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sexta-feira, 14 de junho de 2019

Diálogos não visavam a prejudicar Lula

O hoje ministro Sérgio Moro continua o mais popular do governo Bolsonaro, apesar de algumas pesquisas mostrarem queda de popularidade.

Não é de hoje que há críticas pelo fato de o mesmo juiz, no caso Sérgio Moro, controlar as investigações, como na Operação Lava-Jato, e julgar os processos, dando a sentença final. Não é uma criação nem de Moro nem dos procuradores de Curitiba. É assim que funciona qualquer força-tarefa no Brasil, de acordo com o nosso Código de Processo Penal, ao contrário de outros países, como a Itália, ou países na América Latina, como México e Chile.  Eles têm a figura do “juiz de instrução” ou “juiz das garantias”, que atua apenas na fase inicial das investigações, autorizando ou impedindo ações como quebra de sigilo e interceptações telefônicas, depoimentos e prisões preventivas.

Nenhuma ação dos procuradores do Ministério Público nem da Polícia Federal pode ser feita sem uma autorização do juiz de instrução, que não participa, por impedimento legal,  das investigações, mas as controla.  Por isso Moro disse, logo no primeiro momento da divulgação de suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, que apenas combinou com os Procuradores as etapas das operações que tinham que ser autorizadas por ele, questões logísticas e exigências legais, como formalização de atos.

A Vara de Moro existe desde 2003 quando foi criada por recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para combater os crimes financeiros. Somente em 2014 a Força-Tarefa da Lava-Jato foi criada, por decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR). Também a Polícia Federal criou uma força-tarefa própria, que foi esvaziada no governo Temer a ponto de hoje só existir um policial dedicado exclusivamente à Lava-Jato. Quem organizou a Força-Tarefa do Ministério Público foi o procurador Deltan Dallagnol, que já trabalhara com o juiz Moro no caso Banestado, no início dos anos 2000.

O procurador integrou a Força-Tarefa que fez, em 2003, a primeira denúncia contra o doleiro Alberto Youssef. Ao formar o grupo que trabalharia na Lava-Jato, Dallagnol chamou o procurador Carlos Fernando de Souza, que também fez parte do caso Banestado, e outros procuradores com experiência em investigação de crimes do colarinho brancoDallagnol e Moro, portanto, se conhecem há 15 anos, e o papel de cada um sempre foi bem definido: o MP propõe medidas, e o juiz as aceita ou não. Para isso, tem que conversar, saber se é a melhor hora para fazer tal ação, se é possível atender aos pedidos dos procuradores e da Polícia Federal, se está bem embasado o pedido de prisão, autorizar quebra de sigilo.

Há uma proposta para a adoção do “juiz de garantias” no Congresso, em tramitação desde 2010, e provavelmente o caso das conversas reveladas pelo Intercept vai apressar uma decisão favorável.  Em todas as conversas reveladas pelo hackeamento do celular do procurador Deltan Dallagnol não há um só momento em que se flagre uma combinação entre ele e Moro para prejudicar o ex-presidente Lula ou outro investigado qualquer.

O fato de o Intercept ter publicado o que diz ser a íntegra das conversas ajudou a confirmar a percepção de que os dois só têm conversas a respeito de procedimentos, e o que parece uma participação indevida do juiz Moro, na verdade é a discussão de decisões sobre as investigações, ou a comunicação de uma testemunha que havia revelado um crime.  Mesmo as conversas entre os dois, que não são diretamente ligadas a casos específicos, são sobre o combate à corrupção, e como ela está arraigada na sociedade brasileira. Afinal, a Força-Tarefa da Lava-Jato existe para isso.

O hoje ministro Sérgio Moro continua o mais popular do governo Bolsonaro, apesar de algumas pesquisas mostrarem queda de popularidade.  A criação da figura do “juiz de garantias”, por outro lado, não é incontroversa. O Instituto dos Advogados do Brasil, por exemplo, é contrário. Diz um parecer do IAB: “Na prática, juízes, em razão da liderança funcional na condução de inquéritos, acabam por exercer atividades policiais e, com o tempo, tornam-se vítimas do fenômeno da “policização”, invertendo, muitas das vezes, seus originários e nobres objetivos”.


Correção

O desembargador Abel Gomes é do TRF-2 e não do TRF-4, como escrevi ontem. Ele julgou recursos da Lava-Jato do Rio de Janeiro.


Merval Pereira, jornalista - O Globo

terça-feira, 11 de junho de 2019

A Lava-Jato na berlinda

A Lava-Jato sempre temeu tentativas de enfraquecê-la, mas o maior golpe veio dela mesmo. Contudo, ela tem números incontestáveis


Dois ministros de tribunais superiores avaliaram ontem que as conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol não deveriam ocorrer da forma como ocorreram, mas ao mesmo tempo um deles disse que dificilmente o julgamento do ex-presidente Lula será revertido. Um dos militares com cargo no atual governo admitiu que “bom não é”, ao se referir aos diálogos já divulgados pelo site “Intercept Brasil”. A ordem no Planalto é de ser o mais cuidadoso possível em qualquer declaração sobre o assunto, mas o clima é de constrangimento.

Um dos ministros acha que há nos diálogos “uma clara violação à lei” brasileira que veda a proximidade entre o juiz e as partes para evitar “combinações”. Outro acrescentou que no Judiciário é fundamental a “publicidade e a transparência”. Em países como Portugal, por exemplo, existe a figura do “juiz de instrução”, que trabalha com as partes para a consolidação das provas. Mas exatamente por causa desse envolvimento ele não julga a causa. No Brasil, essa ideia de um juiz de instrução chegou a ser pensada, mas nunca foi aprovada.

Há uma ação em que os advogados do ex-presidente arguiram a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro depois que ele aceitou o convite para ser ministro do governo Bolsonaro. A 2ª Turma analisou, o ministro Edson Fachin iria indeferir, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista. Está parado desde dezembro. A questão é, diante dos fatos que foram revelados, isso poderia mudar?  — Não acredito. Isso é quase impossível. Para nós o fato consumado tem uma força muito grande. São processos julgados, são processos instruídos. Dificilmente um órgão julgador vai reverter esse quadro. No caso dele, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, voltar à estaca zero é muito difícil — disse um desses integrantes de tribunais superiores ouvidos ontem pela coluna.

O que se diz no Planalto é que houve um crime praticado por quem hackeou os aparelhos celulares e os aplicativos de mensagens do ex-juiz e dos procuradores. E que agora é preciso aguardar um pouco mais para se entender o contexto e todos os eventos relacionados com o fato.  O ex-juiz Moro e o coordenador da Força Tarefa não deveriam ter trocado informações fora dos autos e das conversas protocolares. Mas é difícil, diante de tantas evidências, achar que tudo o que houve na Lava-Jato durante cinco anos foi fruto de um conluio e apenas com o intuito de evitar uma candidatura. É incontornável o fato de que a operação tem revelado um volume exorbitante de atos de corrupção de políticos de diversos partidos, de empresários réus confessos, de operadores vindos do mundo das sombras.

Há números que falam por si. De 2014 até 20 de maio deste ano, a Lava-Jato havia condenado 159 pessoas, das mais de 400 acusadas, a 2.249 anos de pena por crimes como corrupção e lavagem de ativos. Foram 184 acordos de colaboração premiada. Outros 11 acordos foram de leniência. Bilhões foram recuperados. A ação que começou em Curitiba se espalhou pelo país e produziu uma enorme operação no Rio, e desdobramentos em Brasília e em São Paulo, com outros procuradores e outros juízes. Foram atingidos políticos de diversos partidos, alguns adversários entre si.

O procurador Dallagnol, no vídeo que divulgou ontem, contou que 54 pessoas acusadas pela Força-Tarefa foram absolvidas por Moro, o Ministério Público recorreu de centenas de decisões do ex-juiz. “Isso mostra que o Ministério Público não se submeteu ao entendimento da Justiça e que o juiz não acolheu o que o Ministério Público queria”. Mas não faz sentido explicar o que houve de estranho nas conversas entre ele e Moro com o argumento de um ataque à Lava-Jato.

Na verdade, a Lava-Jato desde o início vive o temor da conspiração contra ela. E várias vezes, teve razão, como ficou claro no desejo do governo do ex-presidente Temer de “estancar a sangria” ou de “manter isso aí”. Contudo, o pior ataque que ela sofreu vem dela mesma. No momento em que o ex-juiz Sérgio Moro deixou a 13ª Vara Federal para ir para o governo Bolsonaro, ele fragilizou a operação. Os diálogos divulgados agora são outra razão do enfraquecimento. Para avançar será preciso estar cada vez mais longe da briga político-partidária brasileira. O inimigo é a corrupção e não um partido. Quem pensou diferente disso, errou.

Blog da Miriam Leitão - O Globo