Bruno Boghossian
Registros mostram que texto foi criado explicitamente para vetar casos como os de Alcolumbre e Maia
Em nome de um arranjo político, o STF deve abrir caminho para as reeleições de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) nos comandos da Câmara e do Senado. Além de liberar uma mudança nas regras do jogo com a bola rolando, o tribunal pode cumprir o papel de avalista de uma falcatrua histórica.
PARA O STF, ELES MANDAM NO BRASIL - Veja o apenas cuja falta liberou o casamento gay - Também confira aqui
Abaixo detalhes sobre o 'apenas' que faltou e liberou o 'casamento gay':
Constituição Federal:
"O presidente da República foi eleito para governar; deputados e senadores, para fazer leis. O Supremo, que não foi eleito,
existe para interpretar a Constituição, mas interfere em atos
administrativos, como nomear diretor da Polícia Federal. Faz leis,
inclusive a que desconsidera o art. 226 da Constituição, que reconhece a
união estável “entre o homem e a mulher como entidade familiar”.
[o argumento utilizado para redação virtual da interpretação criativa,
liberando o casamento entre pessoas do mesmo sexo (reconhecendo aquela
união como entidade familiar) foi a falta do advérbio 'apenas' antecedendo a preposição 'entre'.] Certas
invasões passam por cima do segundo artigo da Constituição, segundo o
qual os três poderes são “independentes e harmônicos entre si”.
A Constituição proíbe de maneira expressa as candidaturas de Maia e Alcolumbre para um novo período nas presidências do Congresso — não por acidente. A produção do texto teve a nítida finalidade de impedir reconduções desse tipo. Em 14 de setembro de 1988, oito dias antes da aprovação da Carta, o senador constituinte Jarbas Passarinho (PDS-PA) propôs um ajuste na regra das eleições para as cúpulas da Câmara e do Senado. Registros da Comissão de Redação mostram que ele incluiu a expressão "por dois anos" no artigo 57, a fim de estabelecer a duração dos mandatos dos presidentes das Casas.
O deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), que anos mais tarde presidiria o Supremo, concordou e explicou: "O que se quer evitar? Que a mesa eleita no primeiro ano da legislatura seja reeleita para o terceiro e o quarto ano da legislatura. Mas não se quer proibir que a mesa eleita no terceiro ano da legislatura possa ser reeleita no primeiro ano da legislatura seguinte". A redação foi aprovada.
Não existe nenhuma lacuna ou omissão. A Constituição liberou a reeleição em legislaturas diferentes, mas criou explicitamente uma proibição a duas eleições na mesma legislatura. Ainda assim, a cúpula do Congresso e o Supremo querem se associar numa trapaça para dizer que o texto diz exatamente o contrário do que foi escrito naquele dia.
Defensores da tese argumentam que o STF já se habituou a fazer interpretações criativas das normas vigentes, como no julgamento que criminalizou a homofobia. [não se justifica cometer um crime para punir uma talvez contravenção - além do mais é proibido o uso da analogia no direito penal.
Eventuais exceções devem ser sempre em benefício do réu e não podem ser criados tipos incriminadores. Saiba mais.] Essa decisão, no entanto, foi uma medida para garantir a proteção dos direitos dos cidadãos. No caso da reeleição, os alvos imediatos são apenas dois cidadãos, com nome e sobrenome.
Bruno Boghossian, jornalista - Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário