Em jogo, está uma resolução publicada pelo CFP em abril deste ano. A norma proíbe “utilizar o título de psicóloga ou psicólogo associado a vertentes religiosas” e “associar conceitos, métodos e técnicas da ciência psicológica a crenças religiosas”. Na prática, a consequência é que nenhum profissional pode se apresentar como um psicólogo de uma religião específica, nem incorporar princípios religiosos no seu atendimento.
O Partido Novo e o IBDR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião) contestaram parte da resolução, em ação ajuizada no STF em 4 de agosto deste ano. As duas entidades apresentaram uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra os incisos V ao IX do artigo 3º da resolução. A Suprema Corte aceitou analisar o caso e já pediu que o CFP se pronuncie. Semanas depois, o PDT, em reação ao pedido Novo, entrou com outra ADI para pedir exatamente o contrário, que o STF confirme a proibição de psicólogos de manifestarem suas crenças religiosas.
Violação da liberdade religiosaNa petição, o IBDR e o Novo afirmam que a resolução ultrapassa as atribuições legais do CFP e viola a liberdade religiosa. Os autores argumentam que a norma do CFP se baseia em “uma falsa ideia de neutralidade religiosa”.
Thiago Vieira, diretor do IBDR e um dos autores da ação, diz que o veto imposto pelo CFP é descabido. “O CFP deseja que os psicólogos se abstenham de expressar publicamente sua religião, mesmo que esta faça parte inseparável de sua identidade. Isso é notável, já que várias outras profissões, como magistrados, têm associações religiosas”, afirma.
Vieira explica que a laicidade do Estado, na Constituição Federal, não pode ser usada para remover a religião da esfera pública. “O Estado deve criar as condições mínimas para que as pessoas religiosas possam exercer sua fé sem obstáculos, devendo garantir que as pessoas possam exercer sua fé em qualquer lugar, seja público ou privado”, diz.
Ao apresentar seu posicionamento na ação que tramita no STF, o CFP defendeu as normas contestadas e argumentou que “o exercício da profissão de psicólogo (...) de uma perspectiva laica” é “um dever profissional”.
Apesar do discurso do CFP em defesa de uma visão “laica”, um dos itens da resolução afirma que os psicólogos não podem legitimar “práticas de intolerância e racismo religioso” contra “comunidades de matriz africana, indígenas e tradicionais” — o que dá a entender que a discriminação contra outros grupos religiosos não é vedada.
“Cura gay” é citada pelo PDT, mas não é tema da ação do Novo
Alguns grupos pró-LGBT têm descrito a ação do Novo e do IBDR como uma tentativa de favorecer as terapias que buscam mudar a orientação sexual dos pacientes — pejorativamente chamadas de “cura gay”. Esse é um dos argumentos apresentados pelo PDT.
Mas a argumentação do PDT é infundada. Em primeiro lugar, a ação no STF não tem a ver com a cura gay. “Nenhum dos incisos impugnados guarda qualquer relação com a sexualidade ou orientação sexual”, explica Thiago Vieira.
Em segundo lugar, o caso de Karol Eller não pode ser citado como exemplo que justifique a resolução, já que a relação entre mudança de orientação sexual e suicídio é incerta e pouco estudada.
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Apesar de algumas pesquisas apontarem que a terapia de conversão tem efeitos negativos sobre a saúde mental, as evidências são inconclusivas porque problemas metodológicos colocam em xeque esses estudos. Em um artigo científico publicado em 2022, o professor Christopher H. Rosik, da Fresno Pacific University, nos Estados Unidos, demonstrou que a maioria dessas pesquisas recruta participantes com o auxílio de entidades pró-LGBT.
“Esse descuido é com frequência um resultado de uma monocultura ideológica, em que pesquisadores, de forma compreensível, utilizam as redes, instalações, e organizações de aliados LGBT facilmente acessíveis a eles”, escreve. Rosik. Ou seja: a população incluída nesses estudos não é representativa do universo de pessoas que tenta mudar ou já mudou a orientação sexual.
Gabriel de Arruda Castro, colunista - Gazeta do Povo - Vida e Cidadania
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