O Estado de S.Paulo
Presidente tenta escolher PGR com os filhos e as redes sociais bolsonaristas. É temerário
[um detalhe ínfimo que não pode ser olvidado: o presidente indica o PGR e esta após indicado, sabatinado e aprovado pelo Senado, tem um mandato e durante este é indemissível.
A independência é total - só pode ser demitido pelo Supremo, após processo regular; fpo essa característica que permitiu ao 'enganot' impedir, impunemente, Temer de governar.]
O presidente Jair Bolsonaro já disse que, se pudesse dar filé mignon ao
filho, ele daria. E não é que ele está distribuindo os filés da
República à filharada? O caçula entre os três mais velhos, todos
políticos, manda no Itamaraty e quer ser embaixador em Washington, o do
meio loteou a equipe de comunicação com amigos que vivem às turras com o
resto do Planalto, o mais velho agora quer indicar o procurador-geral
da República. E todos tentam controlar a PF, a Receita, o Coaf, o Moro. O
governador Witzel que se cuide no Rio.
Só quem compete com Flávio, o “01”, Carlos, o “02”, e Eduardo, o “03”, é
um ser difuso, sem nome, cara, alma e coração que responde pela alcunha
de “redes sociais”. Trancado no closet do Alvorada, longe de ruídos e
interferências, o presidente ouve os filhos e vai se alimentando pelo
Twitter, Facebook, Instagram e, assim, tomando as decisões públicas.
O ministro Sérgio Moro costuma brincar que todo jornalista pergunta a
mesma coisa: “E a Ilona Szabó?” Para quem não se lembra, essa foi a
primeira derrota de Moro num governo em que deveria ser superministro
(aliás, com toda justiça, sem trocadilho). Ele convidou Szabó para uma
mera suplência de um mero conselho, os bolsonaristas de internet
reclamaram e o presidente mandou desconvidar. E tem sido sempre assim,
como se o estardalhaço das redes fosse igual à “voz das ruas”. Não é.
Segundo ministros que entram, como o general Luiz Eduardo Ramos, e que
saem, como Gustavo Bebianno, Bolsonaro não é tutelado por ninguém. Em
outras palavras, essas barbaridades todas que ele vem dizendo num ritmo
de metralhadora são coisas de um tripé: ele próprio, os filhos e as
redes bolsonaristas. Um tripé do barulho.
Imaginemos quem será o novo procurador-geral da República, um
cargo-chave em qualquer época, qualquer governo, porque chefia o
Ministério Público e exerce as funções do MP no Supremo, no STJ e no
TSE. Logo, precisa de muito equilíbrio, inclusive emocional, para agir
com altivez e independência diante dos Poderes, mas entendendo e
respeitando o tabuleiro político. Corajoso, não incendiário – diante
também do presidente que o escolhe. Não é essa a expectativa. Fernando Henrique teve um “engavetador-geral da República”, Lula nomeou
petistas-sindicalistas do MP, Rodrigo Janot tinha obsessão em derrubar
Michel Temer, Raquel Dodge apanha mais pelas virtudes do que pelos
defeitos. E Bolsonaro procura alguém à imagem e semelhança dele próprio.
Está difícil e pode dar muita confusão. Aliás, já dá. A indicação
atribuída a Flávio Bolsonaro, se verdadeira, é um escândalo. Seria de um
sujeito com suspeitas de embolsar duas vezes a mesma verba, falsificar
assinatura e daí por diante. Alguém assim incendiaria a PGR e o
Ministério Público todo. A questão não é o procurador-geral ser da lista tríplice ou não, de
direita ou não, bolsonarista ou não. Mas, por favor, que seja alguém que
tenha, ao menos, reputação ilibada e conduta irretocável, além de óbvio
saber jurídico. Tem muita gente boa de direita e conservadora que tem
esses atributos. Será que só serve apadrinhado do “01”, do “02”, do “03”
ou dos três juntos?
Todo cuidado é pouco, porque a escolha para a PGR coincide com o
“strike” que os Bolsonaro tentam fazer, mirando no Coaf, na Receita
Federal e na Polícia Federal e ampliando, assim, uma lista interminável
de vítimas que inclui Inpe, Ancine, Ibama, ICMBio, Fiocruz, IBGE. Se o presidente não é tutelado, pelo menos deveria ouvir a voz da razão e
dos que conhecem a importância da PGR, o que, definitivamente, não é o
caso dos filhos nem das redes sociais. Esse não é um filé mignon
qualquer. E pode custar um preço muito mais alto do que o próprio
presidente imagina.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo