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terça-feira, 20 de junho de 2023

PIB - Depois de xingar o agro, Lula usa sucesso do campo para se promover - Gazeta do Povo

Vozes - Alexandre Garcia

PIB

PIB
Agronegócio ajudou a impulsionar o PIB do primeiro trimestre.| Foto: Michel Willian/Gazeta do Povo/Michel Willian/Gazeta do Povo

Pois é: Lula chamou o agro de fascista, de negacionista, mas se aproveitou do agro para o seu governo dizer que estamos crescendo. É que o agro cresceu 23% no primeiro trimestre, com tudo aquilo que foi plantado no ano passado, e com isso subiu o PIB. 
Por enquanto, são consequências, principalmente, da política monetária do Banco Central, de proteger a moeda e o crédito. Essa é a função dele. Está mantendo a taxa Selic enquanto houver sinais de inflação em outros países
Nos Estados Unidos, o banco central de lá, o Fed, aumentou a taxa de juros por dez reuniões consecutivas e agora, pela primeira vez, está mantendo para observar
Os juros lá estão entre 5% e 5,25%, o que é muito alto para os EUA. Já o Banco Central Europeu está com taxa de 4%, que também é altíssima. Todo mundo sabe que lá na Europa os bancos praticamente não pagam juros, porque o juro é baixíssimo. 
Esta é a mais alta taxa dos últimos 22 anos na Europa, imaginem só.
 
Mas o Congresso também fez sua parte impedindo loucuras como voltar a estatizar a Eletrobras, acabar com o Marco do Saneamento, mexer no Banco Central, agora o governo está querendo a maluquice de desfazer a reforma trabalhista
Estão falando menos nisso tudo porque não se brinca com dinheiro. 
Dizem que o dinheiro não aceita desaforo. É uma questão de credibilidade.
 
Acho que poucos vão lembrar do milagre brasileiro. Eu lembro muito bem porque eu trabalhava no setor de Economia do Jornal do Brasil e cobri o milagre econômico. Delfim Netto era o mago das finanças. 
O presidente Médici entrava no Maracanã e sua presença era anunciada no alto-falante, porque ele recebia um aplauso incrível por causa do milagre brasileiro. Estava todo mundo empregado, o Brasil crescia 11,2% em média por ano – houve um ano em que cresceu 14%.  
Conto isso porque infelizmente não estamos vendo agora – ao menos eu não estou vendo o fator que provocou o milagre brasileiro: otimismo e entusiasmo.  
O que estou vendo é o contrário, principalmente no agro, que está sentindo essa história de marco temporal, ameaça fundiária, apoio ao MST, Marina vetando tudo, declarações do presidente da República contra os que semeiam suor...  
E o segundo grande setor do PIB, o de serviços, também é atingido na área urbana, eu vejo o cuidado.  
Depois não vamos dizer que nos surpreendemos. Não se brinca com credibilidade, o dinheiro não aceita desaforo. 
Ainda bem que o Congresso reagiu, e é bom que o Congresso continue pensando a respeito disso.

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Juíza que substituiu Moro enfim se livra da Lava Jato
A juíza Gabriela Hardt, que substituiu Sergio Moro e depois foi substituída por esse Eduardo Appio, que está sob investigação por andar fazendo ameaças, enfim se livrou da Lava Jato
Ela não aguentava mais; deve ser decepção com essas coisas que nos decepcionam também. 
Hardt queria ir para Florianópolis, mas não conseguiu; agora, foi para a 3.ª Turma Recursal do Paraná, ainda em Curitiba. 
E para a 13.ª Vara Federal de Curitiba (eu acho que o número 13 caiu direitinho em cima) vai o juiz Fábio Nunes de Martino, de Ponta Grossa.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Alexandre Garcia, colunista -Gazeta do Povo - VOZES

 

 

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Lula e a democracia - Ricardo Velez

?Dizia o ex-ministro Delfim Netto, dia destes, que “Lula não é marxista”. Me lembro de alguém que perguntou, décadas atrás, ao Lula, se era comunista. Ele respondeu, rápido: “Sou sindicalista”. Acho que falou a verdade pela metade
Ele é um sindicalista de corte getuliano, num contexto de sindicato único e rígida representação corporativista, com fortes tendências caudilhistas, estatizantes e orçamentívoras. 
Mas, um sindicalista que paquera o comunismo. A maior prova, a criação do Foro de São Paulo, em 1990, iniciativa que Lula desenvolveu junto com Fidel Castro, com a finalidade de dar sobrevida ao comunismo na América Latina, depois da queda do Muro de Berlim. 

Chegado ao poder, Lula governou o Brasil como líder sindical, abrindo as comportas para os gastos dos sindicatos sem controle do TCU. Foi um líder e um presidente “camarada”, amigo dos sindicatos arregimentados à sombra do estatismo. Justamente por essa sua fidelidade ao modelito getuliano de sindicatos pelegos, Lula é simpático a todos aqueles que tentam governar no contexto patrimonialista, na América Latina e alhures, gerindo o Estado como bem de família ou da patota. 

Ao longo dos seus dois mandatos, Lula foi um colega camarada do ditador da Venezuela, Hugo Chávez Frias. Até chegou a declarar que “havia muita democracia na Venezuela”. E estabeleceu relações de camaradagem com o casal Kirchner da Argentina, com o líder cocalero que virou presidente da Bolívia, Evo Morales, com o presidente e ex-guerrilheiro tupamaro Pepe Mujica do Uruguai, com o presidente Rafael Correa do Equador e com o bispo e presidente Lugo, do Paraguai

Longe de condenar as FARC como terroristas, foi simpático a elas. Junto com Fidel Castro, como já foi frisado, antes de chegar à Presidência da República, Lula tinha criado o Foro de São Paulo em 1990. Fora do contexto latino-americano, cultivou relações amigáveis com o regime dos Aiatolás do Irã, com o populista presidente turco Erdogan, com o presidente francês Sarkozy e com o ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasongo

Obama prestigiou Lula quando naquela cúpula do G-20, em Londres, em 2009, trocou um aperto de mãos com o presidente brasileiro, olhou para o primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, e disse, apontando para Lula: "Esse é o cara! Eu adoro esse cara!". Em seguida, enquanto Lula cumprimentava Rudd, Obama disse, novamente apontando para Lula : "Esse é o político mais popular da Terra". Rudd aproveitou a deixa e disse: "O mais popular político de longo mandato". "É porque ele é boa pinta", acrescentou Obama [cf. Globo.com 02/04/09]. Todo esse capital político começou a ruir quando Obama, diante dos malfeitos do Mensalão, viu que Lula e o seu governo, em que pese a liderança carismática e as reformas em prol dos menos favorecidos, passaram a se assemelhar à quadrilha de Tammany Hall, a sociedade política formada por membros do Partido Democrata na cidade de Nova Iorque, que propunha, entre 1854 e 1934, profundas reformas sociais, mas que também atuava como quadrilha acusada de corrupção e abuso de poder. A respeito, escreveu Obama na sua obra intitulada: Uma terra prometida: “Constava também que (o presidente Lula) tinha os escrúpulos de um chefão do Tammany Hall, e circulavam boatos de clientelismo governamental, negócios por baixo do pano e propinas na casa dos bilhões” [Obama, Uma terra prometida. Tradução de Berilo Vargas, Cássio de Arantes Leite, Denise Bottmann e Jorio Dauster. 1ª edição, São Paulo: Companhia das Letras, p. 353]. 

Recentemente, o ex-presidente Lula comparou os 16 anos de Ortega na Nicarágua, à longa permanência da líder conservadora Angela Merkel à frente da Chancelaria da Alemanha e minimizou a repressão, em Cuba, do governo contra os opositores ao regime da Ilha, que reivindicavam mudanças e maior abertura política. Para os jornalistas Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, do Estadão, “As declarações de Luíz Inácio Lula da Silva sobre a reeleição do ditador Daniel Ortega, na Nicarágua, e as ações da polícia cubana para debelar protestos da oposição na Ilha trazem para o PT uma ‘vidraça’ extra nas eleições de 2022. Além das explicações sobre os escândalos de corrupção, Lula poderá ser alvo de ‘pedradas’ pelas posições a respeito de regimes autocratas latino-americanos [Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, “Negacionismo de Lula sobre ditaduras impõe ‘vidraça extra’ ao PT nas eleições”. O Estado de S. Paulo, 24-11-2021, p. A12].

Nem todo mundo, no arraial da esquerda, fechou com o ponto de vista de Lula acerca de Ortega na Nicarágua. Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), o louvor a Ortega é questionável. A respeito das declarações do ex-presidente, frisou: “Não tenho acompanhado essa questão do Lula, mas vemos com preocupação o continuísmo dele (Ortega), da família. Temos uma visão crítica” [in: Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, “Negacionismo de Lula sobre ditaduras impõe ‘vidraça extra’ ao PT nas eleições”, art. cit.]. Já para Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), ex-chanceler do governo de Miguel Temer, não é conveniente comparar “uma tirania corrupta e sanguinária de Ortega com o governo democrático de Merkel”. “A questão democrática – frisou ainda o ex-chanceler – não comporta ambiguidades; é uma questão de princípio, e o princípio tem de ser universal, não vale só aqui no Brasil. Alguém com a ressonância mundial que o Lula tem, quando trata desse tema, deve fazê-lo com uma responsabilidade que vai além do companheirismo interior do PT”.

Os jornalistas Marcelo Godoy e Pedro Venceslau frisam que “para Aloysio (Ferreira Nunes), a responsabilidade de Lula é maior em razão do momento, pois é a defesa da democracia e das instituições que une a oposição a Bolsonaro. Para ele, o petista precisa dialogar mais (com) outras correntes democráticas a respeito desse tema”, lembrando que o momento na América do Sul é de ascensão de forças de extrema-direita. 
Do lado do governo, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, publicou no Twitter que Lula “debocha da inteligência da população e do regime democrático”. Já a deputada Joyce Hasselmann (PSDB-SP), segundo os jornalistas do Estadão, ironizou com as seguintes palavras: “Imagino o desespero do PT quando Lula resolve comentar sobre os seus velhos amigos”.

Antes das declarações laudatórias de Lula, contam os jornalistas Godoy e Venceslau, “o secretário de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira, divulgara nota na qual celebrava a vitória de Ortega e classificava a eleição no país como ‘uma grande manifestação popular e democrática’. Diante da repercussão negativa, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou que a nota não havia sido submetida à direção partidária. O documento foi suprimido do site do PT, como se o tema estivesse superado”. A assessoria do ex-presidente Lula, por sua vez, declarou ser “falso e de má-fé afirmar que Lula teria apoiado ‘ditaduras de esquerda’ ou igualado a primeira-ministra Ângela Merkel ao presidente Daniel Ortega”. Segundo a assessoria, “Lula reafirmou a alternância no poder”, considerando errado e antidemocrático “prender opositores para impedir que disputem eleições”, sendo que “a autodeterminação dos povos deve ser respeitada”.

Para os jornalistas Godoy e Venceslau, ficou clara “a impressão, para a maioria dos que leram a entrevista, de que a ambiguidade petista em relação às ditaduras esquerdistas está viva”. E, para terminar, os jornalistas do Estadão citaram as palavras do historiador Alberto Aggio, docente da Universidade Estadual Paulista e especialista em história da América Latina: “Dizer que foi preso quando estava virtualmente eleito é uma artimanha, em vez de tratar da defesa da democracia como princípio universal”.

O mínimo que podemos dizer é que falta clareza a Lula nesta pré-campanha. As dúvidas talvez se desfizessem se o pré-candidato petista à presidência se submetesse, com coragem, ao teste das ruas, fazendo uma caminhada em pleno dia pela Avenida Paulista.

*       Publicado originalmente no site do autor.

**    Ricardo Velez é Ex-Ministro da Educação do Brasil (2019). Formado em filosofia (licenciatura, mestrado e doutorado), pesquisa a história das ideias filosóficas e políticas no Brasil e na América Latina.


quarta-feira, 3 de março de 2021

"O Estado não consegue tudo sozinho"

Alexandre Garcia

"Na segurança, somos agentes e pacientes; na saúde, apenas tutelados pelo Estado"

O artigo 144 da Constituição estabelece que segurança pública, sendo dever do Estado, é direito e responsabilidade de todos. Por sua vez, o artigo 196 diz que “saúde é direito de todos e dever do Estado”. Ou seja, a Constituição nos dá responsabilidade pela segurança, mas não pela saúde. Na segurança, somos agentes e pacientes; na saúde, apenas tutelados pelo Estado. Delfim Netto, no curso da Constituinte, me disse, ironizando, que, quando tivesse diarreia, ia responsabilizar o Estado. É o que se está vendo nesta pandemia.
 
Para garantir nossa segurança, de nossa família e de nossa propriedade, usamos tranca, cadeado, alarme, câmera, armas de defesa — o Estado não está sozinho no seu dever. Mas, para garantir nossa saúde, a Lei Maior deixa o Estado como único responsável. 
Não será essa a explicação para as aglomerações em festas, bares, praias, eventos? 
Fica o Estado responsável único pela prevenção e tratamento da covid, pois assim diz a Constituição.
Boa saúde significa resistir a doenças com alimentação saudável, preparo físico, exposição ao Sol e ar puro, higiene corporal, cabeça boa — é a nossa parte. O Estado não consegue tudo sozinho. Agora mesmo, tive um caso que deve explicar por que tanta gente é hospitalizada e vai para a UTI. 
Uma auxiliar minha, trabalhando a distância, levou cinco dias para procurar o posto de saúde, com todos os sintomas da covid. 
O médico fez o teste e a mandou para casa para esperar o resultado.  
Nesse quinto dia, ao sabermos, providenciamos a medicação conhecida.  
Ao terceiro dia de tratamento, ela já estava quase sem sintomas e recuperando o olfato e o gosto. 
E só sete dias depois do teste é que saiu o resultado. Positivo.
 
Dependendo só do Estado, ela esperaria 12 dias, talvez com o pulmão já inflamado e em risco de vida. 
Fico imaginando quantos milhares de casos que se agravaram têm esse histórico. 
Quantos milhares são mandados para casa, já na fase 2, por falta de leito, sem a necessária medicação oral de corticoide e antibiótico, para cuidar dos pulmões. 
O triste é que boa parte da população não tem meios de libertar sua saúde quando a tutela falha.
 
Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

"Não há dever que consiga sustentar tanto direito"

 Alexandre Garcia

"O que falta é uma Carta atualizada, enxuta, menos passível de interpretações [criativas, mutáveis e adaptáveis] de Ricardo Lewandowski ou Davi Alcolumbre"

Os ventos do plebiscito no Chile atravessaram os Andes e chegaram ao Brasil. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu num evento jurídico um plebiscito para perguntar ao povo se está satisfeito com esta Constituição ou quer outra melhor. 
O que falta é uma Carta atualizada, enxuta, menos passível de interpretações de Ricardo Lewandowski ou Davi Alcolumbre
Uma Constituição que se baste e dispense interpretações. São 250 artigos, mais 95 disposições transitórias e 107 emendas em apenas 32 anos. Para a maior potência do planeta, bastam sete artigos, com 27 emendas em 230 anos. [O objetivo maior, ou único, da turma que produziu a 'constituição cidadã' foi - e a depender da turma do 'quanto pior, melhor' = continuará sendo -  o de apresentar uma 'constituição' minuciosa, detalhista, permitindo judicializar tudo, de forma absurda para explicar cada detalhe.
É público e notório que explicação, entendimento, cada um tem o valendo o ditado: "quanto mais explicação, mais complicação".
Um único exemplo: O artigo 142 da Constituição tem uma redação clara, mas, se estende em detalhar o que já detalhou e com isto abre portas para muitas interpretações = os gênios constituintes tiveram o desplante de inserir no § 1º daquele artigo uma determinação de que uma lei complementar daria os detalhes.
A LC foi editada - LC 97/99  - e com isso a turma do "se é possível complicar, para que facilitar?" passou a alegar que uma LC está abaixo da Constituição. 
Uma pegadinha para dar margens a interpretações criativas e convenientes a interesses não republicanos.
Seria bem mais simples determinar que naquele caso uma PEC substituiria a LC - com isto impediria que uma voz solitária, sustentada por um autoritarismo absoluto =  absolutismo  absurdo e antidemocrático =  interpretasse o artigo de forma autocrática.

Por aqui, uma decisão singular da ministra Cármen Lúcia, de 2013, em liminar, mexe com bilhões de reais em royalties de petróleo, e o plenário do Supremo ainda vai votar isso no próximo 3 de dezembro. E se derrubar? Vigora até hoje liminar do ministro Joaquim Barbosa, que renunciou ao Supremo Tribunal Federal, em 2014, suspendendo uma emenda constitucional que cria quatro tribunais regionais federais. 
Um único ministro do Supremo é mais forte que o poder constituinte do Congresso. 
Como confiar na base jurídica e legislativa do Brasil?
A Constituição de 1988 ainda foi feita sob a ressaca do período militar. O então deputado José Genoíno, um dos mais ativos constituintes, me disse, em fins de 1989, que “se soubéssemos que iria cair o Muro de Berlim, não teríamos feito esta Constituição”. O dínamo da Constituinte, Nélson Jobim, me disse que os criminosos comuns foram brindados com direitos por causa de uma “síndrome do preso político”
O constituinte Delfim Netto, um frasista, me disse que “como a saúde é direito de todos e dever do Estado, quando eu tiver diarreia vou processar o governo”
A Constituição tem 166 direitos individuais e coletivos e apenas 18 deveres. Não há dever que consiga sustentar tanto direito.

Criou uma mistura de sistema presidencial com parlamentar; sistema híbrido, portanto infértil. Detalhista, trata até do sabonete e do papel higiênico: no art. 7º, fala que o salário mínimo tem que abranger “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Estabelece o que nem as leis cumprem: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art.5º, caput). Logo depois, o art.6º estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. [sob a égide do artigo 5º é que o tacão do STF validou as cotas raciais = não se deu ao trabalho de pelo menos reescrever o artigo.

Foi também por falta de um 'apenas' no texto constitucional que o Supremo nos impôs a união entre pessoas do mesmo  sexo.]

Faltou dizer quem paga. O constituinte Roberto Campos disse que “o problema brasileiro nunca foi fabricar Constituições, sempre foi cumpri-las”.

Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Weintraub fez um Enem infernal - Elio Gaspari


Folha de S. Paulo - O Globo

Em dois dias, governo foi da onipotência à mistificação

O que aconteceu foi inédito: erraram nas notas


É a mesma história, a quitanda abre tarde, sem berinjelas para vender, nem troco para a freguesa. Não bastassem as filas do INSS, o governo conseguiu azucrinar a vida da garotada que fez o exame no Enem e viu-se tungada nas notas. Aos aposentados disseram que fila é “estoque” e atraso é “empoçamento”. Aos estudantes dizem que erro nas notas é “inconsistência” e que o Inep “imediatamente adotou medidas”. A primeira afirmativa é empulhação, a segunda, mentira.

O vestibular sempre foi uma crueldade imposta aos jovens brasileiros.  Em duas manhãs eles são obrigados a jogar um ano de vida, bem como suas expectativas pessoais e de seus familiares. Desde 2009 acontecem desgraças nesse exame. Num ano houve o furto de provas na gráfica, em três outros comprovaram-se vazamentos de questões. O que aconteceu com o exame de 2019 foi coisa inédita: erraram nas notas dadas a estudantes e em dois dias foram da onipotência à mistificação.

Aos fatos:
Vitor Brumano, 19 anos, candidato a uma vaga num curso de Engenharia, viu que sua nota não conferia. Tentou se queixar, mas não havia onde. Ligou para um 0800, e a atendente lhe disse que era isso mesmo. Registrou sua reclamação junto à Ouvidoria do Inep e recebeu a seguinte resposta: “O edital que regulamenta o exame não prevê a possibilidade de recorrer da nota, pois o desempenho do participante na prova objetiva é calculado com base na TRI, a prova do Enem tem 180 questões objetivas. Portanto, a média não é exatamente proporcional à quantidade de acertos porque as perguntas têm grau de dificuldade diferente”. Conversa de educateca.
Vitor criou um grupo no WhatsApp. Começou com sete jovens tungados e em poucos dias teve dois mil comentários.

No sábado, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que “nós encontramos algumas inconsistências na contabilização da segunda prova do Enem. (...) Um grupo muito pequeno de pessoas teve o gabarito trocado. (...) Estamos falando de 0,1%”. Conta outra, doutor, foram pelo menos seis mil jovens, e nenhum deles seria lesado em 0,1% de seu desempenho mas, em muitos casos, em 100%.
Weintraub sabe o que é ralar como estudante. Em 1989 ele estava no primeiro ano de Economia na USP e tomou quatro zeros. Como ministro, explicou-se: “Foi um inferno. Meus pais se separaram, teve o Plano Collor, minha família desmanchou, eu tive depressão e sofri um acidente horroroso que eu tive que colocar um parafuso no braço.” O inferno do jovem Weintraub derivou de circunstância pessoais. O inferno da garotada do Enem de 2019 derivou da incompetência, agravada pela arrogância de seus educatecas. Se jovens como Vitor Brumano não tivessem botado a boca no mundo e se não existisse o tambor das redes sociais, eles seriam jogados num estoque empoçado de estudantes reclamações.

Jair Bolsonaro e Weintraub sempre trataram o Enem como uma questão ideológica. Que seja, mas como diz o seu nome, é um exame. Quem quiser, pode travar uma guerra cultural em torno dos tipos de berinjelas. Afinal, entre outras, há as italianas e as chinesas (comunistas e globalistas). Acima das ideologias, vale a lei do professor Delfim Netto: A quitanda do governo tem que abrir cedo, com berinjelas para vender e troco para a freguesa.

Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

As ideias políticas de Paulo Guedes - Míriam Leitão

O que assusta é o quanto o ministro da Economia desconhece sobre a relação entre economia e política, entre democracia e fatores de risco atualmente avaliados pelos fundos de investimento. Se houver um outro AI-5, ou que nome tenha uma violenta repressão policial militar às liberdades democráticas, os investidores fugirão do Brasil. A economia não é uma ilha que possa manter seu equilíbrio sobre escombros da civilização.

[qual a razão de tanto medo da edição de uma norma semelhante ao AI - 5?
O Ato Institucional nº 5, foi o remédio adequado ministrado na hora certa.
Os que temem norma semelhante ou foram terroristas ou os admiravam ou atualmente estão contra o Brasil.]
O governo Bolsonaro neste momento saiu das palavras autoritárias para as propostas autoritárias. O perigo mudou de patamar. A ideia de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para ação na área rural mais a proposta de que dentro das GLOs haja o “excludente de ilicitude” formam uma mistura perigosa. E intencional, na opinião do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ): — Isso é um AI-5. Quando a GLO se generaliza e dentro dela está embutida o excludente de ilicitude temos um verdadeiro AI-5.

Em outro momento de sua desastrada e longa fala, Paulo Guedes disse que o presidente não está com medo do ex-presidente Lula. “Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente de ilicitude. Vam’bora.”
É impossível ir embora, tocar adiante com essa leveza que o ministro sugere, porque a expressão “excludente de ilicitude” parece um termo técnico e anódino, mas significa licença para matar. No país em que as forças de segurança matam muito e cada vez mais, em que os militares das Forças Armadas respondem apenas à Justiça Militar e em um governo que jamais escondeu sua profunda admiração pelas ditaduras, esse instrumento não é um detalhe burocrático. Pode ser a porta do horror.

O ministro repetiu uma ideia que é recorrente em seu discurso, a de que se há crítica ao governo é porque não se aceitou o resultado da eleição. “Sejam responsáveis, pratiquem a democracia, ou democracia é só quando um lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua?” Vários equívocos numa mesma fala. Pela ordem: não existem só dois lados na política, a eleição não é cheque em branco para que o governante possa fazer tudo o que lhe der na telha, a crítica é natural numa democracia, e protestos não significam necessariamente “quebrar a rua”. E se por acaso em alguma futura manifestação houver excessos, como o caso dos black blocs, nos protestos de 2013 e 2015, não é preciso abandonar a democracia. Como ficou provado na época.

O ministro continuou sua fala, sendo mais explícito: “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo”. Foi diferente. O AI-5 não foi feito porque o povo estava quebrando tudo. Foi o resultado de uma luta dentro do regime e venceu a ala que queria o endurecimento. “Às favas com os escrúpulos”, disse o então ministro Jarbas Passarinho. Delfim Netto achou que o ato era brando. A frase de Guedes “já não aconteceu uma vez?”, e a evidente ameaça que ela contém, mostra que 51 anos passaram em vão para Paulo Guedes. Ele não entendeu ainda o que havia de errado naquele ato liberticida.

Não viu também a mudança dos tempos. Se fossem repetidos hoje, os crimes do AI-5 afastariam totalmente os melhores investimentos do Brasil. Os novos administradores dos grandes fundos prestam contas aos stakeholders, ou seja, a todos os envolvidos direta e indiretamente em suas captações e escolhas de alocação de recursos.
No governo Bolsonaro já houve manifestações de rua contra e a favor. Normal numa democracia. O ministro gostou muito de uma que apoiava a reforma da Previdência. 

Houve até atos com presença de ministros do governo em que grupos pediram fechamento do Supremo. O problema nunca foi o que se pede nas ruas, mas o que o governo faz, como reage. Se estimula os ataques às instituições, se reprime com violência desmedida, se usa os atos como pretexto para decisões antidemocráticas.
Alguns tentam isolar a economia, dizendo que ela está melhorando, apesar dos péssimos sinais em outras áreas. Eu nunca acreditei que fosse possível essa separação. O ministro ajudou a esclarecer as coisas. Ao ecoar explicitamente a ameaça feita pelo filho do presidente, removeu o suposto isolamento e uniu a economia à parte sombria do governo que abraçou.

Blog da Míriam Leitão, jornalista, com Alvaro Gribel de São Paulo - O Globo

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Manifestação é decisão insensata [desnecessária, além de inócua, inoportuna]


"A conjuntura piora em uma velocidade enorme", diz Delfim

Domingo, dia 26, data marcada para manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e às reformas, será um ponto de inflexão nos rumos do governo e, consequentemente, do país. Se a convocação for muito bem-sucedida, com comparecimento maciço, Bolsonaro tenderá a achar que as forças da rua poderão viabilizar restrições à democracia ou até mesmo o fechamento do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF). Se ele der qualquer passo nessa direção, produzirá uma crise institucional que provavelmente desaguará em um processo de "impeachment" e o país terá uma nova eleição. Se, ao contrário, for fraca, ele virará a rainha da Inglaterra. Ficará isolado e haverá uma reorganização interna do governo.

"Foi uma decisão insensata", avalia o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto, ao considerar as duas hipóteses acima. "Já vimos duas dessas provocações darem com os burros n'água. A do Jânio Quadros e a do Collor." Delfim diz que sua intuição é de que a manifestação será "murcha". Nesse caso, Bolsonaro terá que se render à ideia de que fazer uma política republicana de divisão do poder com os partidos não significa participar da corrupção. Quando o partido do mandatário não tem maioria, o entendimento, em qualquer república democrática, é de que um conjunto de partidos vai se unir e dividir o poder. O Centrão, grupo informal de partidos composto por DEM, PRB, PP, PR, PTB, MDB e SD, nesse sentido, está exercendo o legítimo direito de participar do governo se o governo assim o quiser, considera o ex-ministro.

Na Alemanha, Angela Merkel, da União Democrática Cristã (CDU) fez acordo com o Partido Social-Democrata (SPD), da oposição, para quem destinou uma cota relevante de ministérios. Não se tem notícia de que isso implicou tolerância com a corrupção, cita. A opção de Bolsonaro, no entanto, tem sido pelo confronto. Há dúvida se isso decorre de ignorância ou se são movimentos táticos que obedecem a uma estratégia. O ex-presidente José Sarney disse, em entrevista ao "Correio Braziliense", no domingo, que "Bolsonaro está colocando todas as suas cartas na ameaça do caos". Delfim acredita que "é um misto das duas coisas, fruto da incompreensão de como funciona o exercício da política na democracia". Ele alerta: "Se alguém tiver a ilusão de que vai poder violar os dispositivos da Constituição de 1988, terá uma grande surpresa".


Um dos grandes erros do presidente e dos seus seguidores, segundo o ex-ministro, "é pensar que a voz do povo é a voz de Deus. Não é! A voz do povo é a voz do diabo, que está se divertindo. O povo não tem lealdade. Ele flutua, é influenciável". Outro erro é imaginar que as manifestações do último dia 15, contra o contingenciamento de verbas das universidades públicas, foram organizadas pela esquerda. "Esse é um grave engano, porque a esquerda não coopta mais ninguém depois do tumor de fixação que se criou no PT!", ressalta Delfim. Para ele, quem participou das passeatas de protesto naquele dia foram os alunos e os pais bolsonaristas, "que constituem a maioria".

Há 50 anos os governos fazem o contingenciamento do orçamento, seja durante o regime militar, seja na democracia, e "nunca houve manifestações ou passeatas contra; a notícia saía na oitava página dos jornais". As universidades, diz Delfim, sempre souberam disso. O Ministério da Fazenda contingencia as despesas à espera das receitas. O que houve de diferente, desta vez, "foi a imbecilidade de dois ministros da Educação, em um prazo de apenas cem dias, que ele [Bolsonaro] empurrou à população", acrescenta. Este foi mais um dos erros cometidos pelo governo. "Temos, nesses cinco meses, a maior densidade de lambança por unidade de tempo já vista no país", diz o ex-ministro, não em tom de blague como seria de se esperar, mas de perplexidade.

Curioso é que todas as controvérsias e fagulhas que ameaçam espalhar o fogo são produzidas pelo próprio governo. "É como aquele cara que joga a casca de banana na outra rua e, depois, atravessa a rua para escorregar na casca de banana", comenta.

No mais recente confronto, o presidente quis demitir o ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, por considerar que ele havia feito comentários desabonadores sobre o seu governo. "Ele desmoralizou os militares que estão do lado dele!", salienta Delfim, sem disfarçar o espanto.

O mesmo povo que elegeu Bolsonaro elegeu, também, 513 deputados e 54 senadores. Se a manifestação de domingo for muito bem-sucedida, a mensagem será de que o povo decidiu acabar com a democracia. Mas a democracia é uma cláusula pétrea da Constituição. O STF, como o garante da Constituição, em uma situação como essa, pediria ao Congresso o "impeachment" do presidente, o que levaria o país a uma nova eleição. "Imagine onde jogaremos o Brasil! E quem for eleito receberá os cacos do que um dia foi a economia brasileira, que colapsará instantaneamente", prevê.

A outra hipótese é a do isolamento do presidente, se o resultado da manifestação ficar aquém do esperado. Nesse caso, o governo se reorganizaria internamente para administrar o país até as próximas eleições. Delfim deixa claro que não se trataria, aí, de um governo sob o comando dos militares. Argumenta que é um erro pensar que os generais que estão em cargos importantes no governo representam as Forças Armadas. "Aposentados, eles são civis", reforça. Quando fala na eventualidade de uma reorganização interna, o ex-ministro diz que se refere à parte sensata do governo. Delfim e Affonso Celso Pastore conversaram na terça-feira. "Estamos plenamente de acordo: caminhamos para uma depressão econômica", diz o ex-ministro, conforme indica um estudo recente da consultoria de Pastore, divulgado no fim de semana pelo jornal "Folha de S.Paulo". "Estamos na boca de um buraco negro que está atraindo tudo lá para dentro. A conjuntura está piorando em uma velocidade enorme", lamenta.
Claudia Safatle - Valor Econômico


quarta-feira, 17 de abril de 2019

E se Guedes pegar fogo?


Se o ‘Posto Ipiranga’ fechar, todo mundo perde, mas a questão é saber como será possível mantê-lo aberto

Todos os adultos que ouviam Jair Bolsonaro dizer que não entendia de economia, mas tinha à mão o seu “Posto Ipiranga”, sabiam que isso era apenas uma frase engraçadinha. Alguns endinheirados, julgando-se mais espertos que os outros, viam nela uma promessa de abdicação. O capitão seria eleito, mas Paulo Guedes comandaria a economia. Fariam melhor se acreditassem em Papai Noel. Nos últimos 60 anos o Brasil teve doze presidentes e esse comando só foi delegado por três deles: Itamar Franco com FHC, Emílio Médici com Delfim Netto, e Castello Branco com a dupla Octavio Bulhões-Roberto Campos. Bolsonaro não tem a astúcia de Itamar, a disciplina de Médici nem o rigor de Castello. Para preservar o “Posto Ipiranga” precisará de astúcia, disciplina e rigor.

Quando o presidente meteu o sabre na política de preços da Petrobras, mostrou que precisa entender de administração. O estrago estava feito, e o caminhoneiro “Chorão” prevaleceu, ainda que momentaneamente. Prenuncia-se encrenca muito, muito maior: o incêndio do “Posto Ipiranga”. Cem dias de governo mostraram que a habilidade política de Paulo Guedes é mínima e, ainda assim, ele é obrigado a carregar as encrencas geradas pelo Planalto. Tudo isso com 13 milhões de desempregados e a economia andando de lado.

Se o “Posto Ipiranga” pegar fogo, por acidente ou autocombustão, a conta irá para todo o Brasil, para pessoas como as que procuram trabalho na fila do Vale do Anhangabaú. Guedes atravessará a lombada do preço do diesel, mas o seu cristal trincou. Desde a campanha eleitoral ele vinha repetindo uma palestra sobre macroeconomia. Desde o desastroso episódio da semana passada, o problema passará a ser de microgestão para prevenir o incêndio.

Guedes, ou qualquer outro ministro, não poderá carregar sozinho o piano da reforma da Previdência. Desde que ele atirou nas contas do Sistema S tem a má vontade do corporativismo empresarial. Isso para não mencionar os pleitos desatendidos na Fazenda que correm para outros ministérios ou mesmo para o palácio. A preservação de Paulo Guedes não poderá depender só dele. Com a quantidade de poderes que lhe foram atribuídos por Bolsonaro, competirá ao presidente impedir que apareçam novas lombadas. É isso ou é melhor que se comece a pensar num substituto, Armínio Fraga? Falta combinar com ele.

Em 1979 o economista Mário Henrique Simonsen aceitou o que supunha ser o comando da economia. Aguentou seis meses num ministério onde estavam as poderosas figuras de Delfim Netto (Agricultura) e Mário Andreazza (Interior). Simonsen foi professor e amigo de Guedes e ensinou-o desprezar a pompa do poder. Ele sabia que aceitou uma aposta e posteriormente arrependeu-se de tê-la feito. Durante seu ocaso, o presidente tinha a bala de Delfim Netto na agulha, pronto para assumir a economia. O professor largou o piano, chamou o caminhão da mudança e foi para a Praia do Leblon.

Guedes e Bolsonaro têm sobre suas cabeças a nuvem de uma cena ocorrida no gabinete onde hoje trabalha o capitão. O presidente João Figueiredo recebeu o professor sabendo que a conversa seria uma despedida. Era um general direto, desbocado.

—Mário, você acha que meu governo está uma merda, não?

—Presidente, eu estou indo embora — respondeu Simonsen.


O aspecto pitoresco desse diálogo tornou-se um irrelevante asterisco diante do tamanho da crise que já havia começado e caminhava para um catastrófico agravamento. Vieram o segundo choque do preço do petróleo e o colapso da dívida externa brasileira. Quem perdeu foi o Brasil.


Elio Gaspari - O Globo
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Aureliano, modelo de vice de Mourão, notabilizou-se por divergir do titular


Os vices, como os ciprestes, costumam crescer apenas à beira do túmulo. Mas há exceções. Hamilton Mourão, por exemplo, começa a exibir os galhos antes da posse. "Serei uma mistura de Marco Maciel e Aureliano Chaves", disse o número dois de Jair Bolsonaro nesta quarta-feira, referindo-se aos vices de Fernando Henrique Cardoso e do general João Baptista Figueiredo. Maciel foi um vice dos sonhos. Era quase invisível de tão magro e reservado. Aureliano, entretanto, frequenta o verbete da enciclopédia como um pesadelo que tirou o sono do último presidente da era militar. 

Corpulento e expansivo, foi um vice, por assim dizer, espaçoso. "O Marco Maciel era uma pessoa extremamente discreta, um político hábil. É um bom exemplo de vice-presidente", enalteceu Mourão, antes de acrescentar: "O Aureliano era um pouquinho mais audaz. Mas é também um bom exemplo para ser seguido." Recém-saído do quadro ativo do Exército, o general que Bolsonaro escolheu como companheiro de jornada parece ambicionar uma nova carreira: "Aureliano era político. Eu acabo aprendendo."

Afora as substituições rotineiras, Aureliano, o protótipo de Mourão, comandou o Planalto em duas longas interinidades. 


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segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O dia em que Fux beijou os pés da mulher de Cabral; Barroso abriu champanhe após punir Aécio

Já se conhecia o beija-mão. O beija-pé, se não é símbolo máximo da sujeição, deve ser puro ato de picardia. Quando ao brinde... Bem, não era em homenagem ao Estado de Direito

O Supremo Tribunal Federal não está imune aos comportamentos heterodoxos que têm marcado homens e entes do Estado. Ao menos dois ministros que tentam demonstrar uma particular robustez moral nos dias que correm andaram fazendo coisas pouco corriqueiras. Luiz Fux — o que nem se estranha muito — e Roberto Barroso.
 
O primeiro, ora vejam!, que admitiu em entrevista ter como padrinhos Delfim Netto, João Pedro Stédile e Antonio Palocci, além de ter mantido encontro prévio com José Dirceu à época do mensalão, não esqueceu de ser grato, de forma bem pouco usual, a um outro entusiasta de sua candidatura ao Supremo: o então governador Sérgio Cabral. A reverência, na verdade, foi feita à mulher do antigo Rei do Rio: a advogada Adriana Ancelmo, que está em prisão domiciliar. O marido está em cana a perder de vista.

Indicado por Dilma, Fux foi a casa de Cabral para agradecer o apoio. E, diante de testemunhas, fez um gesto que ele mesmo disse que seria inédito: ajoelhou-se, diante de todos, e beijou os pés de Adriana. Tem seu lado criativo, convenham. Já se conhecia o beija-mão. O beija-pé, se não é símbolo máximo da sujeição, deve ser puro ato de picardia.

E Barroso? Não consegui apurar por quê, mas o fato é que aconteceu. Depois da sessão da Primeira Turma que afastou, por 3 a 2, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) de seu mandato, violando a Constituição, o ministro seguiu para o seu gabinete e abriu um champanhe, que dividiu com assessores. Barroso tinha aberto também a divergência, contrariando os respectivos votos de Marco Aurélio (relator) e Alexandre de Moraes.

Qualquer que fosse a razão da beberagem, uma coisa é certa: não se comemorava ali o triunfo do Estado de Direito. É crime beijar os pés de alguém ou abrir champanhe? Resposta: não! Mas convém ouvir São Paulo: nem tudo o que podemos fazer nos convém, né?


 

 

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Senado é notificado e já pode reabilitar a Constituição e resgatar o estado de direito

Fala de Barroso é a de um burro ou a de um cínico; ele não é burro. Fux tenta ser sagaz, mas acaba se atrapalhando e confessa a barbaridade legal

O Senado foi notificado na noite desta quarta sobre a decisão da Primeira Turma do Supremo que, nesta terça, afrontando a Constituição e o Código de Processo Penal, afastou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do seu mandato, impondo-lhe ainda as seguintes medidas cautelares: proibição de falar com outros investigados, entrega de passaporte ao tribunal e recolhimento noturno obrigatório. Roberto Barroso, sempre muito criativo — é aquele que já reescreveu o Código Penal, tentando legalizar o aborto com a sua toga, ao conceder um simples habeas corpus inventou a semi prisão domiciliar. Mas sigamos: tudo caminha para que a Mesa submeta essa heterodoxia ao plenário. E, como já escrevi, uma das Casas do Legislativo brasileiro vai dizer se continua de pé ou se assina a própria extinção.

Os senadores que vieram a público até agora, incluindo Eunício de Oliveira (PMDB-CE), presidente, defendem que a decisão final cabe ao plenário. Dois ministros do Supremo foram explícitos a respeito: Marco Aurélio e Gilmar Mendes. E notem que eles não costumam seguir, digamos, a mesma cartilha. Quem conhece os bastidores do Supremo diz que assim também pensam Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Até Cármen Lúcia, que, a meu juízo, está na raiz dessa crise, teria considerado a decisão da Primeira Turma inoportuna. Ninguém tem dúvida sobre a opção de Edson Fachin. Foi ele quem inventou o afastamento quando relator do caso. Já sabemos o pensamento glorioso do trio do barulho: Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, os exóticos. Celso de Mello é incógnita. Um me diz: “É claro que ele discorda daquela aberração”. Ao que outro emenda: “Mas anda tão esquisito!”

Bem, meus caros, de toda sorte, a decisão está com a Mesa do Senado. Caso submeta a questão ao plenário, e se este a anular, anulada a coisa está. Não enxergo hipótese de judicialização posterior via STF. Se houvesse, nesse caso, triunfaria o bom senso.  Roberto Barroso, com aquele seu ar superior, quase etéreo, que passou a exibir depois que ganhou um lugar na corte, tentou justificar a excrescência: “Respeito todos os pontos de vista e acho que as pessoas na vida têm direito à própria opinião. Mas não aos próprios fatos. Os fatos são os seguintes: a Constituição brasileira, no artigo 53, parágrafo 2º, prevê que a prisão de um parlamentar só pode se dar em hipótese de flagrante de crime inafiançável. A primeira turma do STF não decretou a prisão do senador”,

A observação é burra ou cínica. E burro o doutor não é. Mostra-se até muito esperto. Ele deveria dizer a que artigo da Constituição recorreu para impor aquelas medidas. Resposta: a nenhum! Apelou ao Artigo 319 do Código de Processo Penal, só evocável quando, havendo os requisitos dados para a prisão preventiva (Artigo 312 do CPP), opta-se por medidas mais moderadas. Como o 312 não se aplica a Aécio, porque abrigado pelo Artigo 53, as medidas restritivas são ilegais. Ademais, um Senado que pode reverter até uma prisão em flagrante por crime inafiançável certamente pode rever ações menos gravosas.

Luiz Fux, aquele que resolveu zombar de um senador enquanto estuprava a Constituição, tentou ser sagaz, mas foi apenas desastrado. Afirmou: “Temos de deixar o Senado pensar bem naquilo que vai fazer diante da decisão judicial porque, se não me falha a memória, o senador já esteve afastado por decisão judicial, e não houve esse clamor todo”.

A memória não falha, mas o seu juízo sim! Não houve o que ele chama “clamor” porque cabia recurso. De tal sorte a decisão era estupefaciente que se dava como certo que seria revertida. Agora, como se sabe, não há apelo possível no tribunal. O que ele chama “clamor” é só um convite para que o Senado exerça a sua prerrogativa.
E o doutor entrega todo o serviço quando afirma: É uma medida prevista expressamente no Código de Processo Penal, no artigo 319, que diz com todas as letras: são medidas cautelares diversas da prisão. Esse dispositivo foi acrescentado ao Código de Processo Penal pelo Congresso Nacional em 2011. Portanto, é o Congresso Nacional que definiu que essa não é uma hipótese de prisão. Com todo o respeito a todas as opiniões, não há dúvida jurídica aqui. O direito é claríssimo. Agora, as pessoas todas podem ter a sua opinião política a respeito dessa matéria, menos eu, que não sou comentarista político.

Opinião política uma ova. É Fux quem tem de explicar o que fazer do Parágrafo 6º do Artigo 282 do mesmo código: A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”.

Os Artigos 312 e 319 do Código de Processo Penal são indissociáveis. É preciso que estejam dados os pré-requisitos do 312 (prisão preventiva) para que se apliquem, então, as medidas restritivas do 319, mais brandas. Pergunta: Aécio poderia ser preso nas condições dadas? Não! Logo, a decisão foi arbitrária. Opinião política, doutor? Quem confessou ter chegado ao Supremo apelando aos préstimos de Delfim Netto, João Pedro Stedile, José Dirceu e Antonio Palocci não pode ser, assim, tão altaneiro ao ignorar a lei.
Rosa Weber, tudo indica, não disse nada. Tão logo ela entenda o debate, talvez se manifeste.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo

 

 

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

STF segue padrão “Fux mato no peito” ou suspende denúncia contra Temer, devolvendo-a à PGR?

Tribunal pode decidir hoje se diz um “não” simbólico aos desmandos praticados por Janot e seu tropa de choque ou se transforma a Corte em casa de tolerância de arruaceiros institucionais

O Supremo pode votar nesta quarta — havendo a possibilidade de que fique para amanhã em razão da votação também por concluir da proibição do ensino religioso nas escolas — o pedido feito pela defesa do presidente Michel Temer de que seja suspensa a tramitação da segunda denúncia contra ele oferecida pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A defesa pediu também que a peça seja devolvida à PGR, uma vez que inclui uma penca de eventos anteriores ao mandato do presidente, o que contraria o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição. Mais: as acusações contra Temer estão ancoradas em fatos ainda em investigação.

Nota: Fachin rejeitou a devolução porque disse que esse julgamento que pode ser retomado hoje já começou. E daí? O que uma coisa tem a ver com outra. O pedido da defesa de Temer de suspensão da tramitação não está relacionado ao conteúdo da denúncia. Antecede a própria apresentação da peça. O argumento da defesa, consistente, é que as ilegalidades óbvias que marcaram a delação premiada dos Irmãos Batistas e seus cupinchas precisam ser antes investigadas, já que maculam tudo o que de lá decorre. E esta segunda denúncia está atrelada ao mesmo inquérito e também remete àquelas delações. Já a devolução está relacionada a questões técnicas.

Ainda que o tribunal venha a rejeitar a suspensão, como se especula, a devolução deveria ser efetivada para que a peça seja corrigida. Atrelar uma coisa à outra é mais uma heterodoxia do ministro Edson Fachin, o relator da Lava Jato. Uma coragem ele tem: não faz esforço nenhum nem para parecer isento em relação às coisas que dizem respeito ao presidente Michel Temer.

Pedido de vista
É possível pedir vista da estrovenga? Há prazo para que seja apresentado um eventual voto-vista? Resposta: não! Ministros hortelões, que adoram fazer plantação na imprensa, dizem que, se isso acontecer, os demais podem antecipar voto, formando maioria. Que seja. Mas o troço não será enviado à Câmara porque a presidente do tribunal não pode promulgar o resultado.
Fofocas assim só são plantadas para tentar intimidar membros da corte.

Vergonha na cara
Suspender a tramitação e devolver aquela porcaria à Procuradoria Geral da República são atos necessários. Evidenciaria que o tribunal tem vergonha institucional na cara. Na melhor das hipóteses, também Fachin foi ludibriado pelos irmãos Batistas, não é mesmo?  Seria um modo de a Corte deixar claro que não aceita o vale-tudo e a humilhação de um de seus membros, ainda que o relator, ele próprio, pareça apegado à pauta “Fora Temer”, que agora une Caetano Velloso, o mais importante líder esquerdista do país, e Deltan Dallagnol, o mais importante líder dallagnolzista…

Muito bem! O STF tem a chance de dizer ao Ministério Público Federal: “Os senhores têm de se comportar segundo as regras, segundo as leis, segundo a Constituição”.
Ocorre que também o Supremo não vive, vamos convir, seus melhores dias.  A entrevista concedida por Luiz Fux, por exemplo, ao Estadão no sábado passado entrará para a História Brasileira da Infâmia. O doutor disse não ver nada de errado no patriótico trabalho de Rodrigo Janot e ainda sustentou que o STF é um mero lugar de passagem da denúncia. Fux rebaixa o tribunal que ele próprio integra.

Um pouco mais de Fux
É um despropósito. Fux percorre caminhos tortuosos nessa e em outras questões, não é mesmo? Até a grama ressequida de Brasília sabe que o ministro vivia apavorado com a possibilidade de seu nome surgir em delações oriundas, como direi, da “Cabralândia”. Parte do terrorismo que os porões ligados ao MPF faziam com ele dizia respeito à sua suposta proximidade com o escritório de advocacia de Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral. Tudo indica que, por enquanto, esse risco está escondido nos corredores escuros em que se forjam delações que, na era Janot, pareciam mais vocacionadas a combater pessoas do que a combater crimes. A menos que elas passassem a colaborar com “a causa”.

Esse Fux janotista e lava-jatista é uma invenção relativamente recente. E parece ligado ao odor que emana dos tais porões. Não é só nesse caso. Todos os senhores ministros do TSE e do STF sabem que Fux, inicialmente, se opunha à cassação da chapa que elegeu Dilma-Temer. O voto informal que proclamava pelos corredores era justamente aquele que acabou saindo vitorioso. De repente, o homem mudou e passou a ser um defensor entusiasmado da cassação. Mais fabuloso do que seu voto, foi a argumentação. Disse ele:
“Hoje, vivemos um verdadeiro pesadelo. A sociedade vive um pesadelo pelo descrédito das instituições, pela vergonha, pela baixa estima que hoje nutrimos, em razão do despudor dos agentes políticos que, violando a soberania popular, violando a vontade intrínseca do povo, fizeram exatamente aquilo e justamente aquilo que o cidadão eleitor não desejava (…) No momento em que nós vamos proferir a decisão, nós não vamos levar em conta esses fatos sob uma premissa ortodoxa e ultrapassada, vamos desconhecer a realidade fática? (…) Será que eu, como magistrado que vai julgar uma causa com esse conjunto, com esse quadro sem retoques de ilegalidades e infrações, vou me sentir confortável em usar o instrumento processual para não encarar a realidade? A resposta é absolutamente não.”

Em síntese:
– admitiu dar um voto sob pressão;
– admitiu que estava dando um voto contra a norma legal, que chama de “premissa ortodoxa e ultrapassada”;
– trata o “instrumento processual” como inimigo da Justiça.

Bem, a ser assim, a se jogar fora toda formalidade, então estamos no pior dos mundos. No direito, mais do que em qualquer outra área do conhecimento, forma é conteúdo. Sem ela, estamos diante do mais escancarado arbítrio justiceiro.
Nada disso surpreende, não é? A sua já histórica entrevista concedida a Mônica Bergamo o resume com precisão: ali Fux explica como colou em Delfim Netto, Antonio Palocci e João Pedro Stedile para ser indicado por Dilma. Também esteve com os processados do mensalão José Dirceu e João Paulo Cunha. Admite ter dito, em conversa com José Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça, a expressão “mato no peito”  — entendida como promessa de votar em favor dos mensaleiros. Ele diz que não era bem assim. Mas, ele não nega, usou a tal expressão…

Volto ao começo
O Supremo vai fazer a coisa certa ou vai seguir o padrão Luiz Fux? Não tenho ideia. De todas os entes da República, se querem saber, é o que está passando pelo maior ritual de humilhação. A diferença do que pode pensar o ministro Celso de Mello, a melhor maneira de preservar o Ministério Público Federal é protegê-lo da ação de celerados que violam as leis, a Constituição e o estado democrático e de direito.

Segundo consta, a maioria fará do tribunal mera casa de tolerância de denúncia inepta e de comportamentos arruaceiros.  Que os senhores ministros pensem bem. Até porque há gravações circulando pelo lixão da moral, como eles mesmos sabem. E isso só está em curso porque homens de estado decidiram se comportar como pistoleiros.

 Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo