam a saída.
Fonte: José Casado - Globo
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