Gazeta do Povo - VOZES
É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha,
como diz a Bíblia, do que fazer com que um ministro do Supremo Tribunal Federal se manifeste apenas nos autos, como é princípio elementar em qualquer democracia
séria do mudo. Os ministros do STF brasileiro são hoje oradores
políticos, principalmente em lugares como Paris, Nova York ou Lisboa –
onde em geral falam em português para plateias de brasileiros.
No tempo
que sobra das suas palestras, seminários e conferências, atuam como
juízes.
Mas no caso do último pronunciamento, por parte do ministro
Gilmar Mendes,
os brasileiros tiveram a oportunidade de ouvir a verdade que nenhuma
figura pública deste país foi capaz de dizer até agora: a presença de Lula
na presidência da República se deve ao STF. É, certamente, o maior
chamado à realidade que o Brasil já ouviu desde as eleições
presidenciais de 2022.
É muito bom que o ministro
Gilmar ter dito que disse, pois assim não se poderá mais acusar de
“desinformação” ou de outros crimes “contra a democracia”, o cidadão que
vem dizendo exatamente a mesma coisa há mais de um ano. “Se hoje nós
temos a eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do STF”,
afirmou o ministro em Paris, no último evento internacional de que
participou.
Num país
governado por um sistema oficial de mentiras, é realmente um conforto
ouvir um peixe graúdo do regime restabelecer a verdade.
Esse é o tipo do benefício que pelo menos os 60 milhões de brasileiros,
ou quase isso, que votaram no adversário de Lula, não queriam receber do STF.
Não se entende, também, como possam ser a “elite” denunciada por ele em Paris;
se fossem, o Brasil teria a maior elite do planeta, e todo mundo sabe que não
tem. Mas o que importa é a afirmação central de Gilmar Mendes: Lula só é
presidente do Brasil por causa do STF. Ele próprio, a esquerda e as classes intelectuais
acham que ganharam “a eleição”. Sempre foi falso. Quem ganhou a eleição para eles
foi o Supremo.
O STF fez tudo o que foi decisivo para Lula ser declarado presidente. Não só decidiu anular a sua própria jurisprudência e revogou a prisão em segunda instância, o que tirou Lula da cadeia onde estava cumprindo pena pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Também anulou as quatro ações penais contra ele,
com a prodigiosa desculpa de que o endereço dos processos estava
errado, o que suprimiu a ficha suja que o impedia de se candidatar.
Durante toda a campanha,
o braço eleitoral do STF, o TSE,
trabalhou sistematicamente a favor de Lula e contra seu adversário e
não permitiu nenhuma investigação sobre a contagem dos votos.
Ao
contrário: puniu, inclusive com multas de 22 milhões de reais, quem
cometeu o delito de apresentar uma petição ao próprio TSE para solicitar
um reexame da apuração.
Num
país governado por um sistema oficial de mentiras, é realmente um
conforto ouvir um peixe graúdo do regime restabelecer a verdade dos
fatos numa declaração pública.
Lula não foi colocado no Palácio do
Planalto pelo eleitor brasileiro; está lá pela vontade do STF.
Não está lá por seus méritos, a
“vontade popular” ou a vitória do amor sobre o ódio. Está lá porque o
STF quis; se não tivesse querido, Lula continuaria até hoje trancado
numa cela de Curitiba, e ninguém estaria ligando minimamente para ele.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos
J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
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