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sexta-feira, 15 de abril de 2016

A lenda e a obra

Com a velha lorota de implantar um “Projeto Social” que na realidade jamais existiu, o método do trio Lula-Dilma-PT, depois de treze anos em Brasília, só conseguiu apresentar ao país um governo que incomoda a todos, mas é especialmente esmagador para os mais pobres. O Brasil está vivendo hoje uma de suas fábulas mais fabulosas, ou, para quem prefere uma linguagem com menos cerimônia, a maior mentira de todas as que já foram contadas por aqui nos últimos 500 anos. O grande conto do vigário de hoje não é a história de chamar o processo de impeachment de “golpe”. É uma falsificação tão miserável dos fatos que nem o próprio governo, o ex-presidente Lula ou o PT acreditam nisso; se acreditassem, já teriam tomado há muito tempo as providências legais para impedir o golpe, acionando as autoridades responsáveis pela segurança pública. 

Também não é a gritaria oficial contra a “violência” de quem está a favor do impeachment; que “violência” é essa, quando 3,5 milhões de pessoas, ou mais, vão às ruas de todo o país para pedir a saída de Dilma e não se registra um único episódio de desordem? Esqueça-se, ainda, a aflição das classes intelectuais com a “legalidade”, ou os esforços para transformar o juiz Sergio Moro numa espécie de capitão do mato das “elites” Moro, para resumir a ópera, é o homem mais popular do Brasil no momento. Não se trata nem nunca se tratou de nada disso, nem das outras contrafações multiúso em circulação atualmente na praça. A mentira campeã é a tentativa de dizer que há uma disputa entre “dois projetos de país”. Um deles é o “Projeto Social” Lula-PT para melhorar a vida do povo brasileiro. O outro não se sabe direito o que é, e nem interessa ─ basta saber que é o “projeto” de quem discorda de Lula e, portanto, é coisa do mal. Não pode ser debatido. É “deles”.

Trata-se de uma farsa, e por uma razão bem simples: Lula não tem projeto social nenhum. Sempre disse que tem, claro ─ é mentira velha. O que muda é a embalagem. Vem em garrafa, em lata, em plástico, mas a mentira é sempre a mesma. O ex-presidente, desde o começo de sua caminhada rumo ao topo, nunca se interessou por fatos. O que realmente vale, em sua maneira de ver o Brasil, é a imagem que consegue criar; acha mais eficaz substituir a ação pela comunicação. Política é coisa que se faz com um bom gerente de marketing, alguém capaz de entender a sua indiferença quanto aos teores de lógica, realismo ou verdade naquilo que diz; só lhe importa a quantidade de gente disposta a acreditar nele. 

O projeto de Lula é cuidar de Lula e convencer a maioria do público de que ele é mesmo o homem que diz ser. Quer que acreditem, por exemplo, que está sendo questionado na Justiça por causa de um pedalinho no sítio de Atibaia, ou porque tem uma adega com sabe-se lá quantas garrafas de bebida. Ou, então, que o juiz Moro é o culpado pelo desemprego (“Vão procurar os seus empregos com o Sergio Moro”, já disse), porque os processos de corrupção de Curitiba estão causando problemas para as empresas e daí elas demitem. Alguém engoliu? Então valeu. Tem dado certo; Lula já foi eleito presidente duas vezes e, mais que isso, conseguiu eleger Dilma Rousseff outras duas. No exterior, onde as lendas brasileiras mais esquisitas são tantas vezes levadas a sério, constava até há pouco tempo que ele era um grande reformador da sociedade no Terceiro Mundo. E o “Projeto Social” ─ resultou no quê? Não vem ao caso. Ficar fazendo perguntas sobre isso é “preconceito”.

A comprovação prática de que o avanço dos interesses populares, tal como é pregado por Lula, faz parte de um país imaginário está no fato de que o Brasil de hoje vai horrivelmente mal. Ou existe alguém achando que não vai? Após treze anos e tanto de governo pelo método Lula-Dilma-PT, temos acima de 10 milhões de desempregados na praça, mais do que em qualquer outra época ─ e com viés de alta. Para a maioria deles, perder o emprego não é um fenômeno da economia; significa ser jogado de repente à fronteira da miséria, ou algo tão parecido com isso que não dá para perceber a diferença. O Brasil está a caminho de três anos seguidos de recessão após um ano de crescimento zero, uma desgraça 100% assinada pelo trio citado acima ─ e, como se sabe, é impossível produzir menos e aumentar renda. Na verdade, o que está aumentando são as classes D e E, que só de 2015 até o fim de 2016 vão ganhar cerca de 8 milhões de brasileiros com renda familiar de 2 000 reais para baixo. Caso a economia não volte a crescer já, e muito, haverá mais pobres no Brasil em 2018, ao fim do mandato oficial de Dilma, do que havia em 2005. Não existe nenhuma defesa para eles. Os serviços públicos que deveriam atendê-los estão quebrados pela falência múltipla do governo. Governo ruim é isso ─ incomoda a todos, mas esmaga o pobre.

A grande lenda viva no Brasil conta que Lula comandou “reformas sociais” de alto alcance. Que reformas? Desde que ele chegou à presidência, e até hoje, não houve nenhuma reforma social de verdade neste país ─ não as reformas que realmente mudam alguma coisa decisiva. Onde está a reforma da lei de propriedade imobiliária, que permitiria aos pobres tirar escritura dos espaços que ocupam ─ e a partir daí obter patrimônio, crédito e respeito? Está exatamente onde esteve antes de Lula e PT: no zero. Não foi feito nada de sério na reforma da Previdência Social, uma aberração talvez sem paralelo no resto do mundo ─ 1 milhão de aposentados do setor público consomem mais dinheiro do governo, na hora em que o Erário paga os déficits perpétuos do sistema, do que 28 milhões de aposentados da área privada. Ao contrário: os reformadores sociais não admitem que seja feita a mínima mudança para reduzir a injustiça, turbinada pelo fato de que a Previdência, sozinha, gasta mais do que saúde, educação e programas sociais somados.

Jamais se fez uma reforma decente na saúde pública, que Lula já disse ser uma das “melhores do mundo” e na vida real é um dos piores insultos feitos pelo governo aos brasileiros que não têm dinheiro para pagar planos médicos privados. Estão entregues a hospitais sem anestesia para fazer operações, sem horário para consultas, sem vacinas para se defender das epidemias que nunca castigaram tanto a população como neste 14º ano de governos petistas. No momento, por sinal, o Ministério da Saúde foi posto à venda como um saco de batatas por Lula e Dilma, em sua guerra ao impeachment. Só falam no atrativo de sua verba de “90 bilhões” em 2016. Quando dizem “Ministério da Saúde”, não pensam em saúde ─ pensam em dinheiro. Que raio de reforma social estão fazendo aí ─ ou em qualquer outra área do governo que afeta diretamente a vida de quem nasceu no degrau errado da escala de renda? Não há força humana capaz de pôr no “Projeto” de Lula uma melhoria real da educação no Brasil, a única maneira conhecida de fazer com que os pobres saiam da pobreza e não voltem a ela. Nada é tão potente para diminuir as desigualdades quanto o acesso à instrução de qualidade; ninguém consegue ganhar mais sabendo menos. Mas o “Projeto” ignora esse fato. Em vez de cumprirem sua obrigação de fornecer uma educação pública menos miserável a todos, os donos do governo criaram “cotas” o que não ajuda em nada as dezenas de milhões de jovens brasileiros que nunca vão receber cota alguma.

Sobram, para ir ficando por aqui, os aumentos do salário mínimo, as estatísticas sobre um aumento de 130% acima da inflação, de 2003 a 2014, na renda dos 10% mais pobres da população, e o Bolsa Família. Os aumentos reais do mínimo foram criação do governo Fernando Henrique. Os 130% foram, como citado, para os 10% mais pobres, e a renda desses 10% continua sendo uma das mais baixas do mundo fizeram uma viagem da miséria à miséria. O Bolsa Família é um programa de preservação da pobreza nacional; como um cidadão deixará um dia de ser pobre com 150 reais por mês? É isso, no fim das contas, a soma total do que o governo tem a mostrar como “conquistas sociais”. É, também, tudo o que Lula, Dilma e PT prometem daqui para a frente. Estão vivendo o momento decisivo para escapar do impeachment e continuar mandando no Brasil querem garantir que o país não correrá nenhum risco de mudança, nem hoje nem nunca.

Por: J. R. Guzzo -Publicado na versão impressa de VEJA


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