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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Lula e a democracia - Ricardo Velez

?Dizia o ex-ministro Delfim Netto, dia destes, que “Lula não é marxista”. Me lembro de alguém que perguntou, décadas atrás, ao Lula, se era comunista. Ele respondeu, rápido: “Sou sindicalista”. Acho que falou a verdade pela metade
Ele é um sindicalista de corte getuliano, num contexto de sindicato único e rígida representação corporativista, com fortes tendências caudilhistas, estatizantes e orçamentívoras. 
Mas, um sindicalista que paquera o comunismo. A maior prova, a criação do Foro de São Paulo, em 1990, iniciativa que Lula desenvolveu junto com Fidel Castro, com a finalidade de dar sobrevida ao comunismo na América Latina, depois da queda do Muro de Berlim. 

Chegado ao poder, Lula governou o Brasil como líder sindical, abrindo as comportas para os gastos dos sindicatos sem controle do TCU. Foi um líder e um presidente “camarada”, amigo dos sindicatos arregimentados à sombra do estatismo. Justamente por essa sua fidelidade ao modelito getuliano de sindicatos pelegos, Lula é simpático a todos aqueles que tentam governar no contexto patrimonialista, na América Latina e alhures, gerindo o Estado como bem de família ou da patota. 

Ao longo dos seus dois mandatos, Lula foi um colega camarada do ditador da Venezuela, Hugo Chávez Frias. Até chegou a declarar que “havia muita democracia na Venezuela”. E estabeleceu relações de camaradagem com o casal Kirchner da Argentina, com o líder cocalero que virou presidente da Bolívia, Evo Morales, com o presidente e ex-guerrilheiro tupamaro Pepe Mujica do Uruguai, com o presidente Rafael Correa do Equador e com o bispo e presidente Lugo, do Paraguai

Longe de condenar as FARC como terroristas, foi simpático a elas. Junto com Fidel Castro, como já foi frisado, antes de chegar à Presidência da República, Lula tinha criado o Foro de São Paulo em 1990. Fora do contexto latino-americano, cultivou relações amigáveis com o regime dos Aiatolás do Irã, com o populista presidente turco Erdogan, com o presidente francês Sarkozy e com o ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasongo

Obama prestigiou Lula quando naquela cúpula do G-20, em Londres, em 2009, trocou um aperto de mãos com o presidente brasileiro, olhou para o primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, e disse, apontando para Lula: "Esse é o cara! Eu adoro esse cara!". Em seguida, enquanto Lula cumprimentava Rudd, Obama disse, novamente apontando para Lula : "Esse é o político mais popular da Terra". Rudd aproveitou a deixa e disse: "O mais popular político de longo mandato". "É porque ele é boa pinta", acrescentou Obama [cf. Globo.com 02/04/09]. Todo esse capital político começou a ruir quando Obama, diante dos malfeitos do Mensalão, viu que Lula e o seu governo, em que pese a liderança carismática e as reformas em prol dos menos favorecidos, passaram a se assemelhar à quadrilha de Tammany Hall, a sociedade política formada por membros do Partido Democrata na cidade de Nova Iorque, que propunha, entre 1854 e 1934, profundas reformas sociais, mas que também atuava como quadrilha acusada de corrupção e abuso de poder. A respeito, escreveu Obama na sua obra intitulada: Uma terra prometida: “Constava também que (o presidente Lula) tinha os escrúpulos de um chefão do Tammany Hall, e circulavam boatos de clientelismo governamental, negócios por baixo do pano e propinas na casa dos bilhões” [Obama, Uma terra prometida. Tradução de Berilo Vargas, Cássio de Arantes Leite, Denise Bottmann e Jorio Dauster. 1ª edição, São Paulo: Companhia das Letras, p. 353]. 

Recentemente, o ex-presidente Lula comparou os 16 anos de Ortega na Nicarágua, à longa permanência da líder conservadora Angela Merkel à frente da Chancelaria da Alemanha e minimizou a repressão, em Cuba, do governo contra os opositores ao regime da Ilha, que reivindicavam mudanças e maior abertura política. Para os jornalistas Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, do Estadão, “As declarações de Luíz Inácio Lula da Silva sobre a reeleição do ditador Daniel Ortega, na Nicarágua, e as ações da polícia cubana para debelar protestos da oposição na Ilha trazem para o PT uma ‘vidraça’ extra nas eleições de 2022. Além das explicações sobre os escândalos de corrupção, Lula poderá ser alvo de ‘pedradas’ pelas posições a respeito de regimes autocratas latino-americanos [Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, “Negacionismo de Lula sobre ditaduras impõe ‘vidraça extra’ ao PT nas eleições”. O Estado de S. Paulo, 24-11-2021, p. A12].

Nem todo mundo, no arraial da esquerda, fechou com o ponto de vista de Lula acerca de Ortega na Nicarágua. Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), o louvor a Ortega é questionável. A respeito das declarações do ex-presidente, frisou: “Não tenho acompanhado essa questão do Lula, mas vemos com preocupação o continuísmo dele (Ortega), da família. Temos uma visão crítica” [in: Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, “Negacionismo de Lula sobre ditaduras impõe ‘vidraça extra’ ao PT nas eleições”, art. cit.]. Já para Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), ex-chanceler do governo de Miguel Temer, não é conveniente comparar “uma tirania corrupta e sanguinária de Ortega com o governo democrático de Merkel”. “A questão democrática – frisou ainda o ex-chanceler – não comporta ambiguidades; é uma questão de princípio, e o princípio tem de ser universal, não vale só aqui no Brasil. Alguém com a ressonância mundial que o Lula tem, quando trata desse tema, deve fazê-lo com uma responsabilidade que vai além do companheirismo interior do PT”.

Os jornalistas Marcelo Godoy e Pedro Venceslau frisam que “para Aloysio (Ferreira Nunes), a responsabilidade de Lula é maior em razão do momento, pois é a defesa da democracia e das instituições que une a oposição a Bolsonaro. Para ele, o petista precisa dialogar mais (com) outras correntes democráticas a respeito desse tema”, lembrando que o momento na América do Sul é de ascensão de forças de extrema-direita. 
Do lado do governo, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, publicou no Twitter que Lula “debocha da inteligência da população e do regime democrático”. Já a deputada Joyce Hasselmann (PSDB-SP), segundo os jornalistas do Estadão, ironizou com as seguintes palavras: “Imagino o desespero do PT quando Lula resolve comentar sobre os seus velhos amigos”.

Antes das declarações laudatórias de Lula, contam os jornalistas Godoy e Venceslau, “o secretário de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira, divulgara nota na qual celebrava a vitória de Ortega e classificava a eleição no país como ‘uma grande manifestação popular e democrática’. Diante da repercussão negativa, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou que a nota não havia sido submetida à direção partidária. O documento foi suprimido do site do PT, como se o tema estivesse superado”. A assessoria do ex-presidente Lula, por sua vez, declarou ser “falso e de má-fé afirmar que Lula teria apoiado ‘ditaduras de esquerda’ ou igualado a primeira-ministra Ângela Merkel ao presidente Daniel Ortega”. Segundo a assessoria, “Lula reafirmou a alternância no poder”, considerando errado e antidemocrático “prender opositores para impedir que disputem eleições”, sendo que “a autodeterminação dos povos deve ser respeitada”.

Para os jornalistas Godoy e Venceslau, ficou clara “a impressão, para a maioria dos que leram a entrevista, de que a ambiguidade petista em relação às ditaduras esquerdistas está viva”. E, para terminar, os jornalistas do Estadão citaram as palavras do historiador Alberto Aggio, docente da Universidade Estadual Paulista e especialista em história da América Latina: “Dizer que foi preso quando estava virtualmente eleito é uma artimanha, em vez de tratar da defesa da democracia como princípio universal”.

O mínimo que podemos dizer é que falta clareza a Lula nesta pré-campanha. As dúvidas talvez se desfizessem se o pré-candidato petista à presidência se submetesse, com coragem, ao teste das ruas, fazendo uma caminhada em pleno dia pela Avenida Paulista.

*       Publicado originalmente no site do autor.

**    Ricardo Velez é Ex-Ministro da Educação do Brasil (2019). Formado em filosofia (licenciatura, mestrado e doutorado), pesquisa a história das ideias filosóficas e políticas no Brasil e na América Latina.


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