VOZES - Gazeta do Povo
São
Félix do Xingu, no Pará, está a 1,6 mil quilômetros de Brasília. Gaza
está a 10 mil quilômetros.
Para os brasileiros em geral, Gaza é vizinha
e São Félix do Xingu é no fim do mundo. Não sei se é a tal síndrome de
vira-lata, diagnosticada por Nelson Rodrigues, em que a vida brasileira
vale menos que as outras, ou se é um mecanismo de fuga, identificado por
Freud, que faz a gente se interessar menos pelo próprio país e viver
algum sonho d’além-mar.
Faz semanas que fervem os espíritos de
brasileiros da Vila Renascer, resultado de um assentamento do Incra em
1994, “indevido”, segundo a Funai, na reserva Apyterewa, de 980 mil hectares, onde em 1998 viviam 218 índios Parakanã. [em um cálculo rápido, pouco mais de 4.000 hectares para cada indígena.]
Veio ordem para desalojar os colonos, que plantam cacau e criam gado de subsistência, e demolir tudo, inclusive a escola.
Como eles não têm para onde ir, resistem.
A Força Nacional
está lá, helicópteros, Ibama, Funai – e o que acontece tem sido
considerado irrelevante pelos pauteiros das redações em geral.
O que
aconteceu em Israel serviu
para justificar a omissão com os brasileiros expulsos de território
brasileiro.
Todos esquecemos que foi assim que saímos do litoral; foi
assim que passamos por cima da Linha de Tordesilhas. Até que, nesta
semana, tivemos o primeiro sangue derramado. Um dos que resistiam
recebeu dois tiros – um no tórax e outro no abdômen.
Notícias de lá
contam que o prefeito ligou para o governador Helder Barbalho, que ligou
para o presidente Lula, que mandou suspender a operação de retirada.
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Enquanto
isso, no Mato Grosso do Sul, a mil quilômetros de Brasília, dois ônibus
desembarcam 80 índios em Rio Brilhante, e invadiram uma fazenda de 400
hectares, com 7 mil sacos de soja recém-colhidos e milho por semear. O
ex-governador Zeca do PT, hoje deputado estadual, denunciou a invasão na
Assembleia e afirmou que ele e Lula pensam o mesmo: garantir os
direitos dos indígenas, mas nunca concordar com invasões de terras
produtivas.
Zeca do PT foi quem abriu as porteiras da agropecuária do estado para o candidato Lula se eleger pela primeira vez presidente.
Esses
episódios mostram uma insegurança fundamental que afeta o território
nacional: a insegurança fundiária, agravada após a interpretação do Supremo do
marco temporal deixado pelos constituintes.
Ela é um dos lados da
insegurança pessoal, patrimonial e jurídica, que nos afeta, que torna o
futuro imprevisível.
Quem poderia fazer alguma coisa, o presidente do
Senado, declarou em Paris que não vai buscar medidas populares, “porque
qualquer instabilidade é muito ruim para o país”.
Manter o atual estado
de coisas, para ele, é melhor.
Significa manter o status quo. Vamos fingir que está tudo muito bem, porque afinal, a mais de 10 mil quilômetros de distância, o Hamas quer
eliminar Israel e Israel quer eliminar o Hamas. [enquanto discutem quem vai eliminar quem, Israel aprimora sua pontaria bombardeando civis palestinos na Faixa de Gaza e aplicando um bloqueio implacável - cortou o suprimento de alimentos, água, energia, medicamentos, gás - que atinge homens, mulheres, crianças e idosos que tentam sobreviver naquela região.
A leitura da matéria adiante linkada, publicada em O Globo, é um excelente exemplo do complexo de vira-lata:
"Benjamin Netanyahu recebe título de cidadão honorário de Rondônia em meio a guerra com o Hamas
'... De acordo com o decreto legislativo 2.403, de 11 de outubro de 2023, publicado no Diário Oficial desta segunda-feira, e assinado pelo presidente da Casa, o deputado estadual Marcelo Cruz (Patriota), Netanyahu foi merecedor da homenagem "pelos relevantes serviços prestados ao Estado de Rondônia" — embora o político israelense nunca tenha pisado na unidade federativa do norte do país...'"]
Quando e se acabar por
lá, estaremos de volta por aqui, desfrutando a paz dos passivos e dos
omissos.
Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
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