Escreveu alguém, não lembro quem, que a anistia funciona sobre o
ambiente político como rescaldo em área incendiada, quando se borrifa
água para extinguir focos de fogo ou brasa persistentes junto às cinzas.
Imposição de um já longo momento histórico
O momento político brasileiro se inclui entre os mais complexos de que tenho lembrança.
Há quase cinco anos o país convive com a censura, com os assuntos proibidos e as opiniões restritas, com a ditadura do consórcio de mídia e a manipulação da informação, com o cerceamento das redes sociais e com a teimosa recusa às urnas com impressora.
Assistimos o tratamento díspar proporcionado às forças políticas em confronto e vimos a carranca ameaçadora dos inquéritos do fim do mundo num mundo sem horizonte. Há setores da sociedade que a tudo chancelam e aplaudem delirantemente.
Por vezes, o aplauso tributado a uns foi, também, o apupo dirigido a outros e um contundente depoimento coletivo...
Assisti a
isso durante quatro anos e continuo assistindo.
Para descrever as causas
da completa erosão do ambiente político nacional, devo ainda devo
acrescentar dois itens: a surdez institucional à voz das ruas,
significando omissão e desprezo à opinião pública e o alinhamento
político da sólida maioria dos ministros do STF/TSE.
Tal conduta tem
sido proclamada com sinceridade cristalina em sucessivas e repetidas
manifestações. “Perdeu mané!”, “Missão dada, missão cumprida”, “Tem
muito mais gente para prender e multa para aplicar”, “Derrotamos o
Bolsonarismo”, “Lula não estaria no Planalto se o STF não tivesse
enfrentado a Lava Jato”.
Prisões políticas do passado
Em passado nada recente, tivemos presos políticos.
Muitos eram terroristas de fato, pertenciam a organizações políticas cujo viés revolucionário e comunista estava expresso nas siglas usadas, onde o C era “comunista”, o R era “revolucionário”, o T era “trotskista”, o B era “bolchevique”, etc.
Pegaram em armas e cometeram muitos crimes de sangue. Foram anistiados em 1979.
[muitos também foram indenizados e pensionados - um dos vermes, "Diógenes do pt", além de pensão mensal recebeu atrasados na época superiores 400.000 reais, enquanto uma das vítimas o HERÓI, soldado MARIO KOZEL FILHO, covardemente assassinado, tendo entre seus assassinos a ex-presidente, escarrada, teve seus familiares pensionados com um salário minimo mensal.] Aliás, a
história da República registra quase meia centena de anistias
concedidas. No geral, decorreram de negociações políticas, lidaram com
processos em curso e condenações penais envolvendo indivíduos ou grupos.
No final dos anos 70 do século passado, forte mobilização ganhou as
ruas pressionando o governo por uma anistia “ampla, geral e irrestrita”.
Graças a ela, militantes da esquerda voltaram ao Brasil, outros saíram
das prisões, outros ainda deixaram a clandestinidade e se incorporaram à
dinâmica normal da vida política.
Ao assinar a
lei de anistia, em 28 de agosto de 1979, Figueiredo reconheceu “que ela
não desfazia divergências”, ao contrário, estas “se refaziam pela
liberdade”. Era preciso, porém, continuou, “desarmar os espíritos pela
indispensabilidade da convivência democrática”.
Temos mais presos políticos do que Cuba
Passado meio século, o Brasil volta a ter presos políticos.
E os tem em número superior aos de Cuba.Mais de 1,5
mil cidadãos suportaram a pecha de terroristas a eles aplicada por
ministros do STF que tinham o dever de saber a diferença conceitual e
penal entre 1) estar na praça, 2) invadir um prédio 3) promover uma
quebra-quebra; 4) praticar golpe de estado e 5) executar um ato de
terrorismo.
Permaneceram
presos durante meses, submetidos às mesmas “excepcionalidades”
circunstanciais que impulsionaram extravagantes decisões judiciais
durante a campanha eleitoral de 2022. Os que voltam para casa, portam
tornozeleiras e deixaram no presídio direitos de sua cidadania.
Os
julgamentos a que assisti me revoltaram o estômago. Apenas o “animus
condenandi” foi presença mais presente do que a ausência dos réus.
Ah,
senhores, as penas! Penas desproporcionais destroem o senso moral da
sociedade! Lembro do mesmo tribunal julgando os réus do mensalão.
O
processo evidenciara o uso da publicidade oficial para financiar,
durante o governo Lula I, a compra de votos no Congresso Nacional.
O
sistema funcionava mediante três núcleos articulados e usados como tais
no julgamento: o publicitário, o financeiro e o político. Dentro deles
se posicionavam os réus. Tudo caracterizava o crime de formação de
quadrilha, só que não.
Embora também por esse crime os réus tivessem
sido condenados, um recurso de undécima hora, valendo-se do que Joaquim
Barbosa chamou maioria de ocasião, excluiu as condenações por formação
de quadrilha. Como consequência, os réus do núcleo político escaparam de
cumprir parte das penas em regime fechado.
Quem tem padrinho não morre
pagão e quem não tem comete crime até por estar sentado na praça, numa
cadeira de praia, comendo algodão doce.
Os atuais projetos de lei propondo anistia
Sei de três projetos, dois na Câmara dos Deputados (de autoria do Major Vitor Hugo e José Medeiros) e outro no Senado Federal (de autoria do senador Mourão). Têm características diferentes, mas não é impossível chegarem os autores a um acordo.
O que torna
indispensável a anistia é o somatório de “excepcionalidades”, o abandono
do senso de proporção na fixação das penas e o total desconhecimento
das atenuantes.
Como desconhecer a cultura política impressa no
inconsciente popular em um século e meio de história da República, que
sempre viu nas Forças Armadas a função de última instância que nossas
constituições jamais providenciaram?
Isso para não falar das atenuantes
proporcionadas pela própria atuação dos ministros ao longo dos últimos
anos.
Eu não aprovaria anistiar os depredadores infiltrados ou não,
presentes ou ausentes. Para os demais, contudo, a anistia é exigência do
senso de justiça. Ou da aversão à injustiça.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.
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