Correio Braziliense
''O presidente não tem os poderes para governar, mas tem a responsabilidade de governo.
O Congresso manda no orçamento e não tem o ônus de arrecadar os recursos, nem a responsabilidade de governar.
Ou seja, tem o bônus de gastar''
Nós, brasileiros, não perdemos a mania de discutir o evidente. Isso
acontece porque não nos damos conta do óbvio. A Constituição começa
dizendo que “todo poder emana do povo”. Se democracia é a vontade da
maioria, então o poder emana da maioria do povo. Mas uma grande maioria
da dita intelectualidade contesta essa obviedade. Afirma que democracia
não é a vontade da maioria. Que a vontade da maioria vira ditadura
contra a minoria. E que, portanto, é preciso impor, sim, a vontade da
minoria, para que haja democracia. Os gregos chamavam isso de sofisma. O
sofisma vem, a propósito, da minoria derrotada na última eleição
presidencial, numa insistência miliciana, demostrando não aceitar que
por quatro anos o país seja governado de acordo com os princípios de uma
maioria de mais de 57 milhões de eleitores.
Isso não é de agora. Sou eleitor desde 1960 e já participei de três
consultas populares cujos resultados foram desprezados pelos
legisladores, sem cobrança por parte dos meios de informação. Em 6 de
janeiro de 1963, os brasileiros se pronunciaram em plebiscito a favor da
forma presidencial de governo em 82%; o sistema parlamentar ficou em
18%. Trinta anos depois, em 21 de abril de 1993, em referendo, quase 70%
dos eleitores afirmaram preferir uma república presidencial; e 30%
ficaram com a forma parlamentar de governo republicano.
Ainda assim, nossa Constituição mantém uma forma Frankenstein de governo, em que o presidente não tem os poderes para governar, mas tem a responsabilidade de governo.
Ainda assim, nossa Constituição mantém uma forma Frankenstein de governo, em que o presidente não tem os poderes para governar, mas tem a responsabilidade de governo.
O Congresso manda no orçamento e não tem o ônus de arrecadar
os recursos, nem a responsabilidade de governar.
Ou seja, tem o bônus
de gastar.
[apesar de ser público e notório que as conclusões deste parágrafo estão fundamentadas na Constituição de 1988, é sempre conveniente a leitura seja pelo Parlamento - que só tem competência constitucional para legislar - seja pelo Judiciário - que pelo texto constitucional não legisla, nem governa.]
[apesar de ser público e notório que as conclusões deste parágrafo estão fundamentadas na Constituição de 1988, é sempre conveniente a leitura seja pelo Parlamento - que só tem competência constitucional para legislar - seja pelo Judiciário - que pelo texto constitucional não legisla, nem governa.]
O mesmo aconteceu com o referendo sobre armas, em 23 de
outubro de 2005, sobre a lei que queria proibir o comércio de armas.
Apenas 34% concordaram. E 64% foram contra, a favor das armas. Ainda
assim, as restrições ao sagrado direito da legítima defesa continuaram
no Estatuto do Desarmamento.
O que há com os
que foram eleitos para representar seus mandantes?
Não teriam que
refletir a vontade da maioria?
O parlamento existe para fazer e mudar
leis, fiscalizar, criticar, apoiar –– mas não para governar.
Controlando
e usando os recursos de governo, está invadindo o outro poder e o
enfraquecendo –– alterando o equilíbrio necessário entre os poderes.
Quanto à vontade da maioria, ela se impõe nos objetivos governo, mas não
em detrimento da minoria, já que os direitos têm que ser iguais para
todos, maioria ou minoria. A inversão totalitária dessa igualdade é, a
pretexto de justiça, dar mais direitos às minorias, como a prática tem
mostrado. E aí temos o paradoxo da “democracia” com mais poder às
minorias.
Nos últimos anos, as redes sociais
deram voz a todos, rompendo o monopólio dos meios tradicionais de
informação. Democratizou-se a informação, mesmo com a resistência dos
que dominavam a opinião e a informação. Antes da era digital, a forma
de conduzir multidões foi manter uma minoria no comando dos instrumentos
que poderiam controlar corações e mentes. Foi esse tipo de máquina de
engodo e convencimento que ajudou a manter no poder ditadores como
Mussolini, Hitler, Stálin, Mao, Castro. Uma minoria do partido, ou da
ideologia, com o monopólio da informação e da voz, fazia prevalecer a
vontade, o domínio do pensamento. Quem acompanhou a Constituinte de 1988
sabe muito bem como a voz da minoria produziu consequências. Agora a
voz do povo já dispensa intérpretes para atravessar o concreto das duas
cúpulas de Niemeyer.
Alexandre Garcia - Coluna no Correio Braziliense