Professor de medicina social na UnB acredita que quantidade de investimentos em pesquisas e de pessoas debruçadas sobre o tema levará à descoberta da vacina para a zika.
Mas destaca que o controle passa por saneamento e destino adequado
Especialista
em medicina social e tropical, Pedro Luiz Tauil tem esperanças de que,
em médio prazo, uma solução para o surto de zika e de microcefalia que
assola o país seja encontrada. Apesar de assustado com o número de
casos da malformação confirmados, o médico acredita que a quantidade de
investimentos em pesquisas em todo o mundo e de pessoas debruçadas
sobre o tema trará logo uma vacina para o vírus e uma solução no
combate ao mosquito Aedes aegypti. Em entrevista ao Correio, o médico
detalha as técnicas em andamento para o combate ao mosquito e destaca
que sempre houve preocupação do Estado com a dengue, mas que os casos
de microcefalia, cada vez mais comprovadamente associados ao zika
vírus, são devastadores e têm acelerado estudos para o
desenvolvimento de vacinas.
“É uma coisa que choca as pessoas.” Para o
professor, que dedicou grande parte da carreira à epidemiologia e ao
controle da malária, da dengue e da febre amarela, o combate mecânico
aos criadouros não é a solução mais efetiva, mas é o que pode ser feito
neste momento para conter a epidemia. “Eliminar o mosquito é uma tarefa
muito difícil. Precisamos de inovações. E, enquanto elas não vêm, o
que tem de ser feito é o combate mecânico mesmo.” Entretanto, Tauil
ressalta que o controle das viroses transmitidas pelo mosquito passa
por saneamento básico, abastecimento adequado de água e destinação
correta dos resíduos sólidos.
Em uma época onde a população urbana era muito menor. Nós tínhamos 50% da população em área rural e 50% em área urbana, isso na década de 1950, 1960. Como conseguimos eliminar o mosquito? Aliás, nós e mais 17 países da América. Foi uma campanha interamericana e, a partir de outros países que não conseguiram eliminar, como os Estados Unidos, o México, a Venezuela e alguns do Caribe, os outros se reinfestaram, com exceção da Ilha de Páscoa, no Chile, e o Canadá. A maioria está reinfestada, tanto que a chicungunha começou na América Central, em 2014. A complexidade da vida urbana é muito grande. Hoje, 85% da população brasileira vive em área urbana, e o fluxo foi tão intenso e rápido que fez com que a maioria dos municípios não conseguisse fornecer à população condições dignas de habitação e saneamento. Com isso, cresce a quantidade de Aedes. Recentemente, li que encontraram o Aedes até na Nova Zelândia, coisa que eles não tinham.
E qual é a principal dificuldade?
Primeiro, a expansão de prédios. Segundo, a falta de saneamento em favelas, cortiços e invasões. O cuidado básico nesses locais seria um bom fornecimento de água e destino adequado de dejetos. Terceiro, a indústria moderna privilegiou a confecção das embalagens descartáveis que, quando não recicladas, viram criadouros. Nunca tivemos tantos carros produzidos e o subproduto, os pneus, ninguém sabe o que fazer com ele. Houve uma solução, que era usá-los na confecção de massa asfáltica, mas pararam porque estava muito caro. E um quarto motivo é a segurança. As cidades são inseguras e as pessoas têm medo. O dono da casa não quer deixar o agente de saúde entrar para fiscalizar. E certos lugares que são inalcançáveis, como as favelas controladas pelo crime organizado.
O caminho de tentar eliminar as doenças com o combate ao mosquito é ineficaz?
Não. É uma das opções. Agora, estamos trabalhando em inovações para o controle desse mosquito. A primeira técnica, que acho bem promissora, é australiana. Eles introduzem no mosquito uma bactéria, a Wolbachia. Ela impede que o mosquito infectado viva infectante. Ela interrompe o ciclo impedindo que o vírus passe para o estômago e para as glândulas salivares. Está sendo testado em vários países: Singapura, Tailândia, China, Austrália. No Brasil, estamos trabalhando em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, em Tubiacanga, na Ilha do Governador e em Jurujuba, em Niterói (RJ). Em 20 semanas, cerca de 80% dos mosquitos foram substituídos por esses com a bactéria. Eles são produzidos em laboratório e liberados na natureza. Essa bactéria faz com que você conviva com o mosquito sem contrair as doenças, porque elas serão bloqueadas dentro dele. A segunda técnica é inglesa. Ela utiliza mosquitos transgênicos, que, mesmo fecundando as fêmeas, a prole não se desenvolve, morre como larva. Essa é está sendo utilizada no Brasil, em Juazeiro e em Jacobina, na Bahia.
Essa, utilizada na Bahia, pretende eliminar o mosquito?
Sim, nesse método, você elimina o mosquito, no outro você convive com ele. Em São Paulo, quando teve uma epidemia de dengue, construíram uma fábrica desses mosquitos em Campinas e estão testando em Piracicaba. Esse método é polêmico: você não pode parar de liberar esse mosquito na natureza, o que exige uma produção permanente, e o fato de ele ser transgênico pode fazer com que ele tenha uma outra adaptação. E a terceira técnica é a dos mosquitos irradiados com radiação gama proposta pela Agência Nuclear da ONU. Assim, ficam estéreis. Nessa você tem que jogar quatro mosquitos irradiados para um. Em alguns lugares, 10 para um, para competir com os mosquitos naturais.
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Fora as técnicas relacionadas ao mosquito, que outro caminho é importante?
As vacinas. Teríamos que ter vacina para os três tipos de doenças. Já temos para a febre amarela, a encefalite japonesa, mas não temos para outros flavivírus e outros alphavírus, como o chicungunha. Só que também têm entraves. A vacina da dengue de que estão falando protege contra os quatro tipo de vírus, mas protege pouco contra alguns deles, por exemplo, a dengue tipo 1 e tipo 2 — cerca de 40% de eficácia. Ela protege mais contra a dengue tipos 3 e 4, uma média de 60% de proteção.
Qual o tipo mais comum?
Todos. No DF, estão circulando os quatro tipos de vírus. E, além disso, essa vacina não é recomendada para menores de 10 anos e para maiores de 45. Ela exige três doses com um intervalo de seis meses cada uma. Você leva um ano para ser vacinado e, geralmente, essas vacinas de longa duração não alcançam grandes coberturas. Por exemplo, a de hepatite B. Os jovens não conseguem tomar. Tomam uma dose e depois acabam se esquecendo ou optam por não retornar. O que ela trouxe de bom? Reduziu drasticamente o número de casos graves.
Há esperança?
Sim. Em médio prazo e mais rápido do que se pensa. A esperança melhorou depois que o Obama convocou reunião com um grupo científico conceituadíssimo e altamente capaz. Ele ofereceu US$ 1,8 bilhão para resolver problemas relativos ao controle dessas doenças. Será que é por que gosta do Brasil? Pode até gostar, mas não foi por isso. Lá, eles têm Aedes aegypti em vários estados do Sul e o Aedes albopictus até a latitude de Chicago. Eles entraram lá com o comércio de pneus usados por Houston, no Texas. Então, com tantos investimentos e incentivos, vai vir coisa boa. O que deve sair em breve é uma solução sorológica para o vírus zika, que vai detectar os anticorpos. Pelas técnicas que temos hoje, se detecta fragmentos ou a presença do vírus na fase aguda, mas não dá para saber se uma pessoa teve a zika.
As pessoas estão tendo acesso a esses testes?
A quantidade de kits de sorologia enviadas aos estados não está sendo suficiente e a prioridade são as grávidas. Tem que ter uma melhor preparação.
O governo foi pego de surpresa?
Sim, porque o zika é novo. Ninguém achou que seria uma ameaça. Não dessa forma dramática. É uma coisa que choca as pessoas. Esse vírus já havia aparecido na Polinésia Francesa, mas não tinham identificado a microcefalia. Então a situação é muito difícil. Eliminar o mosquito é uma tarefa muito difícil. Ou convivemos com ele sem contrair as doenças ou tentamos reduzir ao máximo o número de mosquitos.
O governo está no caminho certo?
O caminho são as pesquisas e está todo mundo esperando os resultados dessas pesquisas de arboviroses, que são viroses transmitidas por artrópodes, insetos. Países do mundo inteiro estão produzindo artigos científicos e estudos para tentar solucionar. A minha esperança está nisso. Precisamos de inovações. E, enquanto elas não vêm, o que tem de ser feito é o combate mecânico mesmo.
Então os mutirões são uma solução...
É o que pode ser feito, não digo que eles sejam totalmente efetivos, mas é o que tem que ser feito. Esse mosquito tem preferência por água limpa, mas já foi encontrado em água poluída. Ele se adapta demais. Nós achávamos que aqui no Distrito Federal não teria mosquito por causa da altitude e da secura, mas ele se adaptou. Demorou 10 anos depois que ele entrou no Rio de Janeiro em 1986. Ele entrou aqui por Planaltina, quando estavam fazendo a Represa do Pipiripau. O abastecimento de água era só à noite. Então, durante o dia, as pessoas tinham de armazenar a água. Isso fez com que esses reservatórios permitissem a proliferação. Ele tem uma capacidade de adaptação muito grande e está na Terra há mais tempo que a gente. Uma das mudanças estruturais que precisamos mesmo fazer é o saneamento básico, o abastecimento de água regular e a coleta regular dos resíduos.
O que mais preocupa o senhor neste momento?
A suspeita de que o zika possa ser transmitido pelo mosquito comum. Essa hipótese foi levantada por uma pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco, que mostrou há presença do vírus na glândula salivar do pernilongo comum, que é o Culex. Ainda não há evidências de que ele transmita o vírus, mas se transmitir, é incontrolável. Ele se reproduz em qualquer água. Mas não se pode assustar a população. É preciso avançar nas pesquisas.
Por que essa concentração e casos no Nordeste?
Há hipóteses. Descobriu-se no sequenciamento do vírus que ele é muito próximo da febre amarela. Essa população, que vai do Ceará à Bahia, é muito pouco vacinada contra a febre amarela. A cobertura é baixíssima. É possível que a vacina de febre amarela em populações com alta cobertura possa estar dando uma proteção, pelo menos parcial, contra o zika. Por causa da semelhança, é possível. Isso ainda está sendo testando em Pernambuco por uma pesquisadora, que está fazendo um estudo de caso e controle para verificar os fatores de risco associados ao zika. Tem gente que até não acredita que a microcefalia é causada pelo zika.
O senhor acredita?
Temos evidências mais fortes a cada dia. Inclusive a Organização Mundial da Saúde recomendou que gestantes não viagem para países com epidemia. As evidências são muito grandes de que há uma associação. Mas ainda há muitas lacunas que precisam ser esclarecidas. Não dá para entender por que algumas mulheres com zika têm o bebê com microcefalia e outras não. Isso é o drama da microcefalia, que é mais chocante que a morte. É uma geração nova que está nascendo e a gente não sabe o destino dessas crianças nem como dar assistência.
Fonte: Correio Braziliense
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