Polícia
de SP oscila entre repressão, como na PUC, e convivência com Paulista fechada -
Apoio de
Alckmin a atos pelo impeachment influenciam ação, segundo especialistas
Em um
domingo de sol, o batalhão de Choque da
Polícia Militar é bem recebido na avenida Paulista: por ele, passam manifestantes pró-impeachment que cumprimentam os
agentes, tiram selfies e chegam a até bater continência. Numa sexta à noite, a mesma avenida é palco
de uma manifestação anti-impeachment. Ali, não se
vê relações de proximidade com os policiais. Alguns manifestantes pedem,
inclusive, o fim da Polícia Militar.
Da ovação à neutralidade ou
hostilização em vários episódios, a PM de São Paulo responde a quem está na rua
por meio da atuação, ora amigável, ora ríspida, e muitas vezes violenta, como
no episódio na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, na
segunda-feira passada.
Policiais
em ato anti-impeachment dia 18 em SP. P. Fridman Bloomberg
Essa conduta que varia com as oscilações
de humor e ideológicas dos manifestantes em uma instituição que, em tese, deveria manter um
padrão de atuação dissuasivo e neutro, aponta para um nível de politização que
pode ser um perigoso ingrediente para que ânimos, já exaltados, se acirrem
ainda mais em meio à polarização política, de acordo com três especialistas
ouvidos pelo EL PAÍS. Um quarto estudioso consultado, no entanto, diz
que não há elementos para indicar desvios significativos na atuação dos
policiais nos atos recentes.
"Atuação
imparcial, moderada, apartidária e republicana", diz governador sobre PM
em manifestações
A repressão ao ato foi um dos
casos mais emblemáticos do crescente nível de tensão nas ruas e do risco de
choques entre grupos contrários. Na segunda-feira passada, um grupo
pró-impeachment marcou uma manifestação em frente ao prédio da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de São Paulo, colocando um carro de som na rua.
Alguns alunos que são contrários ao impeachment quiseram falar no microfone e
outros reclamaram do barulho. A discussão foi aumentando e a polícia foi
acionada, intervindo com o uso de bombas de gás lacrimogênio. O grupo
anti-impeachment chegou a ficar encurralado em uma das vias pela PM. Há relatos
de bombas arremessadas para dentro da universidade e ao menos um estudante
ficou ferido por uma bala de borracha.
No dia
seguinte, o secretário de Segurança
Pública Alexandre Moraes declarou à imprensa que "a ação da PM foi legítima”, e
que “não tinha”
meios alternativos que poderiam ser usados para a dispersão dos manifestantes
naquele momento. Três dias antes do ocorrido na PUC, a mesma polícia usou jatos
de água para desmobilizar manifestantes a favor do impeachment que ocupavam a
avenida Paulista há quase dois dias. Parte da avenida ficou fechada para o
tráfego durante quase 48 seguidas, sem que houvesse um aviso prévio dos
manifestantes às autoridades, ainda que, no início do ano, Moraes tivesse
anunciado que os protestos do Movimento Passe Livre só poderiam ocorrer na
cidade se os organizadores enviassem, com horas de antecedência, um
roteiro completo do trajeto que fariam. A desobediência à essa ordem resultou
em um protesto sufocado por bombas de gás lacrimogêneo na avenida
Paulista, cercada por policiais que impediram os manifestantes de sair em
passeata.
Ainda na
mesma terça-feira, o governador Geraldo
Alckmin participou de uma cerimônia no Centro de Operações da Polícia Militar.
Ele disse que a atuação da PM nas manifestações é
"imparcial, moderada, apartidária e republicana". Além dos
elogios ao batalhão, o governador deixou clara sua posição sobre os protestos. “Eu sei, secretário [de Segurança Pública]
Alexandre Moraes, do custo pessoal de
ter de remover das ruas representantes de um sentimento maior da nação porque uma minoria ávida havia previamente requisitado o
espaço para lá manifestar-se”. Alckmin se referia ao dia em que a PM
removeu com o jato d'água os manifestantes pró-impeachment que ainda resistiam
da avenida Paulista para que o ato anti-impeachment pudesse ocorrer ali. A
minoria a que o governador se referia eram as 95.000 pessoas, segundo o
Datafolha, que foram
se manifestar contra o impedimento de Dilma Rousseff.
Linha
de comando
De acordo
com Ignacio Cano, especialista em Segurança Pública da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não é só a atitude do manifestante diante da
PM o que alimenta esse comportamento diverso, mas, sobretudo, o fato de a
corporação atuar sob o que ele considera orientação política. "Em São Paulo, o Governo estadual tem
claramente uma disposição favorável a esses manifestantes
[pró-impeachment]", diz, o que levaria os policiais a agirem de acordo
com essa posição. "Aguentar
provocação é obrigação da PM, assim como dos juízes de futebol", diz.
Essa
visão é compartilhada por Renato Sérgio de Lima, doutor em Sociologia pela
Universidade de São Paulo e vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. Ele diz que a Polícia Militar é uma extensão do Governo Alckmin. “Nossa polícia tradicionalmente toma como
norte a direção política do Governo a que está submetida”, afirma Lima, que
é também co-organizador do livro Crime, polícia e justiça no Brasil. “Em termos de governança, a PM de São Paulo
é muito suscetível ao comando da Secretaria de Segurança Pública e do próprio
Governo. Não necessariamente por uma ordem direta, mas através da próprios
vivência de seus membros. De sinais, como falas e entrevistas”, acrescenta.
O governador Geraldo Alckmin participou
do ato pró-impeachment no dia 13 de março. [o
governador é antes de tudo um cidadão – aliás, para ser candidato a qualquer
cargo eletivo – condição primeira para ser governador de qualquer Estado – é
necessário ser cidadão – e qualquer cidadão tem o direito de participar de
manifestações ordeiras e que defendam direitos legítimos.]
Apesar de
ser comumente vista "como uma
extensão do Governo, não uma força do Estado", a polícia de São Paulo
goza, segundo o sociólogo, de uma autonomia exagerada, prestando poucas contas
à sociedade. Em países como a Inglaterra e a Alemanha, as corporações policiais
são obrigadas a apresentar os protocolos que seguem em caso de protestos públicos.
O protocolo seguido pela PM de São
Paulo, por exemplo, é sigiloso.
"Como resultado, o cidadão não conhece de antemão os limites de suas ações
em ambientes como esse", diz Lima. “Não
se trata de crime organizado e sim de eventos organizados previamente em que a
população não sabe o que esperar se um policial
for atingido com uma pedra. Essa visão opaca de segurança pública, sem
critérios públicos e objetivos, é que o dá espaço à politização.” [a PM e qualquer organização policial tem o PODER/DEVER de agir com a
força necessária para reprimir qualquer agressão de que seja vítima. Se durante
uma manifestação policiais são apedrejados a autoridade policial passa a ter
não só o DIREITO, o PODER, mas também o DEVER de revidar com a força necessária
de forma a fazer cessar a agressão e prender os agressores.]
O
coordenador da Comissão da Verdade Pedro Dallari, que critica uma "concepção combativa de segurança
pública” e defende a desmilitarização das polícias, não vê, no entanto, desvios significativos na atuação dos policiais
nas manifestações recentes. “Pelo que
tenho acompanhado dos protestos, a atuação é profissional", avalia. "Claro que há condutas inadequadas, que
devem ser combatidas, mas é preciso ter certo cuidado para falar em politização
nesse momento de disputa”.
Já
Conrado Hübner Mendes, professor de Direito Constitucional na faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP), vê sinais preocupantes nos episódios
da PUC e da Paulista. "A PM só faz
alimentar a percepção de que simpatiza por um dos lados. Como sempre, há
policiais que não se deixam contaminar e agem racionalmente. São exceções que
confirmam a regra, mas têm que obedecer ordens hierárquicas. No geral, o que
vimos é mais do mesmo: uma PM desorientada tanto na ação quanto na omissão,
tolerada pela indiferença das autoridades com poder para regulá-la e
controlá-la."
Protesto
estudantil
A
oscilação de conduta da polícia ficou evidente em outra manifestação da semana
passada. Enquanto Alckmin discursava no Centro de Operações da PM, na
terça-feira, um grupo de cerca de 150
estudantes secundaristas saía em passeata pela zona oeste da cidade contra o
fechamento de salas de aula e pedindo que uma CPI apurasse
os desvios de verba para a merenda, um caso que implica aliados do governador. O
protesto acontecia um dia depois do episódio da PUC, que gerou críticas
ferrenhas nas redes sociais contra a conduta da polícia. Sem aviso prévio, os secundaristas bloquearam
importantes vias, como a avenida Eusébio Matoso e o cruzamento da avenida
Rebouças com a Faria Lima.
A polícia acompanhou o ato, mas, diferentemente do
ano passado, quando a repressão foi
criticada, não o reprimiu. Aos olhos de alguns, as críticas do dia anterior
– quando policiais apontaram armas para
estudantes, como mostraram os vídeos que viralizaram nas redes – serviram para que a polícia mudasse de
estratégia.
O
sociólogo Renato Sérgio de Lima, da USP acredita que para adequar e padronizar o
comportamento das polícias o Brasil deveria olhar exemplos positivos no
exterior. O especialista enxerga nas comissões
independentes de controle da ação policial, ensaiadas na Inglaterra após
episódios de violência como o que resultou no assassinato, por engano, do
brasileiro Jean Charles em Londres, uma solução para o policiamento brasileiro.
A proposta desses comitês, segundo ele, é que eles sejam compostos por
especialistas na área de segurança, convocados de universidades e de outras
instituições não governamentais,
"para revisar todo o procedimento e apontar o que está certo e o que está
errado”. “Se a nossa polícia fosse objeto dessa atenção, isso ajudaria a que os
excessos fossem refutados”, acredita.
A
secretaria de Segurança Pública afirmou, por meio de nota, que "a Polícia Militar acompanha os
protestos para garantir o direito à livre manifestação. Sua prioridade máxima é
garantir a paz e a segurança". Ainda afirmou que a PM de São Paulo
segue "à risca" os tratados
internacionais de Direitos Humanos,
"aos quais é uma das polícias mais alinhadas. É uma corporação que não
registra incidente com morte em manifestação, o que a torna referência no
mundo".
Fonte: EL PAÍS
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